Leia a seguir matéria sobre a histórica greve dos jornalistas de São Paulo, em 1979, extraída do Jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
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Todos os passos da greve

Desde o início da campanha os patrões se mostraram irredutíveis. É verdade a frase de algumas faixas usadas nos piquetes: “os patrões nos levaram à greve”.

No dia 19 de abril, nosso Mural marcava o início da campanha salarial dos jornalistas de São Paulo – antecipando várias questões para a Assembléia Geral da categoria: deveríamos ou não fazer duas campanhas salariais? Como as negociações seriam conduzias – por empresas ou entre nosso Sindicato e os dos patrões? Um índice único para toda a categoria? Reivindicações de natureza salarial ou também outras? A assembléia do dia 25 de abril decidiu que a campanha de 79 seria desenvolvida em dois tempos. Para a primeira etapa foram aprovadas duas reivindicações básicas: aumento de 25%, único para toda a categoria, a vigorar a partir de lº de junho e aplicado sobre os salários vigentes em 31 de maio deste ano, e imunidade para os representantes de redação.
No dia 3 de maio, o Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais, e Revistas do Estado de São Paulo, em resposta ao memorial enviado por nosso Sindicato com as reivindicações aprovadas em assembléia, remetia ofício a David de Moraes* e fazia publicar nota em alguns jornais anunciando a concessão de antecipação salarial de 16% para os profissionais de algumas empresas. Nenhuma. palavra sobre imunidade do CCRR**. * Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
**Conselho Consultivo dos Representantes de Redação

Na assembléia marcada para o dia 9 de maio, a categoria decidiu considerar insatisfatória a decisão do sindicato patronal e exigir uma contraproposta que respondesse efetivamente às nossas reivindicações. Além disso, exigir uma resposta da diretoria do Sindicato das Empresas de Radiodifusão, que sequer apreciou nossas reivindicações, entendendo que seria uma questão a ser tratada pelas empresas, isoladamente. Marcou-se ainda uma sessão da assembléia para o dia 16 e, se essa assembléia rejeitasse as novas propostas porventura feitas pelos patrões, a categoria deveria decretar – após discussão e aprovação – greve geral a partir das 4 horas da manhã de quinta-feira, dia 17 de maio. Para isso, foi criado um Comando Geral de Mobilização, constituído de 7 membros da Diretoria do Sindicato, 3 membros do CCRR e 5 jornalistas eleitos na assembléia.

Os patrões, intransigentes

Os jornalistas se mobilizavam e os patrões continuavam intransigentes. Numa reunião com Edmundo Monteiro, presidente do Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas, na manhã do dia 11, nossa Comissão de Negociação ouviria apenas protelações. Da parte do Sindicato de Radiodifusão, somente evasivas. Estava claro que os patrões estavam numa prova de força.

Diante da intensa mobilização da categoria, a sessão da Assembléia do dia 16 foi marcada para a igreja da Consolação. Numa das maiores demonstrações de força oferecida pelo nosso Sindicato, 1.500 jornalistas debateram, durante oito horas, os passos da nossa campanha. A maioria (62% dos presentes) votou pela greve mas a determinação de só partir para a paralisação com o apoio expresso de dois terços de votantes fez com que o prazo dado aos patrões fosse prorrogado por mais seis dias, isto é, até a terça-feira, dia 22.

Os patrões continuavam intransigentes. Insistindo em que estavam abertos ao diálogo, não apresentavam nenhuma contraproposta concreta. Em reunião na DRT, no dia 17, convocada, pelo entro delegado Vinícius Ferraz Torres, o Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas não compareceu. Nem apresentou justificativa, repetindo atitude assumida anteriormente pelos donos de rádios e tevês, que sistematicamente vinham se recusando ao diálogo. Um jogo curioso: os mais “dispostos” ao diálogo não compareciam; os menos, compareciam para dizer não.

No final do dia 21, segunda-feira, os representantes do nosso Sindicato voltaram à DRT, para ouvir do delegado do Trabalho que não havia proposta patronal. À noite, quando a plenária do CCRR se reuniu no auditório Vladimir Herzog para um balanço geral, chegava uma cópia do documento mandado publicar pelo Sindicato de Jornais e Revistas nos principais jornais, com um arremedo de proposta.

