Em 4 páginas, o que se disse no Brasil nesses dias: os jornais e os jornalistas, os leitores, associações, deputados, ministros. O choque, o espanto, o medo, a coragem, as contradições.


OS LIMITES DA TOLERÂNCIA

“Interessa-nos o dano à Nação pelo clima de inquietação, de medo, de delação sistemática, de exposição impiedosa da fama de cidadãos a quem não foi dada ainda a oportunidade de se defender perante os tribunais competentes; interessa-nos que a formação de culpa seja feita na Justiça e, quando for o caso, na Justiça Militar, evitando-se o prejulgamento que tende a dar por prescindível o processo. Interessa-nos saber a responsabilidade por esse clima de terrorismo; pois é de terrorismo que se trata quando se multiplicam as prisões sem mandado judicial, ao arrepio da lei, à margem da ordem e baldadas todas as possibilidades de habeas corpus. (…) A existência confessa de “porões na administração”, com que há alguns meses se descartou um exame mais detido das primeiras arbitrariedades denunciadas e com que se evitou o comparecimento à Câmara do ministro da Justiça, tem seus limites. Eles são os limites mesmos da ordem hierárquica, que ora parecem impunemente ignorados; eles são o desconhecimento e o menoscabo das intenções do chefe do Executivo, tão solene e espontaneamente declaradas. Eles são, enfim, a propaganda negativa de uma administração e de um governo, que o trauma da morte de Vladimir Herzog, mesmo que se acredite ter sido infligida pelas próprias mãos, não pode deixar de definir.

Que haja “porões” em toda e qualquer administração – de corrupção, de desafio à ordem e de afrontamento à lei – é incontestável. Que esses porões se transformem num poder dentro do Poder não se justificará por temor algum. Eles são o maior desafio e a maior contestação à Revolução de 1964 – porque uma contestação que toma forma da confiança. Ou, antes, dos abusos de confiança. É essa contestação interna a mais insidiosa guerra psicológica que o governo pode conhecer. E que, com tanto maior razão, não poderá tolerar”.

(O Estado de S. Paulo, Editorial de 28.10.75)

O EFEITO CONTRÁRIO

Basta uma denúncia – feita sabe Deus em que circunstâncias – e retorna-se à época da Inquisição, com os acusados tomados de pânico à vista do ardor religioso dos que lhes queriam salvar as almas, ainda que o arrependimento só se verificasse na fogueira dos autos de fá. O que dá uma dimensão política muito séria a esses fatos é que o pânico não atinge apenas os acusados. A insegurança acaba por se estender ao conjunto da sociedade, a todos os seus membros, incluindo aquelas pessoas que normalmente se alheiam aos problemas políticos, absorvidas pela vida diária e pelo trabalho. Ora, esse é o efeito exatamente contrário aquilo a que visam os órgãos de segurança e a própria Lei, que é o de levar a paz e a tranquilidade a sociedade”.

(Jornal da Tarde, Editorial de 28.10.75)

LIÇÃO E PONDERAÇÃO

“O menos que se almeja, se pode e se deve esperar em uma nação civilizada é que a repressão se faça dentro daqueles princípios de legalidade e segurança dos cidadãos, respeitados os direitos humanos que se tornaram universais e distinguem, por isso mesmo, os povos cultos e os que ainda vivem em plena barbárie. (…) Os exemplos constantes mostram-nos que, a partir de certo nível, os mecanismos repressivos, desencadeados sem os necessários freios, tornam-se verdadeiramente incontroláveis”.

(Folha de S: Paulo, Editorial de 1.11.75)

REPRESSÃO PREVENTIVA

“Inocente ou culpado, colocou-se voluntariamente à disposição das autoridades para dar os esclarecimentos que lhe fossem exigidos. Ao agir assim, confiantemente, ele se pôs sob a guarda e proteção dos investigadores, que representavam o Estado.

