Alcione Abramo
Em 13 de dezembro de 1968, eu era professora de história no Instituto de Educação Estadual Alberto Conte, uma das tradicionais escolas secundárias de São Paulo. Estava numa saleta preparando provas num estêncil; vieram me chamar. Na Secretaria ouvimos por rádio o anúncio do AI-5. Todos se calavam: as palavras e o seu tom davam medo. Voltei ao trabalho mas fiquei estatelada olhando para a máquina de escrever. As pessoas foram saindo, ficaram só os que estavam em provas. Naquele colégio enorme, não se ouvia um único ruído. Em casa, minha mãe e meus filhos tinham ouvido o discurso e também estavam assustados. Passei a noite pensando o que seria possível fazer dali em diante. No dia seguinte, em cada classe, fui falando sobre o golpe dentro do golpe, a ditadura que se endurecia e se mostrava inteira em seu horror; se desmascarava, estava ali presente, que ninguém tivesse ilusões, fazendo de conta que era uma democracia. Fiz também recomendações do tipo "não se exponham", "tomem cuidado", pois nossos alunos vinham participando ativamente do movimento estudantil. Eram os últimos dias de aulas e provas. O ano foi terminando apressadamente: houve uma dispersão geral. Em casa, tivemos um Natal e Ano Novo desolados.
As aulas recomeçaram em março de 1969 com a repressão aumentando a cada dia, no país inteiro. Em nossa escola, que tinha os cursos Clássico, Científico e Normal, tudo era proibido e considerado subversivo, para alunos e professores: conversar, escrever, pensar, ser inteligente. O exercício dessas prerrogativas passou a ser nosso ponto de honra, defendido com unhas e dentes junto à direção: tínhamos que ser melhores professores, cada vez mais. Na sala dos professores só se falava de futebol. Mas nós, de história, filosofia, literatura, fizemos programas integrados. Introduzimos dinâmica de grupo para leitura e discussão de livros.
Explicávamos os mecanismos do capitalismo. Fizemos aulas-maiores, conjuntas. Trabalhamos em cima de conceitos como mito e realidade, e outros; desencadeamos, em nossos alunos, algumas tempestades cerebrais. Apareciam estranhos alunos, dedos-duros, que os nossos se encarregavam de escorraçar através de meios mais ou menos sutis. Pessoas estranhas apareciam nos pátios e corredores, olhando dentro das classes através das janelinhas de vidro das portas, às vezes entrando. Vigiavam, procuravam. A direção entrava na sala, de repente, com um estrondo de pontapé, para assustar mesmo. Funcionários entravam a cada instante atrapalhando a aula. Tínhamos que reclamar e apelar para nossa liberdade de cátedra. Meus alunos começaram – eles tinham entre 15 e 18 anos – a fazer plantão de pé na porta, uma fresta aberta para olhar o corredor e avisar se vinha alguém. Alunos eram ameaçados de expulsão pelo decreto 477, e a cada vez entrávamos em conflito com a direção conseguindo evitar a maior parte delas, mas, para nós, a situação ia ficando cada vez mais estreita. Alunos não apareciam mais. Alunos foram presos na porta da escola, ficávamos sabendo depois. A disciplina tornou-se feroz, não havia tolerância. Os alunos pulavam o muro, só eles sabiam em que ponto, para poderem entrar na escola e assistir às aulas – os portões eram trancados assim que batia o sinal. Nós tínhamos que discutir com a direção por causa de cada mínima coisa para preservar um mínimo de direitos.
Vi um professor ser retirado da sala de aula e ser levado por dois agentes. Em novembro um professor desapareceu. Era nosso amigo. Fomos procurar notícias na casa da família. E de lá fomos levados para a Oban (Operação Bandeirantes), na rua Tutóia, por agentes que estavam à espera de quem chegasse. Fomos interrogados um de cada vez: queriam saber tudo sobre o professor, sobre nós, e por que tínhamos um mimeógrafo no carro e muitas outras coisas. Era difícil convencê-los da verdade: que os professores precisavam ter mimeógrafo para prepararem provas, já que na escola havia apenas um, à alcool, geralmente quebrado, para os cem professores. Não nos agrediram fisicamente mas sofremos a violência da situação, das perguntas gritadas, das ameaças e das armas apontadas, dez perguntando ao mesmo tempo. Enquanto esperávamos ser chamados para o interrogatório, um de cada vez, em um revezamento que durou 12 horas, chegavam carros com pessoas que eram imediatamente levadas para dentro, e em seguida ouvíamos palavras gritadas e depois os urros, inenarráveis, dos que estavam sendo torturados. Isso foi o dia inteiro, até à noite. Depois nos liberaram. Durante muito tempo fomos seguidos por peruas Veraneios por toda parte: quando ia para a escola, às seis da manhã, havia sempre uma do outro lado da rua; na porta da escola, na volta; nos meus outros empregos; quando saía com as crianças; quando ia à padaria, a pé, reconhecia um ou outro que tinha visto no pátio da Oban. Meus filhos, de 8 e 10 anos, eram seguidos por uma dessas Veraneios que ia muito devagar acompanhando seus passos quando iam à vendinha da esquina.
Um dia fomos, eu e uma outra professora, comprar livros na Brasiliense, na rua Barão de Itapetininga, que liquidava seus estoques. Um sujeito veio até nós, cumprimentou:
– Como vão?
Era um deles. No meu susto perguntei:
– O que o senhor faz aqui?
E ele:
– Viemos pegar um "aparelho".
Nos desejou bom Natal, estendeu a mão, que não vi. Me senti bestificada. Era o exercício do poder, a segurança da impunidade; mostrava-se, impunha-se. Passamos outro Natal e Ano Novo, desolados.
No ano seguinte, logo no início, soube que o diretor tinha convocado uma reunião com alguns professores; que as professoras do Normal, de uma ética irrepreensível, independentemente de suas posições políticas, tinham me defendido de acusações. E nesse ano a direção me atribuiu pouquíssimas aulas. Perdi outros trabalhos. Outros professores ficaram completamente sem aulas. Todo o ensino público foi desestruturado. As escolas vocacionais e experimentais, fechadas. O acordo MEC-USAID, implantado através de novas leis e decretos que não tinham nomes, só números. Diante de tamanha insegurança eu havia feito concurso para o magistério estadual, tendo sido aprovada. Nomeada, o governo demorou nove meses para pagar nossos salários enquanto alardeava o "milagre econômico", que satisfazia a uma nova burguesia, enquanto o resto do país mergulhava na miséria e era submetido à opressão. Mas, cada vez mais, pessoas continuavam a pensar, a sentir, a resistir e nossos ex-alunos do colegial entravam nas melhores faculdades e se tornavam excelentes profissionais. Dez anos depois estavam nas ruas exigindo o fim da ditadura.
*Professora de História. Participou de vários movimentos, entre eles o de Justiça e Libertação, da Comissão de Mães em Defesa dos Direitos Humanos, da Anistia, das Diretas Já, de criação da APEOESP livre, de apoio aos Sindicalistas do ABC, de apoio à libertação de Flávia Schilling, na criação e legalização do PT.