A política tem dificuldades com a ética, na medida em que a política exige resultados e a ética não só não ajuda como às vezes atrapalha a política na consecução dos seus objetivos. Daí os frequentes atropelos da política sobre a ética que muitas vezes são até compreendidos pela opinião pública, desde que não ultrapassem certos limites de tolerância e não descambem para a roubalheira ou a mentirada desavergonhada.

A política tem dificuldades com a ética, na medida em que a política exige resultados e a ética não só não ajuda como às vezes atrapalha a política na consecução dos seus objetivos. Daí os frequentes atropelos da política sobre a ética que muitas vezes são até compreendidos pela opinião pública, desde que não ultrapassem certos limites de tolerância e não descambem para a roubalheira ou a mentirada desavergonhada.

Esses atropelos mais repetidos se concentram na área da violência, do abuso da violência pelo poder público, e na área da mentira, do uso da mentira por razões de Estado. Sua aceitação pela ética depende dedois fatores: o primeiro, de não exceder (o atropelo) os limites de uma razoabilidade que a própria sociedade estabelece, e, segundo, de ser revelada a verdade e explicadas as razões do atropelo a posteriori, como uma espécie de pedido de desculpas. Com essa revelação, se restaura o encontro da política com a ética.

O Brasil viveu, décadas atrás, um desses macroepisódios de abuso de violência do poder público que ultrapassou em muito todos os limites de aceitabilidade, episódio pesadamente agravado pelo uso da mentira oficial permanente encobrindo todas aquelas ações inaceitáveis. Ações inaceitáveis em qualquer hipótese, mesmo sob a alegação de que o governo enfrentava uma guerra interna.

A mentira utilizada para encobri-las, entretanto, pode ser superada pela verdade, reduzindo de alguma forma a carga de abjeção que pesa sobre aqueles episódios. Restauração da verdade como uma satisfação devida à sociedade, não como uma aceitação de desculpas sobre os atos praticados. Revelação da verdade como abertura de um caminho mais ético, ou verdadeiro, para a pacificação dos ofendidos. Mais ético do que aquele do mero esquecimento do passado que os executores daquelas ações em vão pretenderam impor até agora, em nome da anistia concedida politicamente como condição de apaziguamento nacional.

Este é o fundamento da idéia da Comissão da Verdade, tão discutida, tão protelada, tão duvidada, e agora finalmente instalada: eliminar a mentira hedionda, restaurar a verdade e criar as condições mínimas para se virar a página da história. Eu acredito firmemente que este é o pensamento de todos os membros empossados da Comissão, como estou certo de que foi a ideia que presidiu a escolha de todos eles pela Presidenta Dilma.

Aliás, sobre esta escolha, não posso deixar de fazer um comentário especial, além da aprovação de todos os escolhidos, como brasileiros inteiramente qualificados para a realização desta missão difícil e imprescindível. Há uma unanimidade nacional nesta aprovação dos nomes. Mas quero me referir de forma especial à designação da advogada Rosa Cardoso para integrar o grupo.

Trata-se do nome de menor notoriedade entre todos; por uma simples razão: é a mais modesta como pessoa humana. Talvez não devesse fazer esta afirmação, conhecendo tão pouco os demais. Arrisco, entretanto, pelo conhecimento antigo que tenho de Rosa Cardoso, da sua inteligência, do seu saber, da sua integridade moral, do seu bom senso, da sua maturidade, e da sua modéstia de coração dentro de todas essas qualidades. A gente sente orgulho pelo sucesso dos amigos, e eu senti este orgulho com a nomeação de Rosa.A cerimônia de posse do grupo teve uma carga emotiva que contaminou a própria Presidenta, e teve uma grandeza sentida e comentada por todos como um ato histórico. No êxito da Comissão, na recuperação dessa verdade imoralmente oculta por tanto tempo, há um significado profundo de restauração ética, de reconstrução de um embasamento moral mais sólido para o futuro da nossa Nação.

No mesmo dia, numa coincidência com certeza preparada, foi sancionada a Lei do Acesso, pela qual o cidadão brasileiro qualquer vai ter acesso à informação qualquer relacionada com o funcionamento dos poderes públicos do País. Obviamente sua efetividade será demorada e progressiva, mas constitui também um marco na história dos avanços éticos no Brasil.

Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), autor de O curso das idéias, editado pela EFPA e membro do Conselho Curador da FPA.  Contato: [email protected]