Tudo indica que a custódia não lhe foi concedida em nível mínimo de segurança. Afinal, o acusado morreu. Não importa como. Também não cabe, no caso, lembrar crimes que lhe tão atribuídos. Verifica-se apenas que não houve, por parte do órgão investigador, retribuição de confiança. (…) Os métodos desse processo, principalmente quando não defrontam choques e conflitos de suma gravidade, não podem deixar de ser civilizados. Do contrário, em vez da adesão da maioria absoluta de brasileiros bem intencionados, os métodos dos órgãos de segurança transformam-se em fontes de insegurança. E em lugar da confiança, instaura-se a intranquilidade. (…) Deve o Estado, nessa luta sem tréguas, aprimorar os meios de defesa. A guerra seria facilmente vencida se utilizasse métodos mais compatíveis com as normas sociais. Os crimes políticos, tanto quanto os crimes comuns, admitem um estágio de prevenção anteriormente e paralelamente à fase de repressão. Quando esta dispensa aquela, é porque a repressão assumiu proporções tais que justifica, então, o qualificativo de preventiva.

Nesse ponto, tudo se torna possível. Em nome da repressão preventiva podem ser atingidos indistintamente inocentes e culpados”.

(Jornal do Brasil, Editorial. 28.10.75)

TRAUMATISMOS

“O trauma gerado pelo doloroso acontecimento constitui um fator de intranquilidade, que em nada contribui para o clima de confiança e disposição positiva necessário ao pleno desenvolvimento dos negócios. (…) Não há como deixar de lamentar traumatismos que podem inibir a disposição dos investigadores, ainda mais quando envolvem circunstancias emocionais relacionadas com o sentimento humanitário tão caro nos brasileiros quanto à comunidade de nações livres”.

(Gazeta Mercantil,Editorial de 28.10.75

NO CENTRO DAS TENSÕES

“O que se aspira, em todos os setores nacionais, é o restabelecimento do espírito de justiça e do respeito aos direitos humanos, indispensáveis ao clima de segurança, que não é uma abstração mas uma realidade que se compõe da soma de seguranças individuais associadas em torno de uma segurança nacional. Essa é a base de que o governo necessita para enfrentar a grave conjuntura econômico-financeira e de que cada um de nós necessita para viver e exercer sua profissão”.

(Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 28.10.75)

A PROPÓSITO DE UM SUICÍDIO

“O fato, como não poderia deixar de acontecer, causou consternação geral. Pelas circunstâncias em que ocorreu, o suicídio do jornalista é associado à situação a que foi conduzido. Tivesse cometido o ato extremo, antes de apresentar-se às autoridades militares, e nenhuma insinuação, velada ou ostensiva, seria feita contra os seus inquiridores. Em função desse acontecimento não são poucos os que estão questionando sobre os métodos de trabalho dos órgãos de segurança, que tratam de opor ações repressivas à subversão da ordem. (…) Se há uma lei, aceita e não revogada, não há como entender que a autoridade coatora a ignore”.

(Diário do Grande ABC, Editorial de 1.11.75)

OUSADIA DA DISSENÇÃO

“Essa morte foi a sacudidela de que necessitávamos para sair da letargia da acomodação. Temos, agora que reaprender a discutir, a discordar, a discrepar. Essa morte tem que servir para alguma coisa, não pode ser inútil. É preciso que percebamos que o erro maior foi o pesado silêncio e a escura concordância que deixamos desabar sobre o País. Estamos destreinados em discordar, nos acostumamos a aceitar. Que a morte de Vladimir nos ensine esta suprema ousadia de admitir a dissenção. Só assim se evitarão novos Herzogs. Questionar não é quebrar. Duvidar não é dividir “

(A.D., Folha de S. Paulo, 2/11/75)

HUMANISMO

“Pouco importa se Vladimir Herzog suicidou-se ou não. O suposto suicídio não encerra a questão. As pretensas provas e as explicações oficiais sobre o ato extremo não liquidam o caso, como o querem alguns. Aceitando a hipótese absurda de que o jornalista realmente tenha dado fim à vida, é preciso saber porém porque o fez. Um homem maduro, inteligente e responsável, preso dez horas antes, não comete esta loucura se não for premido por uma forte razão.

