A pauta dos trabalhadores
A poucos meses de deixar a presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique fala à Teoria e Debate sobre a crise econômica mundial, o forte impacto no mundo do trabalho e as repercussões no Brasil. Mesmo reconhecendo que o país vive um bom momento, com geração de emprego e bons resultados das políticas sociais, considera necessário discutir a qualidade do emprego gerado, a situação da indústria brasileira e o papel dos bancos privados, enfim medidas mais estruturantes para o médio e longo prazos.
A CUT é a maior central da América Latina e quinta do mundo, atua no campo e na cidade, no setor público e privado, em todos os estados do Brasil e tem 7,5 milhões de trabalhadores associados. Em julho realizará o seu 11° congresso, quando debaterá temas estratégicos para o movimento sindical e o país.
Qual sua avaliação do impacto que a crise está tendo no mundo do trabalho, no cenário internacional?
Vivemos uma conjuntura internacional de verdadeira inversão de valores em um curto período, em alguns casos de perigo à democracia. Em 2008, depois da quebra do banco Lemmon Brothers, havia um entendimento geral de que a responsabilidade pela crise americana era da desregulamentação do mercado e do sistema financeiro. A ideia neoliberal de que o mercado resolveria os problemas fora derrubada a partir de setembro de 2008.E hoje o debate travado sobre a necessidade de regulamentar o sistema financeiro, acabar com os paraísos fiscais, de uma governança diferente sobre os organismos internacionais está esquecido. Estamos assistindo à culpa pelo sistema de Bem-Estar Social. “Os países da Europa gastaram muito dinheiro, ou mais do que deveriam em determinadas políticas públicas e sociais”, é o que alegam. Nenhuma palavra sobre o sistema financeiro. Ao contrário, há um esforço para utilizar dinheiro dos bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos para salvar bancos e empresas, toda a cadeia do sistema financeiro afetado pela crise.
As medidas que estão sendo adotadas pelos bancos centrais (pelo Banco Mundial), pelo sistema financeiro e pelo FMI conhecemos muito bem, porque são as mesmas impostas ao Brasil e a alguns países da América Latina na década de 1990: diminuir gasto do governo, o papel do Estado, privatizar e, principalmente, no caso da Europa, reduzir direitos dos trabalhadores. Lá estão chegando ao absurdo de reduzir salários. No setor público, redução de direitos e de salários, com aumento da idade para a aposentadoria, das horas de trabalho e diminuição de direitos como hora extra e férias.
Na Itália e na Grécia, pessoas do mundo financeiro assumem como primeiro-ministro. Ou seja, estão tomando conta dos governos para acenar ao mercado que as medidas serão implantadas. Isso é um problema do ponto de vista da democracia.
O ex-primeiro ministro grego, quando propôs um plebiscito sobre as medidas adotadas pelo Banco Central Europeu, foi pressionado a recuar por todos os países, mas principalmente por França e Alemanha.
O povo é que está sendo massacrado pelas novas medidas. Na Europa, 48% da juventude está desempregada. A Espanha tem 24% de desemprego, um a cada quatro trabalhadores não tem emprego.
O movimento sindical europeu, que durante muito tempo teve uma situação semelhante à nossa – sendo atacado pelos direitos –, está tendo de retomar um conjunto de mobilizações que nem sempre surtem resultado. Na Grécia, já vai para a décima quarta greve, a Espanha já fez quatro greves gerais, Portugal está chamando uma greve geral para o final de abril. Todas manifestações nacionais muito grandes, pressionando o Parlamento. No entanto, com muitas dificuldades, porque não têm conseguido convencer partidos a votar medidas que fortaleçam o emprego, o mercado interno dos países, e a rejeitar as que aprofundarão a crise.
O cenário europeu pode repercutir no mundo do trabalho no Brasil?