Os patrões não se preocuparam em enviar o texto para o nosso Sindicato. O diálogo não passava de um monólogo. O comunicado falava em “possibilidades”, não apresentando qualquer mudança em relação aos 16% de antecipação e ignorando a questão da imunidade aos representantes de redação. Os jornalistas compreenderam os objetivos da publicação nos jornais: tentar desmoralizar nosso Sindicato, mostrando que os patrões poderiam até fazer concessões mas que nada tinham a ver com a luta unitária dos jornalistas. Na maioria das redações, o documento patronal conseguiu apenas reforçar a posição da categoria pela greve caso não viesse o aumento de 25% e a imunidade do CCRR.

Unidos e determinados até a vitória

Na madrugada de quarta-feira, dia 23 de maio, a categoria decretou greve geral. A decisão foi tomada com a presença de 1.692 profissionais (dos quais, 1.039 sindicalizados), que lotaram o auditório do TUCA. Ao abrir os trabalhos daquela sessão da Assembléia, o presidente David de Moraes leu o comunicado patronal publicado nos jornais daquele dia e em seguida encaminhou à Mesa a proposta do Comando Geral de Mobilização (que seria ampliado e transformado em CG da Greve) que pedia a decretação da greve geral, a partir das 4 horas do dia 23 de maio. A proposta de greve foi aprovada por cerca de 90% dos jornalistas presentes, não tendo sido apresentada nenhuma proposta alternativa. Apenas um companheiro encaminhou contra mas, após a decretação da greve, ele acatou publicamente a decisão da categoria. A assembléia foi encerrada à 1h30 da madrugada e às 3h45, os jornalistas que se encontravam no auditório Vladimir Herzog, organizando os primeiros piquetes, aplaudiam os companheiros da Rádio Capital que informavam estar totalmente parados. Minutos depois os companheiros da Globo também aderiam.

À noite, quando os jornalistas, usando meios pacíficos, tentaram impedir a saída dos caminhões com o primeiro jornal produzido por fura-greves e por pessoal não habilitado, o policiamento solicitado pelos patrões entrou em ação com extremada violência. No piquete do Estadão, duas pessoas acabaram feridas pelas bombas de gás lacrimogênio. Nas Folhas, o piquete conseguiu retardar a saída dos caminhões até cerca das 2 horas da manhã, mas foi agredido com bombas, cassetetes, pontapés e socos. E 6 jornalistas foram presos e conduzidos ao Deops, ali permanecendo até a manhã do dia 24.

O Unidade Extra/3, publicado no dia 24 de maio, estampava em sua primeira página um otimista comunicado do Comando Geral da Greve, que se iniciava com a frase: “Com certeza de que a vitória está sempre mais próxima, os jornalistas atravessaram o primeiro dia da greve geral decretada na madrugada de quarta-feira”. E terminava com o parágrafo: “O movimento dos jornalistas cresce – e, justamente por isso, alguns donos de empresas já se declararam dispostos a tentar ,quebrar a intransigência de seus próprios sindicatos”. Nada de surpreendente aconteceria, entretanto, da parte dos patrões, a não ser a proposta de 2% de aumento. . .

Na assembléia de sexta-feira, de manhã, na Casa de Portugal, duas grandes decisões – alguns companheiros pediam a suspensão da greve, estabelecendo-se uma trégua, e parte do pessoal de rádio e tevê se dizia determinada a voltar ao trabalho. A assembléia decidiu pela continuidade da greve. Que prosseguiu e até mesmo melhor organizada. Repelindo a contraproposta patronal de 2% de aumento, a assembléias rebaixou nossa proposta de 25% de aumento para 15% de aumento e 8% de antecipação, e comissão paridária sobre imunidade, com garantia desta enquanto durassem os trabalhos da comissão.

Vingança e resistência

Na assembléia de domingo à noite, na igreja de São Domingos, a categoria voltaria, a demonstrar a mesma disposição: a greve continuaria.

Entretanto, na segunda-feira, o Tribunal Regional do Trabalho decidiu pela ilegalidade de nossa greve e, à noite, na assembléia do TUCA, David de Moraes leria um comunicado do Comando Geral da Greve pedindo a, paralisação do movimento:

“Na tarde desta segunda-feira, a Comissão de Negociações compareceu ao Tribunal Regional do Trabalho para a audiência de conciliação e instrução com o Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas e o Sindicato das Empresas de Radiodifusão no Estado de São Paulo. Os patrões da área de jornais e revistas limitaram-se a reiterar contra-proposta anteriormente apresentada – e já rechaçada pela assembléia geral da nossa categoria – que concede uma antecipação salarial de 14%, aumento de 2% e sugere a formação de uma comissão paritária destinada a estudar as funções do delegado sindical. Tentamos obter uma contraproposta mais condizente com os anseios da categoria, mas os patrões se mantiveram inflexíveis – esclarecendo, de resto que a comissão paritária sugerida estudaria apenas as funções, e não a imunidade, do delegado sindical, previsto na CLT.

