Um pouco da nossa história para nossa memória
" O sindicato no Brasil sempre foi uma entidade de colaboração com o Estado e resolvemos romper com isso, criando um sindicalismo combativo"
Durante as greves metalúrgicas dos anos 1978, 79 e 80, nós nos reuníamos em assembléias de mais de 100 mil trabalhadores. Nesse período, eu era diretor-tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
Esse sindicato, tradicionalmente foi composto por diretores conscientes e combativos, com a participação de muitos católicos, socialistas e comunistas. Porém, foi nos últimos anos da década de 1970 que surgiu no cenário político brasileiro a força da classe trabalhadora, a partir dos operários metalúrgicos das grandes montadoras multinacionais do ABC e de outros setores de ponta do operariado industrial urbano. O sindicato no Brasil sempre foi uma entidade de colaboração com o Estado e resolvemos romper com isso, criando um sindicalismo combativo, isto é, uma prática sindical que procurava alargar e aprofundar as reivindicações econômicas e trabalhistas e a romper, de fato, com a legislação sindical vigente no país, inspirada na Carta del lavoro de Mussolini, extremamente restritiva e repressiva .
Nossas principais reivindicações:
– Liberdade e autonomia sindical.
– Jornada de quarenta horas semanais sem redução do salário.
– Garantia de emprego.
– Salário mínimo profissional.
– Controle das chefias.
– Redução das faixas salariais, de vinte para três no máximo.
– Redução do ritmo de trabalho em linha de montagem.
– Formação de comissões de fábrica.
O que estava também em disputa nessas lutas era a contradição entre os interesses da burguesia, que mantinha o aparelho do Estado como monopólio seu, e os interesses da classe trabalhadora, importante, mas totalmente ignorada pelos centros de decisão do Estado. Estavam em evidência, nesse contexto, as forças repressivas da ditadura militar.
Lembrando um pouco de como foi essa disputa entre trabalhadores, patrões e governo…
Governo, inimigo dos trabalhadores
Eram estes os instrumentos do Estado repressivo, totalmente a favor do capital – contra os trabalhadores:
– Lei de Segurança Nacional.
– Ministério do Trabalho.
– Justiça do Trabalho.
– Técnicos do Governo que, em 1972 e 1973, falsificaram os índices dos preços para menos, para o controle dos salários abaixo da inflação.
– A ditadura militar.
Eram estas as táticas usadas contra os trabalhadores:
– Intervenção nos sindicatos.
– Cassação dos diretores.
– Prisões e enquadramentos na Lei de Segurança Nacional.
– Dispensa por justa causa com proteção da Justiça do Trabalho.
Agentes do SNI com credencial de jornalista nas manifestações. Membros do Exército, da Polícia Militar e do DOPS, disfarçados em trabalhadores nos movimentos. Tudo com apoio das empresas. Quando fomos presos no DOPS, às seis horas da manhã de 17 de abril de 1980, encontramos muitos deles lá.
Patrões, inimigos dos trabalhadores
Havia uma organização capitalista do processo de trabalho, dentro das empresas, que tinha os seguintes objetivos:
– Reduzir o trabalhador a mero executor de tarefas, isto é, um apertador de botão, sem possibilidade de qualificação e aperfeiçoamento.
– Controlar os operários para evitar agrupamentos e troca de idéias.
– Cronometrar os movimentos dos operários, fazendo do operário um robô.
Estes eram os instrumentos usados pelos patrões contra os trabalhadores:
– Normas de comportamento dos trabalhadores.
– Grupos informais de administração de pessoal.
– Sistema de segurança interna das empresas.
– Linha de montagem como sistema de produção e exploração.
– Chefias gerentes, mestres, contra-mestres, encarregados e líderes.
Formas de organização e de lutas dos trabalhadores para enfrentar o governo e os patrões
– O sindicato como instrumento de defesa, luta e conscientização dos trabalhadores.
– Assembléias e reuniões – centenas de reuniões nos bairros e portas de fábrica; as assembléias no sindicato e no Estádio de Vila Euclides.
– Fundo de Greve criado a partir da greve de 1978, fundado em 1979 e que, já na greve de 1980, deu atendimento a 120 mil pessoas, com a distribuição de 480 toneladas de alimentos.
– Comissões de mobilização – em 1980, chegamos a ter, até, uma com a participação de 450 membros, além de uma, secreta, de 16 membros para nos substituir, em caso da prisão ou desaparecimento de toda a diretoria.
– Os piquetes nas portas das fábricas – que chamávamos de “correntes de trabalhadores” para ludibriar o DOPS.
– Os três congressos de 1974, 1976 e 1978.
– Formação de idéias que resultaram na fundação do PT e da CUT.
Lembrar é resistir
Para chegar nisto tudo, foram fundamentais:
– O teatro de Tim Urbinatti do grupo Forja – os atores eram, e são, os trabalhadores.
– A “Rádio-peão”: trabalhadores que, pela sua função na fábrica, se locomoviam, levando a discussão do Sindicato para dentro das empresas.
– O filme Linha de montagem: um dos mais importantes instrumentos de mobilização.
– Nossa imprensa sindical: a Tribuna Metalúrgica mensal, suplemento informativo diário.
– O 1º de maio de 1980 – um dos fatos históricos mais importantes do movimento sindical do Brasil: mesmo quando cercados pela polícia, pelo exército, tanques de guerra, helicópteros, os trabalhadores mantiveram-se concentrados para reivindicar a liberdade dos sindicalistas presos e para exigir o cumprimento da pauta de reivindicações. Foram para o enfrentamento, obrigaram a Polícia recuar. Apesar de acuados na Praça da Matriz, saíram em passeata pela Marechal, contornaram o Paço Municipal, entraram no Estádio da Vila Euclides, e lá realizaram o 1º de Maio.
O significado de tudo isso: importante também é reagir
Na verdade, os trabalhadores metalúrgicos daquele período indicaram, juntamente com a resistência de outras forças da sociedade, novas condições políticas para o restabelecimento de uma nova democracia no Brasil, de acordo com o interesse da maioria.
E, por fim, para mim, juntamente com a categoria metalúrgica e com outros diretores do Sindicato, tenho certeza de que valeu a pena ter participado desses episódios tão importantes da história mais recente da história do nosso país. Mas, de nossa parte, nunca será demais.
14/04/2000