Sem dúvida. Vejo o impacto em dois campos, em dois momentos. O primeiro é a enxurrada de dólares e de euros que os bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos estão despejando na Europa. Nos últimos dois anos, emitiram algo em torno de € 6 trilhões para salvar bancos. Como não há regulação do sistema financeiro nem orientação dos Estados nacionais ou da Comunidade Europeia no sentido de obrigar esses bancos a investir na geração de emprego, eles podem segurar o dinheiro, como já estão fazendo, e aplicar em países onde a taxa é alta e o retorno, rápido. Pega-se dinheiro do Banco Central Europeu a 1% e aplica-se em papéis do Tesouro do governo brasileiro a 9,75%.
Esse é um primeiro impacto para o qual temos de nos preparar. É preciso dar continuidade à redução da taxa de juro no Brasil. Não podemos permanecer como atrativo para a especulação financeira. Temos de ter medidas mais ousadas de controle do dinheiro que entra no Brasil. Quem aplicar no Brasil na produção e, portanto, gerar ciência, tecnologia, transferência de valor, emprego, deve ser incentivado. Mas quem tem a intenção de, com um aperto de uma tecla do computador, investir US$ 400, 500 milhões em papéis do Tesouro ou na Bolsa de Valores e no dia seguinte, porque o juro em Cingapura sobe um pouco, passa para lá – o que acontece hoje no mundo globalizado financeiro – tem de ter taxação. Ou seja, é preciso taxar a especulação e incentivar a produção. Também não podemos continuar sendo um país que apenas exporta matéria-prima e, portanto, só commodities – minério de ferro, soja, petróleo, açúcar e café. Precisamos ser um país que, além de ter exportação de produtos primários, agregue valor à exportação e à indústria.
Os países centrais que hoje estão nessa situação, a Alemanha, por exemplo, que tem 3% de crescimento, estão levando seus engenheiros e projetistas de volta para o país. Estão concentrando a expertise, fazendo com que a produção alemã tenha maior valor agregado. E os países periféricos, na velha distribuição sociológica, receberão uma caixa da Mercedes-Benz com o motor, juntarão o chassi, a carroceria e montarão o carro, como já vem ocorrendo. Se não tomarmos cuidado, podemos, em um curto espaço de tempo, nos transformar em montadoras, maquiladoras, como é no México. Nosso parque industrial vira um parque de montagem, e não de produção.
Para o mundo do trabalho representa continuar a ter um aumento considerável dos trabalhadores na área de serviços, como já está acontecendo, e para a área da indústria sobrarão trabalhadores menos qualificados, que são apenas os montadores, enquanto na matriz dessas empresas há os grandes projetos.
O segundo grande impacto no mercado de trabalho é que esses países vão diminuir a perspectiva de crescimento e também a compra de produtos brasileiros. Mesmo sabendo que há exportação de produtos primários, continuamos tendo exportação de carro, de máquinas e equipamentos. Se diminui a compra e pedidos de compra dos outros países, a indústria e a produção diminuem. A saída é fortalecer o mercado interno, além das medidas de proteção. Não apenas o mercado brasileiro, mas a integração da América Latina. Como a crise é grave, cada um está cuidando do seu mercado, em vez de construir uma estratégia de comum acordo entre os países, em especial do Mercosul, em que se tenha uma verdadeira integração produtiva, de modo a fortalecer o mercado regional e também exportar o excedente para outros países.
Há uma crítica à política econômica do governo em relação à taxa de juros básica, baixada recentemente a um dígito. Qual é a proposta?
É fundamental continuar esse processo de redução da Selic, mas isso só não basta. O grande problema é que tanto pessoas jurídicas quanto físicas estão pagando uma taxa de juro bancária altamente prejudicial à produção e ao consumo. Se comprarem um produto e financiá-lo com cheque especial, pagam até 40% de juro ao mês. Se comprarem com cartão de crédito, pagam 240% ao ano. Talvez isso explique os lucros estratosféricos do sistema financeiro.
Queremos discutir o papel dos bancos públicos. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal têm de reduzir a taxa, o chamado spread bancário. Esses bancos não podem atuar para ser lucrativos e comerciais, como o Itaú e o Bradesco. Devem ter a função social de um banco público, que concede empréstimos para programas como o Minha Casa, Minha Vida, ou todo financiamento de políticas públicas e sociais.