O suicídio não é o ponto final do caso Herzog. Se houve suicídio mesmo, deve ser o início de uma apuração tão grave como a que se procederia se a morte tivesse ocorrido num pau-de-arara ou numa cadeira de choques. A não ser que haja um clima de terror implacável, é possível a um homem estável e experimentado, em menos de dez horas, apresentar-se preso, ser interrogado, confessar, desesperar-se, escrever uma carta de despedida, rasgá-la, e, numa cela desprovida de meios, encontrar os instrumentos e as condições para matar-se?

Isso só seria possível num clima infernal de coação moral e física. Por isto o suicídio de Herzog não encerra a questão. Ao contrário, abre-a.

Um interrogado que se suicida é acusação tão grave como um prisioneiro que é liquidado. Isto, em qualquer país civilizado, quanto mais num país como o nosso, cujo presidente, no mesmo dia em que Herzog era sepultado, declarava publicamente que “o Brasil contrapõe a este quadro (de violência e de ódio) o espetáculo de sua compreensão humanística de vida”.

Se nosso governo adota formalmente esta conduta humanística, não pode a nação aceitar tranqüilamente que numa cela, em pleno centro de São Paulo, um intelectual e pai de dois filhos seja levado à loucura a ponto de extinguir a própria vida.

É justamente por vivermos num país que fez do humanismo sua bandeira, que precisamos investigar até as últimas conseqüências o que aconteceu naquelas dez horas nas dependências do DOI, na rua da Tutóia.

A hipótese do suicídio até o momento foi a que teve menor credibilidade junto à opinião pública. Não se precisa ser um Sherlock para perceber sua inconsistência. Cabe, pois, ao poder público procurar novas provas e evidências mais concretas para eximir-se da culpa maior – a de ter provocado diretamente a morte do jornalista.

Por outro lado, não se precisa ser nenhum jurista para perceber que a responsabilidade indireta é grave.

As autoridades paulistas, no desdobramento do episódio têm-se comportado com razoável espírito público, permitindo a plena publicação na imprensa das repercussões e oferecendo à opinião pública e órgãos de classe dos jornalistas alguns esclarecimentos. Isto é muito, considerando-se certos antecedentes.

Mas isto ainda é muito pouco se realmente queremos ser, como o preconizou o presidente Geisel, a nação humanista exemplo para o mundo”.

(A.D., Folha de S. Paulo, 29.10.75)

SÓ A VERDADE CONVENCE

“Quando a violência e o ódio marcam sua presença na história dos nossos dias, o Brasil contrapõe a este quadro o espetáculo de sua compreensão humanística de vida”. Como desejaríamos, de todo o coração, que essas palavras alentadoras, dirigidas pela mais alta autoridade da República aos 5 mil turistas que recentemente nos visitaram, refletissem realmente o espetáculo de nossa vida atual. (…) Só a verdade convence. Enquanto não se permitir que se desvendem efetivamente os fatos, tais como os que ocorreram em casos como esse, que levou ao desespero um jornalista de tão alta responsabilidade, é inútil querer tapar o sol com a peneira ou convencer o mundo de que vivemos num paraíso de paz e de amor”.

(Tristão de Athayde, “Só a verdade convence”, Jornal do Brasil, 13.11.75)

MÉTODOS IMPRESTÁVEIS

“O jornalista é um cidadão como outro qualquer e tem uma vida individual que não se confunde com o exercício da profissão. Pelo que possa fazer como indivíduo, como cidadão, fora dos textos redigidos para jornal, está sujeito à prisão ou à detenção (regular) e processo como todo mundo; e, como todo mundo, beneficia-se das garantias da lei. (…) A inobservância da lei, na parte em que seus preceitos asseguram a incolumidade física e moral da pessoa do detido, coloca automaticamente o infrator, qualquer que seja sua autoridade e seu grau de hierarquia, na posição de delinqüente, pois que a ofensa aos direitos do detido – seja ele o pior criminoso – classifica-se como delito. Delito, aliás, com a feia agravante da impossibilidade física de resistência, a que é previamente reduzida a vítima.

