Os operários e suas famílias estavam determinados a cumprir a palavra de ordem do seu líder: a passeata sairia, como estava marcado.

Ricardo Kotscho

O Brasil oficial dos governantes biônicos* havia anunciado na véspera: as comemorações do 1º de Maio estavam proibidas no ABC. Da prisão, Lula convocava seus companheiros e suas famílias para uma passeata armada de flores e bandeiras. São Bernardo amanheceu naquele histórico 1º de Maio de 1980: barreiras nas vias de acesso, dezenas de milhares de soldados e agentes à paisana cercando o Paço Municipal, o Estádio de Vila Euclides e a Igreja da Matriz. Mesmo assim, enquanto D. Cláudio Hummes rezava a missa, a massa de operários, mulheres e crianças avançavam sobre São Bernardo, vindo a pé de todos os cantos. Ao final da missa, as forças de repressão estavam encurraladas pelo povo. Melhor do que ninguém, os ocupantes de um helicóptero do Exército podiam avaliar as conseqüências de um confronto. Os operários e suas famílias estavam determinados a cumprir a palavra de ordem do seu líder: a passeata sairia, como estava marcado. E o coronel comandante das forças de repressão recebeu ordens para retirar suas tropas – o que foi feito às carreiras. Faixas brotaram de todos os cantos, o grito de liberdade se tornou mais forte, os operários haviam retomado São Bernardo e marchavam até o Estádio de Vila Euclides. Por um momento, por um dia, o povo voltava a ser senhor do seu destino, impondo ao regime a maior derrota desde o golpe de 64. De praça de guerra, São Bernardo se transformou no palco de uma grande festa da dignidade operária.

* Eram chamados dessa forma os governantes (governadores, 1/3 dos senadores, os prefeitos das principais cidades) que não eram eleitos diretamente pelo voto popular, mas nomeados para estes cargos.
 

* Trecho extraído do livro A Greve do ABC

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