Empréstimo consignado, por exemplo.
Mesmo o empréstimo consignado chegou a ter juro a 22%. Quando o Marinho era o presidente da CUT, chamamos uma reunião com os bancos justamente para reduzir a taxa de juro do consignado.
Os bancos alegavam que o spread era caro porque havia risco de inadimplência. Nós propusemos fazer empréstimo consignado na folha de pagamentos, limitado a 30% da renda. Não havia risco. Em um primeiro momento, baixou o juro do crédito consignado.
Esse esforço no sentido de reduzir o spread bancário é essencial, e para isso é preciso ter medidas governamentais fortes, como fazer com que o BB e a CEF tenham um papel mais ativo.
O Brasil, diferentemente dos outros países, tem depósito compulsório. O Banco Central retém uma parte dos recursos dos bancos. Por que não ter um instrumento de política monetária em que seja liberado dinheiro para bancos que tenham crédito mais baixo para aplicar na produção? Assim teríamos um juro menor, mais dinheiro no mercado, para bancos que se comprometerem com investimento de longo prazo, em infraestrutura.
A CUT está propondo chamar uma conferência nacional do sistema financeiro, com todos os atores, para debater o papel dos bancos privados e públicos, dos fundos de pensão, dos fundos de investimento, como o FGTS e o FAT. Tem banco que faz campanha dizendo que tem responsabilidade social porque planta meia dúzia de árvores ou constrói uma creche. Queremos discutir se o Brasil quer ser a sexta potência do mundo, como se desenvolve do ponto de vista sustentável, com melhor distribuição de renda, com valorização do trabalho, inclusão social.
O banco tem de ter um papel na sociedade. O único que empresta a longo prazo hoje é o BNDES. E faz isso, na minha opinião, com uma visão que também precisa ser rediscutida, porque empresta para grandes empresas brasileiras se tornarem internacionais. Queremos debater com o governo o papel de micro e pequenas empresas, economia solidária, que têm enorme importância do ponto de vista da economia real. O Banco do Nordeste Brasileiro fez no último ano cerca de R$ 11 bilhões de empréstimos para a economia solidária; 80% para mulheres donas do próprio negócio.
Um micro e pequeno empresário, para investir, se implantar no Brasil ou ampliar seus negócios, enfrenta as regras de empréstimo draconianas.
A indústria brasileira passa por sérios problemas. Há uma discussão sobre um processo de desindustrialização. Por que isso vem ocorrendo e, em sua opinião, quais os riscos e que medidas podem ser adotadas?
Isso vem ocorrendo por uma deliberação absolutamente equivocada do governo do PSDB. Começou com Collor, com a abertura indiscriminada, mas fundamentalmente nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso aprofundou-se de forma irresponsável. Foram entregues ao capital privado empresas estratégicas do ponto de vista da produção. Foram privatizadas a CSN, a Vale do Rio Doce e todas as siderúrgicas. Tirou-se do Estado o papel de indutor do desenvolvimento.
Empresários reclamam: “Temos de olhar para a competitividade chinesa”. Para abrir uma empresa na China, no entanto, é preciso fazer parceria, joint venture, transferir tecnologia, garantir emprego para chineses. Qualquer empresa brasileira, Vale, Gerdau, lá terá de cumprir uma série de regras. No Brasil é o contrário, damos terreno, isenção de imposto, ISS, ICMS.