(Pedro Dantas, “Métodos Imprestáveis”, O Estado de S. Paulo, 12.11.75)

ABI: DÚVIDAS

“Um documento, analisando alguns “dados estranhos na morte do jornalista Vladimir Herzog, com base na nota distribuída pelo II Exército, foi uma das propostas aprovadas ontem na reunião do Conselho de Administração da ABI – Associação Brasileira de Imprensa -. O documento realça a contradição entre o comportamento conhecido do jornalista (que se apresentou voluntariamente ao quartel do II Exército) e sua morte, horas depois., “sem que no papel deixado à sua disposição, segundo a nota do Exército, fosse explicada a razão do gesto”. A negativa de uma segunda autópsia à família foi outro fato “que faz supor que a morte de Vladimir Herzog não tenha se dado em condições tão claras como faz supor a nota do II Exército”. Também a participação do medico legista Harry Shibata foi tida como suspeita, “visto suas participações anteriores na emissão de laudos médicos em desacordo com os fatos”. A atuação do legista no caso de Marco Antônio Coelho – ex-deputado preso desde o início do ano em São Paulo – “desmentida posteriormente pelas câmeras de televisão”, foi duramente criticada, com a acusação de “fazer laudos de encomenda”.

(Jornal da Tarde, 29.10.75)

CRIME

“É crime contra a vida induzir alguém ao suicídio: o artigo 122 do Código Penal é claro e estabelece pena de reclusão de dois a seis anos, duplicada quando a vítima tem diminuída sua capacidade de resistência. Esse induzimento pode caracterizar-se sob várias formas, seja a atemorização, a coação ou a criação de quaisquer condições propícias ao desespero – como, por exemplo, prender alguém que não tem condições psicológicas para submeter-se ao cárcere, sem a devida assistência médica. (…) A morte do jornalista Vladimir Herzog não é a primeira a ocorrer no Brasil em tais circunstâncias”.

Advogado José Ribeiro de Castro, reunião do Conselho Federal da OAB, 29.10.75, Jornal da Tarde)

“É inútil reclamar apuração rigorosa das torturas e mortes de presos políticos, pois temos sido testemunhas de violências indescritíveis, que nos levam a um estado de insensibilidade, pois a violência passou a fazer parte do nosso cotidiano”.

(Advogado Heleno Fragoso, mesma reunião da OAB)

RITMO NORMAL

“As cerimônias fúnebres do enterro de Vladimir Herzog realizaram-se por completo e de acordo com os ritos seguidos pelas correntes liberais da religião judaica, à qual os familiares de Vladimir Herzog são filiados. Foram cerimônias normais, pois a Chevra Kadisha (Sociedade Sagrada, que faz a lavagem do corpo antes do sepultamento) não encontrou indícios que comprovassem o suicídio do jornalista, o que implicaria a alteração dos procedimentos, inclusive o sepultamento em lugar diferente”.

(Rabino Henry Sobel, entrevista ao Estado, 31.10.75)

APREENSÃO

“Os jornalistas mineiros estão justamente apreensivos com a ocorrência de fatos dessa natureza, o que caracteriza uma situação de insegurança e intranqüilidade. Manifestam também sua irrestrita solidariedade aos termos da nota oficial do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, na qual a entidade “denuncia e reclama das autoridades um fim a esta situação em que jornalistas profissionais, no pleno, claro e público exercício de sua profissão, permanecem sujeitos ao arbítrio de órgãos de segurança”.

(Nota do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, 28.10.75)

“Pedimos o máximo de rigor na apuração das causas que levaram à morte o jornalista Vladimir Herzog, que se achava sob a custódia do Departamento de Operações Internas, em São Paulo”

(Nota do Sindicato dos Jornalistas da Bahia, 31.10.75)

“Interpretando o repúdio de toda a classe, o Sindicato protesta junto a V. Excia. quanto aos termos injuriosos usados em pronunciamento no Senado, atribuindo indiscriminadamente aos detidos a condição de “conhecidos desordeiros”. É lamentável que V. Excia. levante acusações tão graves e infundadas. O colega morto e outros detidos sem garantias constitucionais sempre exerceram legal e dignamente suas atividades. São, ao contrário de V. Excia., dignos do nosso respeito”.

