A Agencia Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ao editar resolução sobre os sistemas de distribuição de energia elétrica, adota medida que vai ao encontro dos interesses de milhares de pequenos e médios produtores rurais e agricultores familiares que defendem a democratização da produção e comercialização da energia renovável no país.

Inicia-se um processo extremamente importante para o país e que seguramente pode provocar  profundas transformações no campo e na cidade, na produção, distribuição e  desconcentração de renda, possibilitando um grande avanço na melhoria do índice de Gini do Brasil– que mede o índice de concentração de renda do país  – que é um dos piores do mundo, em que pese todos os importantes avanços nos  últimos nove anos para a população em geral.

 A Agencia Nacional de Energia Elétrica – Aneel publicou no dia 17 de abril, Resolução Normativa 482 adotando o sistema de compensação de energia elétrica que permite que a energia gerada por unidade consumidora com microgeração ou mineração compense o consumo de energia elétrica, injetando energia no sistema de compensação de energia elétrica, diminuindo, desta forma, o valor da conta de luz a ser paga, sendo que no caso de crédito, o saldo poderá ser compensado no consumo de outras unidades, conforme critérios da resolução. Estamos falando de energia elétrica oriundas de fontes de energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada.

Esta medida da Aneel, ainda que parcial – pois precisa ser acompanhada por medidas que viabilizem economicamente a aquisição de equipamentos -, tem um valor enorme. Para um país das dimensões territorial do Brasil e com a característica de ser um país tropical e com grande manancial de água, não há a menor justificativa de ter um sistema de geração e distribuição de energia renováveis somente  centralizada em grandes barragens – em que pesem serem também necessárias-, e a concentração da produção do álcool combustível na região centro-sul do país.

A matriz energética brasileira é uma das matrizes mais limpas do mundo, proveniente de fontes renováveis. Entretanto, a produção desta energia é concentrada em grandes grupos econômicos nacionais e internacionais e em determinadas regiões. Impossibilitando milhares de moradores do meio rural se beneficiarem da produção desta magnifica riqueza.

No caso do álcool combustível, em torno de 52% é produzido em São Paulo, 8% em Minas Gerais e o restante, distribuído dentre outros estados em Goias, Mato Grosso e do Nordeste do país. Isto gera uma concentração de renda, e um passeio antieconômico do produto.

Há anos que entidades de produtores rurais, professores, profissionais e especialistas do setor sucroalcooleiro veem defendendo a produção de álcool combustível por pequenos e médios produtores rurais, pela agricultura familiar através de microdestilárias de álcool. Varias experiências exitosas já foram realizadas mas é necessário que se transforme em uma política  governamental e com mudanças na legislação, possibilitando, desta forma, a comercialização do álcool por parte dos pequenos produtores.

Atualmente, a ANP restringe a autoprodução e a comercialização de álcool combustível por parte das pequenas destilarias. No atual modelo, o álcool tem que passar pela distribuidora e só depois, pode ir para os postos de gasolina. Se o pequeno produtor vender combustível diretamente aos consumidores, pode ser penalizado até mesmo com prisão. É um modelo que não cabe na realidade brasileira, sob o falso argumento de que é preciso ter controle de qualidade do produto e fiscalizar a tributação. Situações totalmente administráveis, no próprio município.

Há estudos que demonstram a viabilidade econômica, social e ambiental da produção descentralizada da agroenergia. Não há mistério para o controle de qualidade e de tributação. A cadeia do leite – que é a maior dentre todos os produtos agrícolas -, demonstrou que estes quesitos não são empecilhos para o desenvolvimento de modelo de produção, distribuição e comercialização, atendendo plenamente as questões tributárias e de controle de qualidade.

Esta resolução veio compensar, minimamente, os equívocos nas políticas para o setor sucroalcooleiro praticados até então! A luta em torno do petróleo derivou-se também para o setor de energias renováveis. E o país perdeu a grande oportunidade de manter o setor sob o controle nacional. Hoje, mais da metade do álcool combustível é produzido por transnacionais que passaram a ditar as regras até mesmo da oferta e dos preços do combustível. A crise de  abastecimento atual, com a importação de gasolina e de etanol dos Estados Unidos, onde o custo de produção do mesmo é muito maior, é a prova.

Esta resolução da Aneel favorece um uso mais eficiente da energia elétrica, pois o consumidores não são mais obrigados a comprar das distribuidoras tudo o que consomem. Mas quem vai pagar a conta, inicialmente, é o pequeno produtor: o investimento na compra de equipamentos é por conta própria. A distribuidora não precisa arcar com os custos de adequação, ou seja, da instalação do sistema de medição. E não há qualquer incentivo fiscal para que o consumidor se transforme num produtor de energia renovável, subsídios que já existem em muitos países de economia capitalista avançada. Situação que pode se alterar, bastando apenas que o governo implemente incentivos fiscais para o setor, com benefício para toda a cadeia industrial dos equipamentos de energia renovável, eólica, fotovoltaica, de minigeração, que é tudo o que o governo tem tentado fazer, fortalecendo o setor industrial.

Combinado com esta resolução, defendemos que o Governo abrace a ideia de uma projeto de produção de álcool combustível através de milhares de microdestilarias, não somente para a geração autônoma de energia elétrica, mas para a venda direta do combustível. Este programa permitirá tirar milhares de pequenos produtores da pobreza rural pois o álcool combustível é um produto com demanda assegurada, com alto valor de mercado, perda praticamente zero. Não só possibilitaria tirar milhares da pobreza mas elevar estes produtores à classe média no campo. E não há incompatibilidade na produção de combustível e produção de alimentos. São complementares pois o subprodutos do processo de produção, como o vinhoto e o bagaço, servem como fertilizante, alimentação animal, adubo orgânico e produção de energia na caldeira. Sem falar, que a pequena produção não transforma os canaviais em vastos campos de cana-de-açúcar e evita os impactos ambientais, provocados por qualquer monocultura.

A Petrobras está pressionada pela alta do barril do petróleo e pede ao governo para aumentar o preço da gasolina. Hoje a Petrobras fornece 98% da gasolina consumida no pais e pretende resolver o problema da alta e da escassez de gasolina através do etanol. Portanto, o governo tem a oportunidade de ofertar mais etanol no mercado através da modificação na legislação para produção e comercialização do etanol pelos pequenos e médios produtores. Um  programa desta envergadura vai possibilitar, pelos cálculos preliminares, aumentar o PIB em 4% aa e a criação de milhares de empregos no setor agrícola, de bens de capitais, e o desenvolvimento tecnológico nos Cefets, Universidade, Escolas Agrícolas.

Há mais ou menos 30 ou 40 anos, enquanto a China dava seu salto na economia, o Brasil viveu a chamada “décadas perdidas”. Em 1989, os PIB’s do Brasil e do China eram iguais, em torno de 400 bilhões de dólares. Hoje, a China tem um PIB três vezes maiores que do Brasil. Hoje o Brasil busca diminuir sua disparidade industrial com a China mas encontra muitas dificuldades. Entretanto, não levamos em consideração as vantagens comparativas que temos com a produção de etanol através de milhares de microdestilarias. O que possibilitaria o Brasil dinamizar todos os setores da economia. Num país do mundo detém todas as condições que o Brasil tem para implantar um programa desta envergadura. Sem deixar de investir na modernização industrial e de  serviços, se faz necessário, investir no programa de milhares de  microdestilarias.

Para que este projeto se torne realidade, é preciso ter a decisão política do Governo Dilma de criar uma empresa brasileira de agroenergia e desenvolver políticas integradas para o setor.  Não vai ser a Petrobras – especialista em combustível fóssil, produção de grande escala e distribuição em regime quase de monopólio -, que vai dar conta de organizar o setor. A  Petrobras Biocombustível que teoricamente poderia cumprir com esta função, permaneceu como o "patinho feio" da empresa, dedicando-se somente  – e sob pressão do governo – ao grande agronegócio, no máximo comprando de alguns produtores a matéria prima para produzir biocombustível, excluindo os mesmos da cadeia de valores que inclui a produção direta com muito maior agregação de valor.

É necessário tratar o setor como um setor estratégico e uma questão de soberania nacional. Propomos resgatar um sonho que foi abortado e vem desde que o Proalcool foi criado. Energia, para o desenvolvimento de todos, autogeração e autoprodução de energia elétrica e combustíveis livres e incentivadas!

*Eduardo Dumont – economista, especialista em Planejamento Agrícola e Agrário.