Um problema real da indústria brasileira é o fato de a energia no país ser a quarta mais cara do mundo. Fruto do processo de privatização ocorrido no governo FHC, que estabeleceu uma política de tarifa que é um mercado de capitalismo sem risco. Alguns empresários hoje defendem que temos de fazer privatização de novo do setor elétrico, em nome de reduzir a tarifa. É uma mentira deslavada. O que pode reduzir a tarifa é o governo atrelar uma contrapartida à renovação das concessões que estão vencendo, obrigando a redução de tarifa, e trabalhar com uma perspectiva de tarifa menor para quem quer produzir. Precisamos de uma outra política industrial, e para isso é preciso ter muito investimento em ciência e tecnologia. Não basta apenas trabalhar com propostas de desonerações pontuais, porque a micro, pequena e média empresas do setor industrial, se não tiverem incentivos, portanto desoneração de investimentos para poder gerar empregos, renda, vão se transferir para outro país, como fazem grandes empresas. O setor empresarial ganhou muito dinheiro no último período, tem de ser cobrado inclusive a reinvestir o lucro na produção.
Precisamos alterar essa realidade com medidas que sejam mais estruturais. Não podemos continuar com a atual estrutura tributária, em que cada estado tem um ICMS; em que se incentiva a especulação financeira, e não a produção; em que 80% dela seja baseada no consumo das famílias, e não no patrimônio e na renda; em que quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Uma pessoa que ganha três salários mínimos no Brasil paga uma carga tributária total da ordem de 37%, e alguém que ganha acima de quinze, vinte salários mínimos, 23%.
Quando se fala em tributação, alega-se que a desoneração da folha de pagamentos, assim como a flexibilização da CLT, gera mais emprego. Dá para ter acordo nisso?
Mostramos em oito anos do governo Lula e um ano do governo Dilma o contrário disso. Não conseguimos ainda reverter várias das políticas neoliberais que desmontaram as relações de trabalho no Brasil no governo FHC. Privatizações e terceirizações aumentaram o desemprego. Apenas no âmbito municipal ocorreram contratações. No governo Lula foram criados 20 milhões de empregos no setor público.
Flexibilização dos direitos trabalhistas não gera emprego. O que gera emprego é crescimento econômico, política de desenvolvimento e políticas públicas e sociais de fortalecimento do mercado interno, tendo o Estado como indutor.
Em 2003 tínhamos 42% da população ocupada, com carteira assinada. Em tese, a grande maioria era sem carteira assinada, 58% da população ocupada. Hoje temos cerca de 54% dos trabalhadores com carteira assinada. O que não quer dizer que 46% esteja na informalidade, porque entre estes temos, por exemplo, autoprodutor, pequenos proprietários, os empreendedores individuais. Mas ainda há uma informalidade grande no Brasil, em torno de 30%, 35% da população economicamente ativa, segundo o Dieese. Nesses percentuais, há um grande contingente que é o trabalhador doméstico. São 6 milhões sem carteira assinada. Portanto, qualquer alteração na CLT tem de ser para ampliar os direitos, e não reduzi-los ou flexibilizá-los.
Vivemos um bom momento no Brasil, é preciso continuar gerando emprego. Quando se fala de implementar o contrato de trabalho temporário, que já existe no Brasil, surgem propostas como a contratação por hora, semana, ou quinze dias. Um empresário do setor de serviços que queira fazer uma construção de um palco num show, por exemplo, pode contratar trabalhadores apenas por aquele período, registrá-lo numa modalidade nova e pagar inclusive INSS, FGTS. À primeira vista, para quem olha o projeto, parece ser bom, mas o problema é que vão começar a demitir quem tem contrato por tempo indeterminado.
Em pesquisas realizadas com empresários do setor agrícola, industrial, comercial e de serviços, os principais entraves apontados são juro alto, tributos, custo da mão de obra – o que é um absurdo, porque ganhamos muito menos do que se ganha em outros países –, impostos, burocracia, pois a legislação para abrir e fechar uma empresa é enorme, e corrupção. É absolutamente real que há uma concorrência desleal entre uma empresa séria, que paga seus tributos, mantém seus trabalhadores em ordem, conforme a legislação, e uma que não faz isso.
E a discussão da desoneração da folha?