“Por sua vez, os patrões da área de radiodifusão, reafirmando a postura adotada já de início de nossa campanha salarial, reiteraram seu propósito de não negociar de sindicato para sindicato. Assim configurado o impasse, o presidente do TRT não pôde apresentar qualquer proposta conciliatória, remetendo a julgamento, iniciado às 17:30 horas. O julgamento concluiu pela ilegalidade da greve e rejeição das reivindicações apresentadas. Dessa forma, nada se conseguiu além da antecipação de 16%, concedida ainda antes do começo da campanha salarial.

Configurado o impasse nas negociações, parece sensato deduzir que restam poucas perspectivas para a continuidade do nosso movimento. Faltam também, por outro lado, condições objetivas para o prosseguimento da greve. Companheiros que desde o primeiro momento estiveram empenhados na luta agora entendem que é preciso parar. E não é justo permitir a erosão, pelo cansaço, de um movimento que, por seis dias seguidos, mobilizou a esmagadora maioria dos jornalistas da capital e de diferentes pontos do Estado e do País.

“Se é honesto reconhecer que perdemos uma batalha, também é correto assinalar que, ao longo da greve, enfrentamos inimigos poderosos. Os patrões, alarmados com a força do movimento, recorreram à violência repressiva para garantir a chegada às bancas de produtos magros, de má qualidade e feitos por pessoas que desconheceram o sentido e a grandeza da nossa luta. E o governo, por meio dos mecanismos subordinados à Justiça do Trabalho, procurou golpear com dureza um movimento de cunho estritamente sindical.

“Em vista disso, é com a cabeça erguida que os jornalistas devem retomar ao trabalho. Unidos, solidários, voltaremos às redações com a consciência de que lutamos até o limite do possível. E voltaremos prontos para as lutas que certamente virão – e que nos encontrarão mais maduros, fortes e organizados.

“Com base nessas considerações, o Comando Geral da Greve propõe:

“1. O retomo de todos os jornalistas ao trabalho a partir das 4 horas desta terça-feira, dia 29 de maio de 1979, com a dissolução do Comando Geral da Greve.

” 2. A realização de gestões da Diretoria de nosso Sindicato com os sindicatos patronais, agora exigindo a não-punição dos grevistas e o pagamento dos dias parados.

“3. A organização de debates e análises em torno da campanha salarial dos jornalistas, seus resultados e seus próximos passos”.

A assembléia votou pela volta ao trabalho que se daria às 12 horas de quarta-feira.

No mesmo dia de volta ao trabalho, os patrões começaram a retaliação: demissões em massa, inclusive de quatro diretores do Sindicato (Lia Ribeiro Dias, Wilson Moherdauí e Adélia Borges, do Estado, e Fernando Pacheco Jordão, da Globo). Em três semanas, mais de 200 jornalistas estavam desempregados: 41 do Estado, 12 da Agência Folha, 32 da Folha, 7 do Notícias Populares, 2 da Gazeta Esportiva, 2 de A Gazeta, 21 da Folha da Tarde, 27 do Diário do Grande ABC, 16 do Diário Popular, 5 do Diário da Noite, 13 do Diário de S. Paulo, 7 da TV Globo, 7 da rádio Globo/Excelsior, -7 da Tribuna de Santos, 4 da TV Gazeta, 3 da Folha Metropolitana, 1 da Gazeta de Pinheiros, 6 do Shopping News e DCI, 1 da Gazeta de Santo Amaro, 2 da UPI, 1 da Publicações Industriais Brasileiras, 7 da rádio Bandeirantes e 6 da TV Bandeirantes.

A ira dos patrões não ficaria apenas nas demissões mas numa bem orquestrada campanha de difamação contra o nosso Sindicato.

Apesar de tudo, a categoria não esmoreceu. Na oitava sessão da Assembléia Geral, realizada no dia 6 de junho, quarta-feira, no auditório Vladimir Herzog, mais de 300 companheiros se mostraram dispostos a prosseguir na luta que teve na greve de maio seu principal capítulo mas, certamente, não o último.