Entrevista a Hilary Wainwrignht e Andrew Bowman, de Red Pepper

Tradução: Carolina Mazzi

 


Sobre o tema: Leia aqui a apresentação desta entrevista, e um ponto de vista acerca do livro de Paul Mason e sua importância para os novos movimentos

Hilary Wainwright: Você ressalta as similaridades entre as diferentes revoluções de 2011. Mas como podemos entender a diferença entre as revoltas contra regimes autoritários e democracias desgastadas? Há algum problema nesta generalização?

Paul Mason: Estou procurando o que é comum, ao invés de fazer generalizações. Antes de tudo, uma revolta influencia outra e não se pode subestimar a ligação física. Frequentemente, você encontra gente que tinham estado na Praça Tahrir, entre as pessoas que se envolveram nos eventos de 26 de Março no Reino Unido, 14 de Julho em Israel e Wisconsin.

A Espanha não é a Grécia, e Tahrir e Túnis são muito diferentes. Porém, existe um arquétipo de uma juventude educada, cujas chances de vida têm sido marcadas por uma combinação de crise econômica e um regime que eles percebem ser insustentável.

Não se pode subestimar, também, a extensão em que essas ditaduras se comprometeram com programa do neoliberalismo. Muitas pessoas dizem que o momento mais importante da Primavera Árabe foi a perda do medo; e, no Ocidente, a perda da apatia, mas as fontes são as mesmas: gente percebendo que “mudanças são necessárias, mudanças são possíveis”. Quanto mais penso nisso, mais relaciono estas mudanças com o colapso do modelo econômico – só foi preciso um tempo.

Andrew Bowman: Uma das coisas interessantes que ligam estas revoltas é o fato de que não buscam outro modelo econômico.

Paul: A falta de um sistema alternativo hierárquico é o que torna tudo isso novo para quem, como nós, viveu durante a segunda metade do século 20. Mas é bem parecido com os primeiros anos da social-democracia. O debate na social-democracia alemã, em 1890, era: “Estamos tentando acabar com o capitalismo, ou não?”. A esquerda dizia que sim, “mas demorará muito tempo e fazemos isso com uma combinação de votos e lutas operárias. A direita dizia: “não, mas no processo de organizar o movimento, construiremos construindo um capitalismo melhor”.

Eduard Bernstein foi o pai da social-democracia moderna. Uma suas frases mais importantes frases era: “o movimento é tudo, os fins são nada”. Se você observar o Occupy Wall Street, verá que estão dizendo exatamente isso. Olhando por um prisma de cem anos, a social-democracia alemão, muito ordeira, com suas bibliotecas e clubes, parece muito com os anarco-sindicalismo caótico, com suas bibliotecas e clubes. É gente fazendo o que os teóricos horizontalistas chamariam de “viver apesar do capitalismo” – ou seja, criar áreas de civilização dentro da selva.

Andrew: Relacionado com esta falta de uma alternativa clara, parece que o ano de 2012 pode ser definido como um momento de ressurgimento de um nacionalismo econômico, o que pode ser favorável às forças conservadoras. Como estes movimentos responderão a isso?

Paul: O poder dos movimentos horizontalistas deve-se, primeiro, ao fato de serem replicáveis por pessoas que pouco conhecem teorias; segundo, ao sucesso em quebrar as hierarquias que tentam contê-los. Eles estão expostos a um conjunto de ideias, diferente das décadas de 70 e 80, quando o conhecimento [de esquerda] era estruturado e difícil de adquirir. Estamos falando de seres humanos diversos, com diferentes visões de mundo.

E isso é muito difícil de conter, mesmo pelos partidos de direita, que têm cerca de 20% dos votos. Quer se trate dos True Finns [partido nacionalista xenófobo finlandês, ver na Wikipedia]ou do Jobbik [partido de ultra-direita, homofóbico e fascista. Ver na Wikipedia] na Hungria, o slogan é Kinder, Kirche, Kuche (família, Igreja e mulheres na cozinha). É isto que representam.Não as discotecas, os múltiplos parceiros ou a liberalização feminina.

Mas os movimentos de protesto não estão imunes à desorientação ideológica. Na Inglaterra, muita gente deixa de ser Liberal-Democrata [referência ao partido de centro-direita “moderna” que integra, com os Conservadores, o governo conservador do Reino Unido] para se tornar anarquistas pela luta de classe sem questão de semanas. Durante crises agudas, é possível haver vastas mudanças de estado de ânico e postura, entre as sociedades. Vivemos um grande tendência em relação ao horizontalismo de esquerda na geração mais jovem, e não é impossível que ela tome outra direção.