Quando propusemos na CUT esse debate e o apresentamos ao governo, dizíamos que poderiam desonerar a folha de pagamentos da Previdência Social, colocando no lugar um imposto sobre o faturamento. Assim, os setores com mais mão de obra teriam redução do imposto para aquela empresa na folha de salários. Nas empresas com pouca mão de obra e muita tecnologia, teria uma grande incidência porque o faturamento é alto. E pedimos ao governo que fizesse um amplo estudo sobre esses setores. O governo estipulou uma alíquota de faturamento para alguns deles, só que ao contrário do que propusemos. Alguns empresários não gostaram da proposta porque está pior do que antes.
É preocupante o governo testar esse tipo de mecanismo, não é uma discussão estrutural, é muito pontual e causa um problema sério, porque até agora não temos informação. Quanto a Previdência Social e a Seguridade Social estão deixando de arrecadar? No Plano Brasil Maior estava proposto, com concordância da presidenta, montar um grupo de trabalho para discutir, mês a mês, quanto o INSS deixou de arrecadar e quanto o Tesouro tem de aportar de recursos. Não sei quanto é isso hoje.
Há uma pauta extensa dos trabalhadores que vinha sendo discutida nos dois governos Lula e está parada: redução da jornada para quarenta horas, fator previdenciário, imposto sindical etc. Quais são os obstáculos?
Nossa agenda continua estratégica nessas questões mais amplas do debate da política macroeconômica, mas também há uma pauta de interesse imediato dos trabalhadores: redução da jornada de trabalho para quarenta horas, fim do fator previdenciário, recuperação do poder aquisitivo das aposentadorias, regulamentação da terceirização, ratificação e implementação de convenções da OIT… No Brasil, 15 milhões de trabalhadores entram todos os anos no mercado de trabalho e cerca de 12 milhões são demitidos. O número que resulta é positivo, 3 milhões a mais de carteiras assinadas por ano, mas a rotatividade da mão de obra é excessiva. Maior que em qualquer país da Europa.
A Convenção 158, contra a demissão imotivada, está parada no Congresso e já foi derrotada em algumas comissões. A 151, que garante negociação coletiva no setor público, foi aprovada pelo Congresso e está com o governo para regulamentação. Estão paradas a 189, que é a garantia do trabalho das empregadas domésticas, e a 87, que garante liberdade e autonomia sindical, coloca em discussão nossa legislação sindical, ainda da época do Vargas, sem liberdade, sem democracia, sem organização por local de trabalho, e mantendo o imposto sindical.
Sobre o fim do fator previdenciário, em sua substituição apresentamos a proposta 85/95 (poderá se aposentar com 100% do valor do benefício aquele que a soma dos anos de contribuição e sua idade seja 85, para mulheres, e 95 para homens), mas infelizmente parte das centrais acreditou que acabaria com o fator previdenciário no Congresso e não aconteceria mais nada. Lula tinha alertado que vetaria. O governo não jogou peso porque queria ter uma maioria confortável para aprovar a nova proposta.
Essas propostas vão ser retomadas?
No primeiro ano do governo Dilma, a agenda do setor empresarial desenrolou com mais rapidez e, às vezes, com parte de apoio do governo para ser aprovada. E nossa agenda não anda no Congresso Nacional porque continuamos com uma correlação de forças prejudicial aos trabalhadores, fundamentalmente porque não temos reforma política no Brasil.
Enquanto o poder econômico continuar influenciando as eleições serão eleitos os que têm condições financeiras de sê-lo. Defendemos reforma política, lista partidária, financiamento público de campanha, mas quem está fazendo lista de todos os partidos é a Odebrecht, a Camargo Corrêa, o Bradesco, Itaú… O setor empresarial da agricultura, ou agronegócio, tem cada vez mais representantes dentro do Congresso Nacional.
O governo, quando decide fazer, faz. Até hoje não conseguimos aprovar a PEC do trabalho escravo, que continua esquecida na Câmara. Seria preciso chamar a base aliada e assumir o projeto como do governo. Mas há muitos proprietários de terras no PMDB ou na bancada ruralista. Um governo que quer transformar precisa enfrentar determinados interesses.