(Telegrama do Sindicato dos Jornalistas da Guanabara ao senador Petrônio Portella 30.10.75)

“A morte do colega Herzog confirma as recentes denúncias formuladas ela Sociedade Interamericana de Imprensa quanto à falta de garantias para o exercício da profissão”.

(Do mesmo Sindicato ao ministro Armando Falcão, em Brasília, 30.10.75)

EIS TUDO

“O país está em ordem e tranqüilidade. O clima de paz reinante precisa ser mantido, acima de qualquer contingência. As leis em vigor aparelham o governo, devidamente, para cumprir à risca o seu dever. Quem atua nos necessários limites da norma legal não precisa ter preocupações. Mas quem viola as disposições em vigor, responde pelos abusos que comete. Eis tudo.

(Ministro da Justiça, Armando Falcão, em Brasília, 30.10.75)

MELHORES SALDOS

“De toda a crise, quem colheu os melhores saldos foram o presidente Geisel (que desmontou pessoalmente o sistema de detonação); a imprensa livre e corajosa de São Paulo (com especial destaque para o Estadão), que cobriu passo a passo, sem negligenciar um milímetro de direito à crítica responsável à inoportuna, violenta e contraproducente escalada da repressão; o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que, com lisura, energia e cabeça fria, se engrandeceu até mesmo diante dos olhos das autoridades diretamente ligadas ao II Exército” (…)

(Sérgio Augusto, Pasquim, nº 332)

GEISEL LAMENTA

“O presidente Geisel encara a morte do jornalista Vladimir Herzog como um “episódio lamentável” mas não vai permitir que as repercussões do ato sejam utilizadas para conturbar a ordem e gerar um clima de inquietação em todo o País (…). Trata-se de um fato consumado e o que o governo vai fazer é impedir que ocorram novos incidentes dessa natureza. (…) Temos que evitar que uma manifestação de solidariedade sirva de instrumento de intranqüilidade ou de contestação. Aqui cabe lembrar uma frase do general Golbery: segurem os seus radicais que nós seguramos os nossos”.

(Informação de “alta fonte do governo, O Estado de S. Paulo, 31.10.75)

ESTAMOS EM GUERRA

“Guerra é guerra e nós estamos numa guerra (…) Não temos medo de arreganho ou de minorias ativistas. Nunca tivemos. Mas queremos deixar claro: é preciso que eles entendam que nós os conhecemos. De modo que transformar determinados tipos de episódios em holocaustos de causas marxistas, nós não aceitamos. (…) É uma guerra crua, é uma guerra nua, é uma guerra em que nós temos que usar as mesmas técnicas do inimigo sob pena de sermos derrotados. Nós almoçaremos essa gente antes que ela nos jante. Isto é ponto pacífico”.

(Coronel Erasmo Dias, Secretário de Segurança Pública, entrevista ao Estado, 29.10.75

GUERRA É GUERRA

A guerra é de bastidores. A guerra é psicológica. A guerra é de nervos. A guerra é fria. Porque não podemos admitir que, com tantos instrumentos de exceção e mais de dez anos depois de deflagrada uma revolução, o governo tenha necessidade, com todo o instrumental de vigilância e de defesa de que dispõe, de fazer uso de meios tão estranhos e condenáveis para criar um clima de tensão e de intranqüilidade que não se justifica e não tem razão de ser. (…) o problema, cremos nós, são os subterrâneos dos governos. Subterrâneos que nem sempre são os do respeito ao Direito ou à pessoa humana.

(O Diário, de Piracicaba, Editorial de 2.11.75)

MÉTODOS MEDIEVAIS

“A repercussão nacional e internacional do infausto acontecimento reflete a absoluta necessidade de um exame da administração, relativamente aos métodos medievais empregados para as prisões e para os interrogatórios dos presos, ou mesmo as mortes ocorridas nas dependências oficiais, quando a vida e a integridade do cidadão estão entregues ao agente do Poder”.