Hilary: Quero investigar esta novidade que você descreve. Até que ponto a nova geração está se apropriando e reconfigurando as ideias desenvolvidas na década de 70, apropriadas depois pelo “novo capitalismo”. Elas estariam sendo novamente reprocessadas?

Paul: No livro,eu digo que existe uma linearidade que vai da Nova Esquerda [corrente de esquerda não-leninista, libertária e marcuseana, que teve forte influência principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra, nas décadas de 1960 e 70. [Ver Wikipedia], do feminismo aos movimentos que tentam atuar em rede. Porém, no passado eles confrontaram-se com diferentes hierarquias,e estas acabaram corrompendo o que tinham de libertador sobre eles. Foram também esmagados pelas relações de classe, pela tecnologia e por algo que esta geração talvez tenha que enfrentar novamente: repressões que funcionam.

Na década de 60, os movimentos não violentos tornaram-se violentos, porque suas táticas iniciais não funcionavam. Então, quando os trabalhadores entraram em ação, muitos anarquistas decidiram que deveriam ser leninistas, ou pelo menos assumir alguma relação hierárquica.

Andrew: Há algumas questões interessantes sobre como a tecnologia se encaixa nos novos movimentos. As mídias sociais tornaram mais possível o horizontalismo em revoltas, porém levaram a uma certa desqualificação. Com a ascensão do Facebook e o Twitter como ferramentas de organização, os grupos e protestos surgem facilmente, porém também desaparecem muito rápido.

Paul: Estes são alguns atributos do próprio trabalho contemporâneo: hierarquia frágil, laços fracos, desconstrução constante. A capacidade de aprender uma nova habilidade é mais importante do que ter habilidades. Empresas que eram grandes há dez anos não existem mais – este é o capitalismo moderno.

Na era fordista, tínhamos empresas grandes e hierárquicas, que muitas vezes mantinham por muito tempo as mesmas estratégias. Havia, do outro lado, os movimentos de oposição tinham também hierarquias e estratégias permanentes, laços fortes. Acreditavam que estavam lutando para derrubar o capitalismo, mas não estavam. Em geral, coexistiam com o capitalismo, mirando-se em seus atributos. O que vemos agora é provavelmente mais honesto: movimentos que não gostam do capitalismo, que não têm uma estratégia para substituí-lo num nível global, mas estão altamente adaptados a viver neste sistema, apesar disso.

Na verdade, o problema que eles enfrentam é que o capitalismo está em crise. As sociais-democracias [europeias] tiveram este problema também. Em 1890, formularam um programa de quarenta anos para conquistar mais votos, na esperança de que em 1920, eles pudessem chegar à maioria eleitoral.

No meio deste processo… bang! Primeira Guerra Mundial. Bang! Mulheres e jovens desqualificados entram para a força de trabalho. De repente, o mundo mudou. Este é o problema para este movimento agora: e se o mundo sofrer um novo bang?

Andrew: O que você acha, em termos de respostas, dos constantes vaivéns característicos do movimento atual? O Camp for Climate Action [série de acampamentos que reuniram dezenas de milhares de jovens, em diferentes pontos da Europa, entre 2007 e 2011. Tinham claro caráter ambientalista e pós-capitalista. Ver Wikipedia],por exemplo, desapareceu este ano.

Paul: A grande questão para os movimentos horizontalistas é que, enquanto não se articularem para lutar contra o poder, farão basicamente é o que uma vez alguém chamou de “reforma por meio de motim”: um cara com um capuz é preso para que um cara de terno consiga fazer suas leis no parlamento.

Depois de algum tempo, no século 19, os operários perceberam que havia caminhos diferentes: formar seu próprio partido e se candidatar nas eleições, com todas as dificuldades que isso traz. Ou criar seu próprio jornal e, basicamente, entrar no mundo adulto de assumir as responsabilidades pelos seus atos. Eu acredito que muita gente nos movimentos horizontalistas está a ponto de considerar isso, mas hesita.

Hillary: Não há algo intermediário entre a permanência baseada em hierarquia e estrutura e o caos completo? Por exemplo a memória, ou algum tipo de sociabilidade mais significativa?