E o outro ponto importante é a organização social, dos movimentos sociais. A pauta dos movimentos sociais é extensa. A vitória do presidente Lula e do projeto democrático-popular abriu grandes possibilidades, porque passamos a trabalhar uma agenda positiva, só que essa agenda hoje está sem foco. Cada movimento tem sua pauta. A da CUT tem cerca de trezentos itens; a da UNE, o Plano Nacional da Educação, 51% do Fundo do Pré-Sal para a educação; o MST quer a aprovação da PEC do trabalho escravo, o limite da propriedade da terra, a atualização dos índices de produtividade e um conjunto de questões relacionadas com a reforma agrária. Estamos fazendo esforço para estabelecer uma pauta conjunta.
No dia 5 de junho, aproveitando o debate da Rio+20, os movimentos sociais farão uma mobilização nacional em torno da agenda do chamado modelo de desenvolvimento sustentável.
Em 2003, em entrevista de Luiz Marinho à Teoria e Debate, o foco foi a relação com o governo. Qual o balanço que você faz dessa relação delicada? Qual é a expectativa da relação com o governo Dilma?
Priorizamos, num primeiro momento, o debate estratégico sobre a política macroeconômica e os pontos com necessidade de intervir – juros, câmbio, reforma tributária mais ampla –, mas a expectativa é criar um espaço de negociação mais permanente do ponto de vista estratégico. Às vezes a imprensa diz que a relação com a Dilma é muito pior, diferente do que era com Lula. Essa é uma tentativa de comparar e mostrar que a presidenta tem outra visão do movimento sindical.
É evidente que as pessoas têm histórias diferentes. Lula foi presidente de sindicato, é fundador do PT e da CUT. Dilma lutou contra a ditadura, foi presa, torturada, depois passou a atuar na área de energia elétrica, quando foi secretária de Energia do Rio Grande do Sul.
Fazemos muitas reuniões com a Secretaria-Geral da Presidência da República, do mesmo jeito que os empresários se reúnem com o Ministério da Indústria. Nossas reuniões tiveram resultados concretos. Por exemplo, recentemente aprovamos e assinamos o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Indústria da Construção. Tratamos de muitas reivindicações o ano inteiro, mas do ponto de vista estratégico, de reformas estruturais falta maior articulação com o governo. Isso tem de ser com a presidenta Dilma. Queremos construir um diálogo das centrais sindicais ou dos movimentos sociais como fizemos no governo Lula. Uma parceria combinada, que estabeleça as prioridades do movimento social, ou parte dele, não só com o olhar econômico, mas social também.
Havia um jogo combinado com o Lula. Precisávamos de uma política de valorização do salário mínimo. O presidente considerava importante para o Brasil, mas a equipe econômica não queria. Então fizemos as marchas da classe trabalhadora para pressionar o governo.
Isso é parceria, não tem nada de errado, o setor empresarial faz o mesmo com o Ministério da Indústria, quando pressiona para conseguir determinadas desonerações. É legítimo o conflito de interesses e essa busca de diálogo com o governo. Precisamos articular melhor essa relação com a presidenta Dilma. A situação dos trabalhadores hoje é absolutamente melhor do que há dez anos. Tiramos 40 milhões de pessoas da pobreza e colocamos no mercado de consumo, portanto, é uma nova classe trabalhadora. E isso é feito com políticas públicas, sociais, várias delas combinadas com o movimento sindical. O resultado é bom para o sindicato, para o movimento sindical. Mas temos falado para a presidenta que não basta só gerar emprego, estamos numa fase de dar um salto de qualidade. Queremos discutir a qualidade do emprego que está sendo gerado, queremos ser a sexta economia do mundo, mas sem trabalho escravo, sem trabalho infantil.
No primeiro ano do governo Lula, tivemos 2% de reajuste de salário mínimo. As coisas não foram fáceis, a relação é delicada e tem de ser construída.
