Iole Ilíada: Debate sobre sustentabilidade não pode ser ditado pelo mercado
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20 está marcada para junho, e deve contar com a participação de chefes de Governos e Estados do mundo todo. Na última semana, em Porto Alegre, a Fundação Perseu Abramo realizou debates sobre o tema do desenvolvimento e da sustentabilidade ambiental, numa preparação para a intervenção na Rio +20. A secretária de Relações Internacionais do PT e diretora da Fundação Perseu Abramo, Iole Ilíada, faz aqui uma síntese sobre os desafios para a Rio +20.
De que forma os movimentos sociais e demais representantes da sociedade civil vão intervir na Rio +20?
Iole Ilíada – A Rio +20 vai acontecer de 20 a 22 de junho deste ano e vai reunir chefes de Estado e de Governo. Esta reunião oficial debaterá sobretudo o quadro institucional do desenvolvimento sustentável e o papel da ONU e de seus organismos nesse tema. Como todo evento dessa natureza, há razões de protocolo e diplomacia que acabam por condicionar o debate. Já a Cúpula dos Povos, que está sendo convocada pelos movimentos sociais e por representantes da sociedade civil mundial, é um espaço mais aberto, em que a questão da sustentabilidade poderá ser debatida de forma muito mais ampla. Os debates na Cúpula dos Povos certamente levarão em conta as distintas opiniões sobre o tema, e certamente apontarão para diversos aspectos, como o da igualdade social, da preservação ambiental, da elevação da qualidade de vida para todos, entre outros.
Quais são os principais desafios colocados para as esquerdas, os movimentos sociais e políticos neste debate sobre sustentabilidade?
Em minha opinião, nesse debate devem ser considerados quatro desafios. O primeiro tem um sentido mais estratégico, e refere-se à defesa de um modelo alternativo de desenvolvimento, a partir daquilo que os governos de esquerda e progressistas já vem implementando na América Latina, embora seja necessário ir além; o segundo tem um sentido teórico-conceitual, considerando que o termo “desenvolvimento sustentável” se universalizou, mas há um disputa em torno de seus significados. O terceiro desafio é mais estrutural, e refere-se aos compromissos e metas que os governos e organismos internacionais devem assumir; e o quarto é o desafio político, ou seja, o da construção de apoio social para implementar e aprofundar esse modelo alternativo que preconizamos.
Esse modelo de desenvolvimento atual é compatível com a sustentabilidade?
A crise internacional só está demonstrando com mais clareza o que já sabíamos e dizíamos há muito tempo: um modelo de desenvolvimento apoiado na ideia de que o mercado é capaz de organizar a vida social, que tem o lucro como principio básico e fundamental, além de ser um modelo excludente, que acentua a desigualdade social, é certamente um modelo em que é impossível pensar numa sustentabilidade ambiental. Nossa presença no governo brasileiro e a de outras forças de esquerda e progressistas em países da América Latina tem demonstrado a superioridade, em vários aspectos, de um modelo distinto, que busca combinar crescimento, redução da desigualdade e inclusão social, com mais soberania sobre os recursos naturais e mais sustentabilidade ambiental.
Hoje o mercado, os governos, a sociedade, enfim, todos falam em sustentabilidade…
Eis a questão. O termo desenvolvimento sustentável ganhou uma aceitação universal, aparece hoje nas agendas e documentos governamentais, nas resoluções da ONU e de seus organismos etc. Mas se há acordo na forma, não há necessariamente no conteúdo. O risco, pois, é justamente que esse conteúdo se esvazie. Aliás, é isso que permite o destaque dado ao termo “economia verde”. E se não tomarmos cuidado, esse conceito vai se sobrepor e tomar o lugar do conceito de desenvolvimento sustentável. Esse não é um debate menor. Se economia verde for uma nova forma de entregar às forças de mercado o direcionamento do debate sobre o crescimento e sobre o uso dos recursos ambientais, já sabemos que os resultados serão perversos, tanto para o homem quanto para a natureza.
Países pobres e em desenvolvimento são cobrados a fazer ajustes em nome da sustentabilidade, na mesma medida que os países ricos e desenvolvidos. Essa conta fecha de alguma forma?
Sabemos que não adianta fazer o debate sobre sustentabilidade se não houver condições concretas, efetivas, materiais, de transformar ideias e propostas em medidas objetivas, tanto nos âmbitos local, nacional e regional, quanto no âmbito internacional. Por isso, é importante dizer que a ONU, além de estabelecer metas e compromissos, precisa discutir seriamente a questão das fontes de financiamento. Uma proposta séria de desenvolvimento sustentável para o planeta representará um custo financeiro que deve ser pago por aqueles que tem mais recursos, por aqueles países que mais contribuíram para a destruição do meio ambiente até agora. É preciso que alguém pague essa conta para que outros países, menos desenvolvidos, com menos recursos, possam superar suas mazelas sociais de uma forma sustentável.
Mas você acha possível mudar esse modelo de desenvolvimento, de consumo?
O atual modelo de desenvolvimento, ou padrão de acumulação – na verdade, o capitalismo em si — pelo seu modo intrínseco de funcionamento, leva à concentração das riquezas e à exploração sem freios dos recursos naturais. Esse modelo precisa ser contraditado, ou seja, é necessário que se criem mecanismos e instrumentos de regulação para controlar e reverter as tendências que lhe são inerentes. Mas fazer isso não é simples, porque significa contrariar poderosos interesses econômicos. Para fazê-lo, portanto, é necessário construir um amplo apoio político e social.
E de que forma podemos obter esse apoio?
O maior desafio é o de mobilizar a sociedade, os amplos setores sociais que acreditam efetivamente nessa causa; mobilizar a intelectualidade, os diversos movimentos sociais, para criarmos um grande movimento político capaz de dar sustentação a esse debate e à tomada de medidas concretas. E se a Rio +20 é um espaço oficial, institucional, também pode se converter em um espaço de participação popular, de mobilização que contribua para que enfrentemos todos estes desafios.