Paul:Você identificou uma importante dicotomia entre a sociabilidade baseada em tecnologias e a sociabilidade presencial, docara-a-cara. O que observo é que os pais das grandes ideias nestes movimentos de protestos, também eram fortes na vida decarne e osso.O Tarnac Nine, grupo que escreveu The Coming Insurrection, dizia para que as pessoasse achassem, fizessem pequenas coisas juntos.

Conversei com diversos ativistas que diziam que eu estava dandoexcesso de ênfase à tecnologia e negligenciando o lado pessoal. Mas é um pouco como dissera um membro dos Levellers [Movimento político de grande destaque em meados do século 17, na Inglaterra, com forte atuação na segunda fase da Revolução Inglesa – que procuraram radicalizar ao máximo. Defendiam a soberania popular, a extensão do direito do voto e a tolerância religiosa. Ao final, foram esmagados por Cromwell. Ver Wikipedia], no século 17, que sua organização seria impossível sem a imprensa. O que digo aos novos movimentos é:o que vocês estão fazendo seria impossível sem esta tecnologia. Sem ela, o Tarnac Nine seriam apenas nove pessoas.

Andrew: Existem sinais de tentativas de conter o uso livre da internet. A história da imprensa mostra que, em certo ponto, havia dezenas de jornais radicais da classe operária, com grande circulação; mas, no momento seguinte a imprensa converteu-se numa ferramenta do establishment. Esta tendência é possível também com a internet?

Paul: Faça a si mesmo esta questão: o que os políticos ou empresários podem ser de muito importante no Twitter? Dizer coisas como “Terminei com minha namorada”, “acabei de beber 3 doses de gin?”. A hierarquia quer controlar o Twitter, mas não pode. E mesmo que pudessem, teriam que viver neste mundo de gin e namoradas.

Um dos grandes momentos na revolução egípcia deve ter sido quando o Mubarak cortou a internet e seus assessores lhe disseram:general, estão conseguindo se comunicar num website chamado hidemyass.com [site que permite navegar anonimente pela internet. Pode ser acessado aqui. Então, o maior exército do Oriente Médio foi derrotado por um site chamado hidemyass.com [algo comoesconda minha bunda”].

No Renascimento e na Reforma, no período de algumas gerações, o velho mundo foi tragado pelo novo. Ao final, as ideias e o comportamento das elites mudaram. Você poderia dizer que a criação da imprensa civilizou os reacionários, ao dar poder aos agentes de mudança. Existe a possibilidade de que a revolução tecnológica de hoje civilize a velha ordem. Mas enquanto as elites não puderem usar esta tecnologia, elas não existirão [enquanto tal], no mundo moderno.

E uma das coisas notáveis na política moderna é a desconexão entre a elite e as massas. As massas são muito mais homogêneas. Os modos como vivem, em Londres, um jovem que mora em uma favela, um estudante e um jovem profissional não são tão diferentes. Eles compartilham uma cultura comum no Twitter e nos Blackberries.

Em contraste, a elite está criando ao redor de si mesma uma espécie de torre amuralhada. Isto é perigoso para a democracia e perigoso para eles mesmos.

Hilary: Como observador, o que você vê em termos de novas maneiras de se articular o poder? Você vê sinais, em suas viagens pelo mundo, de que existem outras formas?

Paul: Na Hungria, a corrente política principal, o mainstream, desmoronou. O governo é de direita nacionalista, e a principal oposição é ainda mais de direita.

Mas uma ONG de esquerda formou um partido bem sucedido – Política Pode Ser Diferente – que agora tem algum poder. Se a Hungria é um “canário na mina de carvão” para a União Europeia, eu esperaria que alguns do horizontalistas atuais na Europa, no norte da África e na América formassem partidos nos próximos anos.

Andrew: Como você resumiria a experiência de 2011?

Paul: Para mim, este movimento – de laços fracos, avanços e recuos instantâneos, esporádico – corresponde à forma de organização contemporânea do trabalho. Ele está satisfeito em viver dentro do capitalismo, criando espaço no interior do sistema, mas o problema é que o capitalismo pode estar prestes a entrar em uma crise que não permite que se faça isso.

Esta geração de manifestantes pode facilmente sofrer o destino da social-democracia. Em 1914, foi preciso escolher entre ser um sargento recrutador para o massacre em massa [de outros povos], ou tornar-se um movimento clandestino. Não havia meio termo. Isto poderia acontecer com o mundo de 2012.