Faço parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e também do Conselho de Desenvolvimento Industrial, por conta do Plano Brasil Maior. Montaram a Câmara de Política de Gestão com Jorge Gerdau na presidência, para debater eficiência e eficácia do setor público. Lógico que vou criticar. Cabe na cabeça de alguém discutir setor público com Gerdau, e não com um usuário? É importante ter visão política, quando estão em jogo os atores sociais. Lula sabia disso e a presidenta também sabe, porque viram o que aconteceu em 2005. O movimento social com a CUT à frente assumiu a campanha “Mexeu com Lula, mexeu comigo”.
Com a crise em setembro de 2008, empresários e centrais sindicais lançaram uma grande campanha de que a crise era gravíssima e era preciso reduzir salário e jornada. Roger Agnelli, ex-presidente da Vale do Rio Doce, chegou a dizer: “Viveremos um período de recessão no Brasil, portanto as medidas têm de ser duras”. Fui ao Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e o chamei de irresponsável e oportunista. Recebi apoio de vários empresários naquela reunião e o foi lançado um manifesto pelo fortalecimento do mercado interno, pela geração de emprego e renda, levando Lula, em dezembro, a ir à televisão dizer: “Consumam”.
Temos de melhorar, aprofundar essa relação delicada com o governo e construir parcerias mais estratégicas.
Com se dará a participação da CUT na Rio+20?
Fizemos uma avaliação do Rascunho Zero (Zero Draft), o documento da ONU que incorporou as propostas dos vários países, que é insuficiente. É o início de debate para Rio+20, em junho, mas mostra bem o tamanho dos problemas que teremos, porque não trata os temas em profundidade. Realizamos no CDES um debate com trabalhadores, governo e empresários. Aprovamos um documento muito melhor, embora também tenha seus limites. A CUT fez seminários com a Confederação Sindical Internacional e a Confederação Sindical das Américas para tratar do tema do desenvolvimento sustentável na ótica da classe trabalhadora. Teremos cerca de quatrocentos dirigentes sindicais do mundo inteiro na Rio+20.
Será um momento importante para o debate de desenvolvimento sustentável na linha de que economia verde não é só empresário que planta árvore, tem de ser emprego decente. Não dá para tratar catador de lixo do jeito que é hoje, como emprego verde, porque não é decente.
A Rio+20 não é uma conferência de meio ambiente, é uma conferência de desenvolvimento. Então devemos debater indicadores diferentes do PIB.
Hoje temos as Metas do Milênio, só que não acontece nada com os países que não as cumprirem. Queremos debater, se teremos metas de desenvolvimento sustentável, o que acontecerá com os países que não as cumprirem.
Em julho a CUT realizará o seu 11º congresso e você já anunciou que não se candidatará a mais um mandato na presidência.
Não está no estatuto, mas defendemos a renovação. Ficar mais que dois mandatos no mesmo cargo acaba gerando acomodação dos dirigentes à estrutura sindical. Defendo isso desde quando estava no Sindicato de Eletricitários. No debate interno da CUT conseguimos a unidade de todos os ramos, químicos, professores, metalúrgicos, de que é hora de termos um bancário na presidência da entidade. Temos 90% dos sindicatos de bancários do Brasil filiados à CUT. É uma categoria muito organizada, foi muito importante na construção do movimento sindical e na fundação da central.
Do ponto de vista de propostas de ações da entidade, qual o debate?
Queremos fazer um grande debate para vinte anos, sobre mercado de trabalho e os desafios do movimento sindical – pensando estrategicamente na nova classe trabalhadora, não gosto do termo nova classe média. A ideia é discutir com profundidade os valores culturais que vêm com ela.
Essa classe crescerá, reproduzirá uma mentalidade e uma concepção neoliberal, com valores como individualismo, consumismo, o privado mais importante que o público? Temos o desafio de elevar a consciência crítica desses trabalhadores.
É fundamental que esse trabalhador tenha valores como solidariedade, comunidade, de coletivo, e não individual… Precisamos de um projeto estratégico de formação, educação, envolvendo a questão ideológica, a política.
Rose Spina é editora de Teoria e Debate