(Freitas Nobre, Câmara dos Deputados, 28.10.75). O deputado Aurélio Campos (MDB_SP) louvou a conduta firme e determinada do presidente do Sindicato, Audálio Dantas, e advertiu que “quando a repressão violenta e criminosa, vingativa e arbitrária, de um medievalismo que nos cobre de vergonha e horror, extravaza dos subterrâneos da inquisição para atingir a consciência nacional, é preciso que não fiquemos apenas com o suspiro de alívio de quem sente uma crise contornada”. (O Estado 5.11.75)

“Espero que esse exemplo de vida e, mais adiante, o exemplo de sua morte possam trazer alguma modificação no clima em que vivemos, na salvaguarda de tantas vidas humanas que se encontram a todo momento em perigo. Que a sua morte tenha sido de valia e tenho a certeza de que ela não foi e não será em vão. Que essa morte abra os olhos de todos nós, dos responsáveis pela nossa terra e esses olhos nunca mais se fechem diante de fatos que vêm acontecendo”.

(Deputado Alberto Goldman, Assembléia Legislativa, 27.10.75)

O Diretório Regional do MDB de São Paulo aprovou por unanimidade, em reunião no dia 1º, um voto de solidariedade aos jornalistas profissionais, no qual destaca: “O Diretório Regional fixou-se na defesa dos direitos da pessoa humana, independentemente de sua filiação partidária e de sua crença ideológica, manifestando-se contra o terrorismo em qualquer das suas modalidades e condenando a violência seja qual for o seu pretexto”. A nota diz ainda que o MDB “não pode silenciar na ocasião em que os cidadãos de todo o País são presos sem que os direitos elementares, assegurados até mesmo pela rigorosa Lei de Segurança Nacional e pela Lei de Imprensa, sejam garantidos”.

ESTUDANTES PARAM

“Os alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e os de quase todos os cursos da Pontifícia Universidade Católica decidiram ontem paralisar as aulas, em protesto contra as prisões de jornalistas, estudantes e professores universitários e pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Na Faculdade de Medicina da Santa Casa e nas Faculdades Objetivo os estudantes também se manifestaram contra os últimos acontecimentos. Na Universidade de São Paulo, quase todas as faculdades continuam com as aulas paralisadas (com a exceção de parte da Veterinária e de dois cursos de letras: Inglês e Alemão). Um abaixo-assinado contendo a adesão de mais de 500 professores das USP será entregue hoje ao reitor, que deverá remetê-lo depois ao governador Paulo Egídio”.

(O Estado de S. Paulo, 31.10.75)

PROFESSORES

“Assim como os jornalistas e parlamentares, os professores da Universidade de São Paulo vêm manifestar o seu profundo pesar e sua preocupação de que, possivelmente, a integridade física e psicológica de cidadãos sob a custódia dos órgãos de segurança não esteja sendo devidamente preservada. Pedimos encarecidamente a V. Excia., governador deste Estado a que servimos, que interceda junto às autoridades competentes para que as dúvidas sejam esclarecidas, a fim de que se restabeleça o clima de confiança, importante para nossa função no magistério superior”.

(Carta de mais de 100 professores da USP ao governador do Estado 28.10.75)

ORAÇÕES E JEJUM

“Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, e seus auxiliares estudaram o relatório da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz, relatando os últimos fatos conhecidos sobre a situação e procuraram meios práticos de “evitar a continuidade de violências e fazer com que pelo menos as leis vigentes no país sejam respeitadas. (…) “Durante todo o dia os membros da Comissão fizeram jejum e orações pelo jornalista Vladimir Herzog, por todos os operários, jornalistas e demais pessoas “que se encontram presas e destituídas dos direitos que a própria Lei de Segurança lhes garante”.

(Reunião dos bispos em Itaici, Jornal da Tarde, 30.10.75)

Na mesma reunião foi aprovado o documento “Não Oprimas Teu Irmão”, depois distribuído em todas as igrejas de S. Paulo, no qual os bispos paulistas invocam trechos da Constituição para afirmar:

“Não é lícito efetuar prisões da forma como freqüentemente estão sendo feitas entre nós. Não é lícito utilizar no interrogatório de pessoas suspeitas métodos de tortura física, psíquica ou moral”.

