“Ou o mundo se brasilifica, ou vira nazista”
Na visita que fez ao Brasil, o primeiro-ministro finlandês, em sua fala, deixou nítido os projetos em jogo na Europa. Para Jyrki Katainen, a Grécia não devia sair da zona do euro unicamente pelo "risco de contágio", isto é, o sistema financeiro passar a procurar a próxima vítima, certamente a partir dos ratings das agências "independentes", ou seja, a análise da capacidade de pagamento de dívidas contraídas pelos países. Na prática, a propagação do "risco" de ruptura dos gregos com a UE e com o Euro seria apenas para acalmar especuladores, através do sacrifício da população helênica. Mas, como ele mesmo lembrou (Valor Econômico, 17/02/ "Parte da UE vive crise de competitividade, diz premiê finlandês"), "o importante, ainda que os cidadãos sofram um pouco, é assegurar a retomada da credibilidade dos países junto aos bancos".
Sem nenhum tipo de constrangimento, Katainen acusou a Grécia de ainda não ter feito "a parte dela" e cita como exemplo o fato de as privatizações ainda não terem começado. Efetivamente, a saída apontada e defendida é que venda-se justamente o patrimônio público que poderia fazer os investimentos anticíclicos para gerar caixa para pagamento de juros da dívida pública.
Na verdade, tudo não passa de uma enorme chantagem contra a população e os empresários, já que "reconhece" que a saída da Grécia traria uma fuga de bilhões de euros do país balcânico. Como esperam que o empresariado e o povo reajam ante a perda dos benefícios daquela "união aduaneira"? Aceitando todo e qualquer termo para permanecer na zona do euro, claro.
A Europa caminha mesmo para a bancarrota e, tudo indica, essa transição será mediada por um novo tipo de fascismo, o financeiro. Notícias como a veiculada no O Estado de S. Paulo de 17/02 ("UE estuda plano para retirar Grécia do bloco") e no Valor Econômico replicando a Reuters ("Monti revoluciona a política italiana e pode continuar além de 2013"), começam a dar forma a este quadro.
Quanto à transição política de "regime" na Europa, desde a queda de Berlusconi, a imprensa ocidental internacional destaca o "fenômeno" Mario Monti, que teria estabilizado a Itália e a crise atual seria política, da seara interna dos partidos tradicionais, que não gostariam mais de promover a temporal substituição política do tecnocrata instalado em Roma pelos bancos e que estariam se rearticulando em novas agremiações. Isso seria o aprofundamento de um modelo de gestão onde não caberia mais à soberania popular democraticamente escolher seus agentes, mas ao próprio sistema financeiro, sustentado pela política apenas como legitimador, via parlamento, descaracterizando a representação eleitoral e se valendo do voto numa espécie de financeirização plebiscitária, a partir de resultados técnicos amenizadores da crise econômica em comparação aos outros sócios da UE.
Por outro lado, enquanto na Espanha e na República Helênica o desemprego atinge 20% em média da PEA, na Alemanha este índice é de apenas 6%. Pudera, já que 20% dos empregos de tempo normal do país são ocupados por trabalhadores que ganham salários baixos (menos de 1 euro/dia, que vale 525 reais/mês!), sem contar a falta de um salário mínimo único em território nacional e os empregos temporários de altíssima rotatividade, que servem apenas para burlar os estudos sobre o desemprego. Uma medida complementa a outra: com falta de postos mais estáveis e fixos de trabalho, os trabalhadores tendem a aceitar soldos menores, até porque isso é melhor do que situação de seus pares em países pobres como, além dos já citados, a Irlanda e a Itália.
Ou seja: a Alemanha tem escapado dos efeitos mais danosos da crise do capitalismo europeu (e mundial) com dois elementos clássicos do capitalismo primitivo, anterior às grandes conquistas sociais lideradas pelos partidos operários de massas do continente (PS francês, SPD alemão et caterva): o aumento da mais-valia absoluta (aumento do tempo de trabalho não pago) e a constituição e manutenção de um razoável exército industrial de reserva.
