Paul Singer 80 anos: “… a gente não para de aprender até acabar a vida”
O seminário Paul Singer 80 anos – Trajetória militante aconteceu nos dias 22 e 23/03 para homenagear o professor em seu 80º aniversário, numa promoção do Núcleo de Economia Solidária (Nesol) da USP, da Faculdade Economia e Administração (FEA/USP), dla Faculdade de Educação (FE/USP) e da Fundação Perseu Abramo. O evento, realizado no auditório da FEA/USP, foi acompanhado pelo próprio Paul Singer e pelos filhos André e Suzana.
O professor Paul Singer encerrou o seminário em sua homenagem com a fala transcrita abaixo:
“Não que seja fácil, mas queria dizer que tudo isso que disseram a respeito de mim de alguma maneira eu reconheço, corresponde a uma parte de mim do que sou mesmo. Agora o que ninguém disse, não cabia dizer, cabia a mim, é que eu sou o que eu sou graças a vocês… eu não estou retribuindo, estou simplesmente dizendo, gente!
Nós atravessamos os últimos quinze ou dezesseis anos juntos e hoje a nossa estimativa da economia solidária fala em 3 milhões de pessoas, 3 milhões de brasileiros vivendo, de certa forma, este tipo de experiência praticamente no Brasil inteiro – do Amapá ao Rio Grande do Sul. Eu acho que foi uma coisa construída coletivamente, apesar de sê-lo individualizado, eu estou fazendo 80 anos, mas creio que há um exagero aí. É relativo que todos nós demos uma contribuição, não só os que estão nas mesas aqui de hoje e de ontem, mas muito mais pessoas que não puderam vir e não estão aqui que indiscutivelmente são companheiros, até os que já morreram, que tiveram enorme papel para a gente chegar onde chegou….
Talvez o que eu tenha que dizer fundamentalmente a vocês, a muitos que estão aqui são corresponsáveis do que conseguimos fazer e que é uma coisa em construção.
Não há nada completamente definido, claro que há lições importantes que foram salientadas por vocês e a história nos ensina, a nossa própria história nos ensina muito, mas ainda nós vamos aprender muito. Talvez essa seja a minha resposta ao muito que foi dito a respeito de mim mesmo. Na verdade, a gente aprende desde o dia que nasce, é uma aventura e tanto sair do ventre materno e aprender a viver com o exterior disso. E a gente não para de aprender até acabar a vida, eu espero aprender muito com vocês e certamente aprenderemos, estaremos aprendendo.
Eu queria concordar com o que vários de vocês disseram ao meu respeito e que é a posição hoje em dia. Eu devo confessar claramente que uma boa parte da minha vida, inclusive essa parte que está sendo discutida aqui, de 1996 para cá, eu tava muito errado!
Eu aprendi coisas errando, é quase impossível não errar…não que a gente ache ótimo etc. A gente não tinha toda a informação…
Deixa eu mencionar uma coisa que o Pedro (Ivan) disse há pouco e que está na nossa cabeça o tempo todo: o que significou a Revolução de Outubro de 17? A construção da União Soviética? Se vocês quiserem, a Revolução Chinesa, enfim uma série de lutas, vitórias, com ambições semelhantes com as que ainda hoje nos alimentamos, cujos resultados foram diretamente opostos?
A experiência do chamado socialismo real foi uma coisa terrível, porque simplesmente foi opressiva, e em socialismo opressivo eu não creio, prefiro o capitalismo democrático. Eu me lembro sempre de um humorista tcheco que tentou sintetizar a experiência tcheca – o socialismo real dizendo: ‘Aqui no meu país tudo o que não é proibido, é obrigatório’. Nós podemos construir uma sociedade em que nada seja proibido, nada seja obrigatório, em que nós possamos confiar uns nos outros, discutir muito, nos ajudar muito, sem querer disputar quem é o melhor…E hoje nós estamos fazendo isso, de alguma maneira estamos fazendo isso…acho que estamos muito melhor do que antes, mas foi preciso errar. Essa é minha justificativa: eu errei de boa fé, e eu não sou o único, muitos de nós…
Quando o MST, eu sei disso, conquistou as primeiras terras e pensou como organizar uma nova sociedade com os assentamentos da reforma agrária, tomou como modelo – pelo que me falaram – Cuba, que era o modelo capitalista avançado da agricultura mas, digamos assim, sob uma bandeira socialista. E essa experiência avançou e deu alguns resultados ótimos, no entanto parece, pelo que eu sei, em muitos lugares ela foi, no final, rejeitada por uma grande parte dos participantes. É uma crise, evidentemente, e essa crise foi ao meu ver, resolvida pelo MST de uma maneira brilhante, sempre repito isso, achei extremamente inteligente: que foi aceitar que as pessoas se organizassem na sociedade recente, fundada pela conquista da terra, da forma que achasse melhor. Em vez do cooperativismo, a cooperação. Ao falar em cooperação, as formas poderiam ser as que as pessoas quisessem. O direito, inclusive, das pessoas saírem do coletivo, irem para a forma individual familiar de agricultura, sem ser expulso, sem ser punido, e eventualmente, se achar que não deu certo, voltar… Essa flexibilidade do MST é ao meu ver profundamente democrática, é uma lição para todos nós.
Então, o que posso dizer, não só a respeito da economia solidária, mas da utopia socialista é que foi alguma coisa difícil de entender o que aconteceu em outubro de 1917. Estou falando sério, porque aquela gente toda, Lenin, Trotsky, Stálin, enfim toda a geração de intelectuais trabalhadores estava lutando pela democracia, na verdade. O czarismo era profundamente autocrático e quando chegaram ao poder, fizeram pior do que o Czar, não sei explicar. Foi feito e foi aceito por uma boa parte da esquerda e eu fiz uma crítica a isso…nunca fui do Partido Comunista, mas achava que aquilo era o futuro com defeitos, com problemas que seriam superados, mas demorou décadas até que eu percebesse que o planejamento centralizado era uma coisa profundamente opressiva….Você está negando às pessoas direitos que o capitalismo concedeu há muitas gerações. Tudo bem escolher seu próprio trabalho, poder escolher seu noivo ou noiva que mora em outra cidade sem ter que ter uma autorização pra isso. O planejamento centralizado praticamente colocou as pessoas numa economia de guerra permanente. Ela foi gerada na guerra, na Primeira Guerra Mundial, e foi superada. O que aconteceu em 1989 foi uma maravilhosa revolução socialista, gente. Ao meu ver, na Alemanha, na Tchecoslováquia, na Hungria e na própria União Soviética eles conquistaram hoje um grau de democracia não o ideal, mas mil vezes melhor do que antes. Não há chance de que queiram voltar, embora exista ainda Partido Comunista, por isso que é autêntico, estar lá porque foi democraticamente eleito, disputando e assim por diante.
Olhando bem, hoje a democracia se tornou uma coisa óbvia, vai ser difícil hoje implantar alguma ditadura em algum lugar dizendo ‘isso é o futuro’, acho que ninguém aceita isso, não dá mais pra aceitar. Isso não podemos abrir mão de jeito nenhum…Tudo o que eu vejo que vocês falaram aqui a respeito de mim, que obviamente me enche de orgulho, é a prática da democracia, que vocês fizeram comigo, tanto que eu fiz com vocês. Não é nenhuma bondade, nenhum sacrifício, muito antes pelo contrário. O que nós fizemos foi feito em completo acordo, não me lembro de nenhum momento em que tivéssemos uma crise política, nem na SENAES, nem na incubadora, nem em nenhum momento.
Isso, obviamente se deve às qualidades de todos nós e acredito que cada vez mais parte do respeito ao outro simplesmente e a capacidade de viver sem competir, sem ciúmes e inveja e outros tantos sentimentos que nos infelicitam, na verdade é isso. Dizer que precisamos (da competição) para ter um mercado bom, virtuoso, a competição ao meu ver é uma monstruosidade porque deixa as pessoas muito infelizes. Não estou pensando só nos trabalhadores, estou pensando nos próprios capitalistas que estão o tempo todo angustiados porque sabem que são rodeados por concorrentes que querem acabar com eles e vice-versa. Quer dizer, é um tipo de vida que você fica multimilionário, pensando no Eike Batista e tantos outros, eu duvido muito que tenham felicidade, bem estar…enfim, de ter a alegria de estar junto fazendo coisas que valem a pena…
Era basicamente isso nesse momento e e nesses dois dias eu aprendi muito inclusive sobre o que vocês pensam de mim e isso me deixa extremamente orgulhoso, honrado e. graças a Deus, cético se vocês tem razão ou não…Eu acho um extremo exagero de vocẽs e se não for cético a este respeito, vou ficar insuportável.”
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