A MORTE NÃO PODE SILENCIAR

“Aqui estou porque morreu um homem, e não apenas um judeu. Para Vlado, ser judeu significava ser brasileiro e assim ele se integrou no mundo das artes, da filosofia, do jornalismo e da televisão (…) Quando o rabino Ely Melech sentiu que a morte se aproximava, reuniu seus quatro discípulos e a cada um deu uma porção de sua alma. Ao primeiro, a luz de seus olhos; ao segundo, a bondade de seu coração: ao terceiro, a inteligência de sua mente; ao quarto, o poder de sua língua.

Que história magnífica! Viver de tal maneira que, quando morrermos, exista uma luz em nosso olhos digna de ser guardada, um coração digno de ser lembrado, uma mente digna de ser recordada e uma língua cuja sabedoria a morte não pode silenciar. (…) Vlado colocou suas mãos na testa de todas as pessoas. Tinha nos olhos a luz que deve ser guardada, um coração digno de ser lembrado, uma mente digna de ser recordada. Uma língua que a morte não pode silenciar”.

(Rabino Henry Sobel, no Culto Ecumênico da Sé, 31.10.75)

LUTA PACÍFICA

“Ninguém toca impunemente no homem (…)

Quem matar se entrega a si próprio nas mãos do Senhor da História e será maldito em Sua memória e na dos homens (…) A esperança reside na solidariedade. Neste momento, o Deus da esperança nos conclama para uma luta pacífica mas perseverante, rumo a uma geração que terá como símbolo os filhos de Vladimir Herzog e sua mulher e sua mãe. É uma missão exigente mas pacífica, fundamentada no que temos de mais divino e pacífico. Construamos a paz na Justiça e na Verdade”.

(D. Paulo Evaristo Arns, no Culto Ecumênico da Sé, 31.10.75)

TV: SILÊNCIO

As 14 e 30 do dia 31 de outubro todas as estações de rádio e televisão de São Paulo receberam aviso telefônico da Polícia Federal: “Está proibida a divulgação de qualquer notícia ou comentário sobre o culto de hoje na Catedral”.

FATOS QUE COMPROMETEM

“Não se pode ignorar que o jornalista morto, por palavras ou por escrito, comprovou sua condição de comunista militante, não apenas um homem de ideologia comunista, mas sim ativista. Procura-se dar impressão ao povo e ao mundo que o mesmo foi assassinado pelos órgãos de segurança ou que suicidou-se por temor às torturas que sofreria por parte dos interrogadores. No entanto, por que não considerar que, uma vez tendo-lhe sido impossível negar sua ação contra o regime democrático, não se suicidou consciente de que a agitação nacional e internacional que se seguiria fosse, talvez, o último e grande trabalho que prestaria ao partido? Por que não admitir que teria receio do “justiçamento” futuro por parte dos próprios camaradas do partido? Ou então por que não considerar que teria fatos muito mais comprometedores a revelar e que preferiu, com grandeza militante, ocultar pelo silêncio que a morte acarreta?”.

(Trecho de nota de fonte não identificada, lida no Jornal Nacional da Rede Globo, publicada pelo jornal O Globo do dia 30, com a introdução: “Colhemos junto aos órgãos de segurança as seguintes considerações” e pelo jornal carioca A Notícia, do mesmo dia, datada de Brasília e com a introdução : Círculos ligados à Arena, a propósito do suicídio de Vladimir Herzog, faziam ontem as seguintes observações”.)

NO MELHOR ESTILO

Na sexta-feira passada, às 5 horas da tarde, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio Ferreira Dantas, foi para casa dormir. Desde a morte do jornalista Vladimir Herzog, no Departamento de Operações Internas (DOI) do II Exército, no dia 25 de outubro foi o que menos ele pudera fazer.

A privação do sono e dos pequenos confortos habituais também fez parte do cotidiano de muitos outros jornalistas – dirigentes sindicais ou não. Convocados pelo Sindicato, eles desenvolveram durante esses quinze dias, um intenso trabalho que incluiu contatos com autoridades , a realização de seguidas reuniões e divulgação de informações a jornais e estações de rádio e televisão. Mais importante, porém, que o sono perdido, foi o fato de que eles souberam escrever sua intensa, angustiada participação nos acontecimentos, segundo o melhor estilo do jornalismo responsável. Esse comportamento exemplar acabou por merecer o elogio indireto, mas cristalinamente claro, do próprio secretário de Imprensa do presidente da República, Humberto Barreto, que se declarou “orgulhoso” da função que exerce.

