Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi, e delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina podem receber pena de dois a oito anos de prisão

Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi, e delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina podem receber pena de dois a oito anos de prisão

São Paulo – O Ministério Público Federal apresentou denúncia hoje (24) à Justiça Federal em São Paulo contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi de 1970 a 1974,  e contra o delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina, ainda na ativa, pelo sequestro do bancário Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, em maio de 1971. Se condenados, eles podem receber pena de dois a oito anos de prisão.

A argumentação se baseia em duas decisões de extradição nas quais o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliou que o crime de desaparecimento forçado é continuado, ou seja, está vigente até que não se apareça o corpo ou uma prova de assassinato. “Alega-se que provavelmente as vítimas estão mortas. É uma ilação”, afirmou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça durante entrevista coletiva na sede do MPF em São Paulo.

Aluízio, nascido em setembro de 1922 em Pirajuí, no interior de São Paulo, aos 21 anos ingressou no Banco do Brasil. Era advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense e por duas vezes presidiu o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Também presidiu a Confederação Nacional dos Trabalhadores dos Estabelecimentos de Crédito (Contec) e foi vice-presidente do antigo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

Segundo a denúncia, com o golpe de 1964 Aluízio teve os direitos políticos cassados e em maio daquele ano se refugiou na embaixada do México e depois seguiu para Cuba, onde se exilou. Voltou ao Brasil no final de 1970, clandestinamente, e foi visto pelos familiares pela última vez em abril de 1971, aos 49 anos.

Militante da Vanguarda Popular Revolucionária, foi visto no começo de maio daquele ano na sede do Doi-Codi, na rua Tutoia, no bairro do Paraíso, em São Paulo. Segundo a testemunha Inês Etienne Romeu, presa em 5 de maio, Aluízio acabou detido pelo grupo do delegado Sergio Paranhos Fleury, do DOPS, no dia seguinte.

O militante foi levado ao prédio onde hoje funciona o 36º Distrito Policial, na época um dos piores centros de repressão. De lá foi levado à chamada "Casa de Petrópolis", no Rio de Janeiro, e trazido de volta ao DOI-Codi. “Ou seja, ele estava sob responsabilidade de Ustra e de Gravina”, disse o procurador Sergio Sulama. “Queria ressaltar a ilegalidade da prisão de Palhano. Nem mesmo os atos institucionais da ditadura, de arbítrio, autorizaram o sequestro de pessoas. A prisão de Palhano jamais foi comunicada a algum parente.” Segundo o testemunho prestado pelo preso político Altino Dantas Júnior ao MPF, Aluízio voltou muito machucado de Petrópolis e mais uma vez foi torturado. Desde então, não foi mais visto.

Trata-se da segunda ação movida pelo Ministério Público Federal no âmbito penal contra agentes da repressão. A primeira foi contra o coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, pelo desaparecimento de cinco militantes no episódio da Guerrilha do Araguaia. A ação foi rejeitada na mesma semana pela Justiça Federal, que argumentou que não se pode mexer na questão após tantos anos.

Para os procuradores, trata-se do contrário. Já se prevenindo contra eventuais empecilhos que serão apresentados pelo Judiciário, o órgão elencou uma série de argumentos pela validade da ação. O procurador Ivan Cláudio Marx, de Uruguaiana e coordenador do grupo especializado em Justiça de transição, lembrou que o decreto de criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, o primeiro reconhecimento oficial das mortes efetuadas pelo Estado brasileiro durante a ditadura, não vale como garantia de que as vítimas tenham, de fato, sido assassinadas. “Mesmo que se entendesse que em 1995 as pessoas foram declaradas mortas, para fins penais não existe a presunção da morte. Precisa haver uma prova do homicídio.”

Para o grupo, o STF, caso em algum momento receba a ação, teria de cair em contradição para negar a procedência do pedido. Nos pedidos de extradição 974 e 1150, sobre militares argentinos que colaboraram com o regime autoritário daquele país (1976-83), os ministros entenderam se tratar de um crime continuado “em relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”. “Se o STF mantiver sua posição, vai reconhecer que os denunciados são participantes de um crime permanente”, apontou Sulama.

Outro foco da argumentação é a decisão proferida em dezembro de 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto ao caso da Guerrilha do Araguaia. Na ocasião, a entidade, integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por não investigar os crimes cometidos pela ditadura, por não apurar a localização dos corpos das vítimas e por valer-se da Lei de Anistia como obstáculo para a punição dos agentes da repressão. “Não podemos acreditar que o Poder Judiciário vá continuar ignorando a decisão da Corte Interamericana”, afirmou a procuradora Eugênia Gonzaga. “No Brasil existe uma resistência muito grande ao tema. Não é uma resistência técnica nem jurídica.” Na última semana, o Judiciário utilizou pela primeira vez a decisão da Corte Interamericana. O juiz Guilherme Madeira Dezem, do Tribunal de Justiça de São Paulo, citou o caso ao aceitar a alteração da certidão de óbito de um militante morto pelo regime.

Os procuradores não acreditam que a decisão do Supremo Tribunal Federal, também de 2010, em torno da Lei de Anistia possa ser usada como argumento. Na ocasião, os ministros avaliaram que o dispositivo se tratava de um instrumento acordado entre toda a sociedade para viabilizar a transição à democracia. Portanto, não haveria possibilidade de punição dos torturadores, o que levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a apresentar recurso, o chamado “embargos de declaração”. “O STF analisa a Lei de Anistia à luz da Constituição. A Corte analisa à luz da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Não são entendimentos conflitantes”, disse Andrey Borges de Mendonça.