A decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de isentar da acusação de estupro pessoa acusada de tal e de considerar prostituta três adolescentes de 12 anos é uma ruptura com paradigmas de direitos humanos laboriosamente construídos de forma coletiva desde a Constituição de 1988.

Até essa lamentável sentença, prostitutas eram pessoas que escolhiam sê-las. Crianças (só são tecnicamente adolescentes por terem completado 12 anos) não escolhem serem prostitutas, são sempre vítimas, ou de abuso sexual no interior do próprio lar.
Pesquisa conduzida por Eva Faleiros para a SEDH-PR sobre casos judicializados mostra que abusos ocorrem com bebês (0 a 3 anos); crianças de 3 a 6 anos, de 6 a 9 anos, e de 9 a 12 anos. Por outro lado famílias desfeitas pela pobreza, drogadição, jogam crianças em situação de alto risco social e vulnerabilidade.

Fez bem a ministra Maria do Rosário em reagir a essa perigosa decisão. A titular da SDH é guardiã do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e cabe-lhe proteger esta conquista de decisões e atitudes insensatas.

Os artigos da Constituição que reconhecem as crianças como sujeitos de direitos (em condição peculiar de desenvolvimento) foram fruto de espetacular mobilização de milhares de organizações sociais que recolheram nada menos que cinco milhões de assinaturas em emenda popular à Constituinte.

Nas últimas décadas dezenas de milhares de operadores do sistema de garantias de direitos das crianças e adolescentes buscaram desenvolver consciência coletiva de que toda criança ou adolescente comercialmente entregue à exploração sexual é vítima, nunca protagonista. Isto é, não tem discernimento, amadurecimento, vivência para “escolher” a prostituição. Por isso não se aceita referir-se às crianças como prostitutas e à exploração sexual comercial como prostituição.

A decisão da ministra Maria Thereza é um retrocesso, uma volta ao passado da sociedade e do Estado que fechavam os olhos à vergonha da exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. Desprotege meninas e meninos e pode dar alento à legião de traficantes da dignidade das crianças, pedófilos e a rede de exploradores deste comércio por malfeitores.

A sociedade vai reagir e forçar a revogação desta sentença que atinge em cheio uma das maiores conquistas civilizatórias de nossa construção democrática.

*Nilmário Miranda é presidente da Fundação Perseu Abramo e ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos.