Pela primeira vez a presidente Dilma Rousseff tomou medidas que causaram arrepios e calafrios na turma neoliberal financista. A presidente já tinha adotado vários remédios homeopáticos desenvolvimentistas durante os seus primeiros 15 meses de governo.

Mas grande parte dos neoliberais desconsiderou a homeopatia desenvolvimentista.

Pela primeira vez a presidente Dilma Rousseff tomou medidas que causaram arrepios e calafrios na turma neoliberal financista. A presidente já tinha adotado vários remédios homeopáticos desenvolvimentistas durante os seus primeiros 15 meses de governo.

Mas grande parte dos neoliberais desconsiderou a homeopatia desenvolvimentista.

Calcularam que não valia a pena se opor por pouca coisa a uma presidente tão bem avaliada. E, doses específicas e pequenas de políticas econômicas, de fato, não têm efeito macroeconômico contundente.

Um exemplo de homeopatia desenvolvimentista: a presidenta lançou, no ano passado, o programa “Brasil Maior”, que cobra juros nos empréstimos para projetos de inovações de 4% ao ano.

Alguns, isoladamente, criticaram a medida dizendo que haveria, embutidos nos empréstimos, a concessão de subsídios para setores específicos. Tudo passou despercebido: o programa e a crítica.

Agora, não vai dar para ficar calado ou fazer uma crítica tangencial. Afinal, por orientação da presidente e do ministro da Fazenda, os bancos públicos, Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica enfrentaram o mercado da “lógica natural” dos juros elevados. O Brasil tem um conjunto de taxas de juros elevadíssimas para os padrões do mero bom senso ou para os padrões internacionais, como gostam de salientar os especialistas.

O mercado de crédito para a pessoa física e de capital de giro para as empresas é muito concentrado no Brasil. Apenas poucos bancos dominam quase todo esse mercado. São eles: o Santander, o Unibanco, o Bradesco, a Caixa e o Banco do Brasil.

Em qualquer mercado concentrado, o consumidor fica a mercê do lado mais forte. Contudo, banqueiros dizem que os juros são altos por conta da inadimplência, dos impostos, do elevado compulsório etc. Obviamente, não dizem que seus lucros bilionários decorrem dos juros elevados que podem cobrar por atuarem em um mercado que não há concorrência.

Entre os maiores bancos que atuam no mercado de crédito para pessoa física e empresas estão dois grandes bancos públicos. E, se bancos públicos agem como entidades públicas, devem objetivar aumentar a funcionalidade do sistema financeiro e maximizar a satisfação dos clientes. Os bancos públicos, nos últimos anos, exceto durante a crise de 2008/9, agiram como bancos privados, ou seja, buscavam principalmente a maximização do lucro.

Se um banco público age com fins privados é melhor privatizá-lo. Mas, melhor é ter banco público agindo como banco público. Para aumentar a funcionalidade do sistema, os bancos públicos devem ampliar o crédito e oferecer produtos variados de investimento financeiro. Para aumentar a satisfação do cidadão, os bancos devem reduzir os custos de transação das operações (isto é, reduzir tarifas e tempo de atendimento), reduzir taxas de juros e atender bem o cliente. Para que seus programas tenham efeito macroeconômico, é preciso que tenham tamanho significativo dentro do sistema financeiro.

O Banco do Brasil e a Caixa lançaram esta semana programas ousados de redução de suas taxas de juros. Há bons exemplos dentro dos programas. A taxa máxima cobrada pelo BB no crédito pessoal caiu de 4% ao mês para 1,98%. Na Caixa, a taxa do cheque especial caiu de 8,25% ao mês para 4,27% e a taxa do empréstimo para o capital de giro de pequenas empresas caiu de 2,72% ao mês para 0,94%.

Nos últimos anos, os bancos públicos têm ampliado a sua participação no mercado de crédito. Em janeiro de 2008, o crédito público representava 34,1% do total do crédito ofertado. Em janeiro de 2012, subiu para 43,8%. A partir da crise financeira internacional de 2008/9, os bancos públicos foram francamente “estatizados”, ou seja, passaram a ser dirigidos pelo governo com base no interesse público. Contudo, no passado recente, quase a sociedade perdeu esses bancos para o sistema financeiro privado.

O governo do neoliberal Fernando Henrique Cardoso (FHC) negociou com o FMI a privatização do Banco do Brasil, da Caixa e do BNDES. Em documento do governo brasileiro dirigido ao FMI, de março de 1999, o Ministro Pedro Malan informou que “o governo dará continuidade à sua política de … redução do papel dos bancos públicos na economia.” E continuou: “ademais o Governo solicitou à comissão de alto nível encarregada do exame dos … bancos federais (Banco do Brasil, Caixa …) a apresentação … de recomendações sobre … possíveis alienações de participações nessas instituições, fusões, vendas de componentes estratégicos ou transformação em agências de desenvolvimento ou bancos de segunda linha”.

Agora, aqueles que não conseguiram privatizar os bancos públicos vão fazer muitas críticas aos programas de redução de juros do BB e da Caixa. Talvez as críticas não venham diretamente de ex-ministros ou ex-dirigentes do Banco Central. Afinal, estão em posições desconfortáveis para fazê-las. São diretores, membros do conselho ou donos de entidades financeiras que serão atingidas pela política dos bancos estatais. Os bancos privados terão que reduzir os juros também. Do contrário, continuarão a perder mercado. E agora, de forma mais acelerada.

Os neoliberais, órfãos dos governos de FHC, dirão que isto tudo reduzirá o lucro dos bancos públicos e prejudicará os acionistas do Banco Brasil. Dirão que a Caixa perderá capacidade de investimento em equipamento e pessoal. Dirão que as duas entidades estão sendo usadas politicamente pelo governo.

São críticas impertinentes. Afinal, acionistas só têm a ganhar porque o BB vai ganhar mercado e, ademais, possuem ações de uma instituição que visa à satisfação do cliente – o que é socialmente correto. Hoje, empresas poluidoras que visam somente o lucro veem em trajetória de queda suas ações e dividendos distribuídos.

Os bancos públicos (e os privados também) estão bastante capitalizados e em condições de investir em pessoal, equipamento, serviços e novas agências. Os bancos públicos só existem porque são instrumentos de governo para dar estímulos e desenvolver mercados. Se chamam de “uso político” as medidas de governo que vão nessa direção é porque estão motivados pelo embate ideológico e pela necessidade de defesa de interesses puramente financeiros.

*João Sicsú, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.