François Hollande deixou para trás a linha “socialismo liberal” de seus antecessores e a imagem de homem brando, indeciso e inconsistente que a direita francesa e a imprensa teceram em torno dele. Hollande entrou de cheio na eleição presidencial com um discurso marcado por um contundente giro à esquerda e uma frase que diz tudo: “meu adversário, meu verdadeiro adversário não tem nome, nem rosto, nem partido. Nunca apresentará sua candidatura e, consequentemente, não será eleito. Mesmo assim, governa. Esse adversário é o mundo das finanças”.
 

Paris – A dinâmica positiva que o socialismo francês colocou em marcha não se detém desde que, no ano passado, organizou as primárias para designar o candidato às eleições presidenciais de abril e maio. Segundo reiteradas pesquisas de opinião, François Hollande conserva sempre uma folgada vantagem sobre o presidente Nicolas Sarkozy, que aspira a reeleição, mas que ainda não lançou oficialmente sua candidatura.

Nas últimas duas semanas, Hollande deixou para trás a linha “socialismo liberal” de seus antecessores, as ridículas polêmicas dentro de seu campo e a imagem de homem brando, indeciso, instável e inconsistente que a direita francesa e a imprensa tinham tecido em torno dele. François Hollande entrou de cheio na eleição presidencial com um discurso combativo, anti-consensual, marcado por um contundente giro à esquerda e uma frase que diz tudo: “meu adversário, meu verdadeiro adversário não tem nome, nem rosto, nem partido. Nunca apresentará sua candidatura e, consequentemente, não será eleito. Ainda assim, esse adversário governa. Esse adversário é o mundo das finanças”. Frase chocante que teve um sólido impacto na opinião pública e no próprio campo conservador.

Durante esse discurso, Hollande detalhou seis medidas para regular os mercados financeiros e lançou uma clara advertência aos “delinquentes financeiros, os fraudulentos, os pequenos selvagens”. O homem moderado e em aparência tímido se vestiu de guerreiro da cruzada contra a impunidade do sistema financeiro. A leitura imediata desse discurso não se fez esperar, tanto na opinião pública, que o percebeu como uma iniciativa para restaurar a política para além dos mercados, como dentro da direita.

O primeiro a medir o impacto do que poderia acontecer nas eleições presidenciais de abril e maio foi o próprio presidente francês. Nicolas Sarkozy oficializou sua candidatura à reeleição mediante um leque de confidências em off de alto valor negativo. “Se fracasso, deixo a política. É uma certeza!”, disse Sarkozy a um grupo de jornalistas. Até agora, sua candidatura à reeleição era virtual, mas o presidente a fez passar ao terreno do quase real com uma perspectiva negativa.

A bateria de pesquisas de opinião adversas, o lugar ocupado pelo candidato socialista na preferência do eleitorado e o efeito que teve o discurso de Hollande introduziram um fator de pessimismo. Não obstante, hábil como poucos, as confidências de Sarkozy são um plano de pré-campanha que foi se aperfeiçoando nas últimas semanas. Entre confidências em off e intervenções perfeitamente programadas de seus assessores mais próximos, Sarkozy ataca o candidato socialista da sombra e sem haver ainda posto um pé na campanha eleitoral. Segundo o vespertino Le Monde, na mesma reunião com os jornalistas, o mandatário disse: “Em todo caso, estou perto do final. Pela primeira vez na minha vida, me encontro de frente com o final da minha carreira”.

O presidente francês está seguro de que vai esmagar seu rival. Entretanto, o socialismo francês colocou várias peças chave no tabuleiro presidencial. Os socialistas realizaram uma tripla operação. Sem citá-lo sequer, François Hollande atacou Sarkozy por seus laços conhecidos com o sistema financeiro, atraiu à suas filas os setores mais radicais da esquerda francesa e apagou sua imagem de homem indeciso. O discurso durante o qual lançou sua campanha está cheio de frases contra os reis do dinheiro e de um sexteto de medidas bem claras.

A primeira consiste em votar uma lei que obrigará os bancos a “separar suas atividades de crédito das operações especulativas”. Mais ofensivo ainda, Hollande anunciou que “proibirá pura e simplesmente os produtos financeiros sem relação com as necessidades da economia real”. O líder do PS completou logo seu dispositivo com a apresentação de seu programa eleitoral. Trata-se de um projeto destinado “à mudança” que consta de umas 60 medidas políticas e econômicas avaliadas em cerca de 20.000 milhões de euros.

Segundo Hollande, esse pacote de medidas será financiado com os 29 bilhões obtidos com a supressão das isenções fiscais – uma boa parte destas decididas por Sarkozy. Segundo o candidato do PS, seu plano acarretará em um aumento de 1% no gasto público. Toda a arquitetura destas 60 propostas gira em torno do que Hollande chamou “um ajuste realista” que, segundo esclareceu, nunca perderá de vista a justiça social.

O representante do partido da rosa adianta um mandato muito diferente ao de Sarkozy. Se ganhar a eleição, disse, sua primeira decisão consistirá em aprovar a reforma fiscal e financeira com a meta declarada de incrementar os impostos “aos que mais ganham, aos bancos e às grandes empresas”. A ruptura com a política fiscal de Sarkozy é espetacular. Logo no começo de seu mandato, Nicolas Sarkozy aprovou o polêmico “escudo fiscal” com o qual limitou o porcentual impositivo dos ricos. Hollande toma o caminho contrário: o imposto de renda aumentará dos 41% atuais a 45% para os que ganham mais de 150.000 euros por ano.

O lema socialista desta eleição 2012 é “a igualdade, a juventude, a educação e a justiça”, disse François Hollande em sua apresentação à imprensa. Todo o esforço socialista parece orientado a desandar os passos de Sarkozy. O aspirante do PS prometeu que se for eleito em maio próximo voltará a negociar o tratado europeu pactuado no ano passado entre Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel.

Há muito tempo que os socialistas não expunham programa tão ambicioso, ainda mais quando este se desdobra em plena crise, com medidas como a preservação dos grandes grupos estatais, a criação de um banco público de investimento ou a introdução de um sistema de poupança isenta de impostos e destinada às pequenas e grandes empresas. As reformas propostas por François Hollande retomam os esquecidos hinos da social-democracia européia, convertida ao ultra liberalismo nos últimos 20 anos: reformar para redistribuir a riqueza, reformar para equilibrar a justiça social.

Faltam mais de dois meses para o primeiro turno da eleição presidencial, mas pouco a pouco, o PS francês instalou na opinião pública a validade de um programa de forte inspiração socialdemocrata, a idéia de que há vida fora do dogma ultra liberal, o princípio básico de que os bancos não podem fazer o que lhes dê vontade e que, para todas estas coisas, a ação política e o Estado podem voltar a ter um sentido.

Tradução: Libório Junior