Fecha-se assim o projeto político-piloto que está sendo gestado para a Europa e que pode, após seu sucesso de implementação, ser exportado para outros países que passem pela falência do neoliberalismo, com apoio dos grandes sócios majoritários desta empreitada, os EUA, que dominam a economia européia desde o Plano Marshal : uma economia baseada no aumento da mais-valia absoluta (baixos salários), exército industrial de reserva programado (alta rotatividade das ocupações) e um gerente indicado a governar pelo sistema financeiro. A cereja do bolo é a pitada da neoxenofobia tolerável pelas democracia liberais da Europa Ocidental, por ser a tábua de salvação da direita moderada ante o avanço literal de sua versão extremada. Ele, apresentado como a opção dos trabalhadores mais velhos de manterem, às custas do futuro dos jovens, migalhas do outrora Welfare State pelo menos até a morte, tem garantido parcas vitórias eleitorais, como a mais recente do PP espanhol.
E o que diz a esquerda?
A chave da situação internacional volta à França. Se em 2002, foi o país que revelou o mundo o sinistro contexto de um segundo turno entre a direita liberal e a direita fascista (Chirac X Le Pen), tendo a esquerda que optar pelos primeiros como mal menor, é da antiga aldeia gaulesa que sopram ventos de esperança por um mundo para além dos escombros do bem estar social.
O candidato que representa um autêntico renascimento viável da esquerda europeia e simboliza a esperança de uma saída não fascisto-financeira da crise do velho continente é Jean Melénchon, que já alcançou 15% dos votos, superando a extrema-direita e, ainda que não vá ao segundo turno, serve para o deslocamento à esquerda do país e, com ele, do próprio continente. Mas, um deslocamento renovado, não mais inspirado na dicotomia liberais versus social-democratas, que hoje é entre doses cavalares ou homeopáticas de livre-cambismo.
Ernest Mandel, há muito, dizia que a crise da esquerda na europa se devia à capitulação do campo reformista ao neoliberalismo e à ausência de credibilidade da esquerda não-social-democrata. Acredito que os herdeiros de Kautsky e Bernstein inviabilizaram, ao serem a expressão da classe operária, economicamente o capitalismo com o Welfare State, porém não tiveram a disposição política de dar-lhe o golpe de misericórdia. O resultado disso são os Papendreous, Blairs ou Felipes Gonzáles da vida.
Melénchon entrou para vencer e não para declarar independência no segundo turno. Apresentou as bandeiras corretas para conquistar o apoio do povo e, por isso, somado à incredulidade quanto ao real alcance anti-neoliberal de Hollande (candidato do PS), vem ganhando credibilidade. Corretamente, quer levar a França ao encontro dos BRICS, num movimento em busca de um modelo pós-neoliberal, que sintetize (ao invés de coligar) trabalhismo, ambientalismo e participação social, bebendo – como ele se orgulha de declarar – nas experiências latino-americanas, estandartes da renovação das possibilidades deste lado da luta de classes após a queda da URSS. Por fim, Melénchon busca ser a ala esquerda do movimento de massas do proletariado francês ainda referenciado no PS, mas almejando tomar-lhe a direção sem tendências sectárias. Tanto que, diz ele, caso não vá ao round final, apoiará a esquerda contra a direita, sendo a mola de pressão para desenvolver a direção vitoriosa. Uma formulação tática da melhor criatividade trotskiana. Aliás, Jean é um "ex-trotskista". Coloco entre aspas porque não existem "ex-trotskistas".
Com América do Sul fortalecida em outra direção geopolítica e a ascensão dos BRICS, falta uma nação "do capitalismo central", desenvolvida, operando no sentido da superação do neoliberalismo.
A vitória de Lula em 2002 abriu uma era de possibilidades à América do Sul. Jean Melénchon, ainda que não vença, representa isso para a Europa.
Nunca foi tão real a assertiva do músico brasileiro Jorge Mautner, em seu álbum com Caetano Veloso "Eu não peço desculpas": "Ou o mundo se brasilifica, ou vira nazista".
*Leopoldo Vieira, membro da Direção Nacional da Juventude do PT e editor do blog Juventude em Pauta!