O programa Pauta Brasil desta sexta-feira debateu as crescentes tensões entre as principais potências econômicas e militares, com destaque para Estados Unidos, China e Rússia, inicialmente caracterizadas por fortes disputas comerciais. Será que estamos no início de uma outra Guerra Fria?, é o questionamento recorrente entre especialistas em relações internacionais.

Participaram o professor associado de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC, Giorgio Romano Schutte, e a docente do mestrado de Estudos Internacionais da UTD-Argentina, Mônica Hirst. O debate foi mediado pelo diretor de Cooperação Internacional da Fundação Perseu Abramo, Geraldo Magela.

Mônica afirmou que a Guerra Fria foi motivada por fatores militares estratégicos e político-ideológicos. “Será que faz sentido trazer de volta a guerra fria que conhecemos? “, questionou.
“Ainda me carecem elementos para ter uma resposta segura para esta pergunta, mas temos elementos que nos ajudam”.

Para Mônica, um deles é entender a Guerra Fria como uma sucessão de crises internacionais que, à medida em que foram sendo superadas, negociadas e absorvidas do ponto de vista das contradições, foi ganhando dinâmica própria de evolução. A cada uma delas, criava-se uma capacidade de diálogo de forma que a escalada para ir às últimas consequências fosse evitada. Nunca houve negociação entre EUA e URSS sobre o que era permitido ou proibido, mas pouco a pouco isso foi se definindo”.

A professora afirma que hoje a Rússia é o ator internacional que brilha pela sua capacidade de colocar sobre a mensa a necessidade de que a agenda global e da política internacional não prescindam dos atributos de poder. É um elemento que incide sobre a configuração internacional. E diz que na Guerra Fria não havia como dissociar essa natureza dos polos de poder que impunham a rigidez à confrontação.

“Assim foi a guerra fria anterior, tanto que tínhamos um Conselho de Segurança que para pouco ou nada serviu, pois eram as duas superpotências que definiam. Hoje em dia é muito diferente. Existem atores de ‘segunda divisão que podem ter um impacto de desestabilização e turbulência, como Irã, Turquia, que têm possibilidade de pressionar por posicionamentos dos dois polos de poder. A União Europeia é um ator que pertence de corpo e alma à construção de uma ordem liberal. Ela atua ‘sem dentes’, em território normativo, continua presa à missão civilizatória”, diz.

O professor Giorgio Romano fez um contraponto ao afirmar que estamos em uma semana quente. “Há cem mil tropas e equipamentos militares na fronteira, e ocorreram três negociações com a Rússia: na segunda-feira houve uma bilateral com os EUA em Genebra, na terça com a OTAN em Bruxelas e ontem no Vienã com a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Além disso, continuam as tensões em torno do estreito de Taiwan”.

Segundo Giorgio, o termo “guerra comercial” entrou no debate no governo Trump. “Ele achava que poderia usar a força econômica dos EUA para obrigar a China a fazer concessões da mesma forma que os EUA tinham feito com o Japão no governo Reagan, na década de 1980. Na época Japão teve que valorizar sua moeda e se submeter a restrições voluntários para exportação. A questão central não era o déficit mas sobretudo a expansão chinesa e o desafio tecnológico. Trump achava que poderia arrancar na mesa de negociações concessões da China que estancassem seu crescimento. Mas quando ficou claro que não seria possível, as pressões começaram em particular em torno de Taiwan”, falou.

Biden entrou com uma visão mais abrangente, entendendo que para enfrentar a China é necessário em primeiro lugar recuperar e fortalecer a base industrial-tecnológica interna. Por exemplo, entendeu que não adianta pressionar os países pelo mundo afora de não trabalhar com Huawei para a implementação do 5G se não oferece alternativas. “Não é a toa que em todos os discursos do Biden para seus planos trilonários, em particular o Build Back Better, reconstruir melhor, ele coloca como metas dominar a Covid, as mudanças climáticas e a China. Por enquanto, ele não está conseguindo avançar com sua estratégia por resistências internas”.

Giorgio disse ainda que a grande novidade é a aproximação entre China, segunda maior potência econômica, e Rússia, segundo maior arsenal nuclear. “Havia dois argumentos para negar a existência de uma nova guerra fria: o de que não há confronto entre ideologias e o de que a economia chinesa está totalmente integrada à economia mundial. Porém, ambos perderam sua força diante de acontecimentos recentes. Biden mudou o discurso, afirmando que se trata de uma disputa entre a democracia e a autocracia, ou seja, é o confronto com outro regime que precisa mudar internamente ou ser vencido, o que era a essência da guerra entre a União Soviética e os EUA. Além disso, as empresas multinacionais têm outra agenda, porque a China dá lucro”.

Assista ao programa completo.

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