“Um iluminado” – E não faltaram oportunidades para que as emoções vencessem o mandamento do equilíbrio. “Muita gente não acreditava, por exemplo, que fosse possível realizar ordeiramente o culto ecumênico à memória de Vladimir” comentou depois o presidente do Sindicato. A serena combatividade do alagoano Audálio Dantas, 45 anos e 25 de profissão, atualmente editor da revista Realidade, ajudou a transformá-lo numa figura nacional. “O Senhor é iluminado”, telefonou-lhe, comovido, o pai de um jornalista que se encontrava preso. “Você e seus companheiros de Sindicato agiram como estadistas”, cumprimentou-o o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o septuagenário Prudente de Moraes Neto, o primeiro a pedir ao comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, abertura de inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Vladimir Herzog (e o acesso da imprensa às investigações). E foi ele quem decidiu realizar, na sede da ABI no Rio, um “ato de silêncio, em lugar da cerimônia religiosa na Igreja de Santa Luzia, proibida pelo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles. Prudente de Moraes Neto, ex-diretor da sucursal carioca de O Estado de S. Paulo, onde assina uma coluna quase diária sob o muito conhecido pseudônimo de “Pedro Dantas”, não se limitou a isso. Na última quarta-feira, visitou as redações e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, conversou com o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns sobre as dificuldades que enfrenta O São Paulo, editado pela Cúria Metropolitana, e com o governador Paulo Egydio Martins, em audiência “reservada” de meia hora, sobre a morte de Vladimir Herzog e a situação dos jornalistas ainda presos no II Exército. “Não conheço nada melhor para acabar com boatos do que franquear a verdade”, dissera Prudente de Moraes Neto, ainda no Rio, a VEJA. Essa convicção, rigorosamente compartilhada por Audálio Dantas, tem muito a ver com a maneira pela qual os jornalistas se conduziram, longe ao mesmo tempo das armadilhas da acomodação e da provocação.”

(Matéria da Veja, edição de 10.11.75. Não publicada)

TUTÓIA HILTON

“Há certas horas em que a gente, com o mais puro sentimento de coleguismo, fica preocupada com novos hóspedes do Tutóia Hilton. Mormente em quadras como a da atual conjuntura”.

(Cláudio Marques, “Coluna Um”, Shopping News, 26.10.75)

CASO HERZOG: A DELAÇÃO

“A 12 de outubro esta coluna denunciava uma solerte campanha de delação que se fazia há algumas semanas contra o Departamento de Jornalismo da TV-Cultura, chefiado por Vladimir Herzog. Dia 24 de outubro, o jornalista era intimado a apresentar-se, no dia seguinte estava preso e morto dez horas depois. A campanha de caça às bruxas na TV-Cultura era comandada pelo colunista Cláudio Marques, do Shopping News de São Paulo. (…) Na edição do último domingo, o semanário publicava novo material do colunista, escrito na sexta-feira, – portanto, antes da prisão de Herzog – onde tentava fazer humor sobre o conforto dos novos hóspedes do Tutóia Hilton. (Tutóia é a rua onde está instalado o DOI do II Exército). Tudo indica que Marques já sabia da prisão de Herzog. Sua gozação, além da violência, denota um informante ineficiente que se identifica e se revela. Se não é o caso do Sindicato dos Jornalistas agir é, pelo menos, caso dos canais competentes dispensarem os serviços de auxiliar tão despreparado”.

(Alberto Dines, Jornal dos Jornais”, Folha de S. Paulo, 2.11.75)

UM DIÁLOGO DE SURDOS

“O que nos parece absurdo é que, tendo à disposição todo um instrumental de ordem legal, tenha o Estado de ultrapassar, de maneira desproporcional, os limites desse instrumental. E ultrapassá-lo a ponto de ser visualizado como autor de métodos, sistema e práticas que ele próprio (o Estado) condena. E em cujo combate justifica uma série de medidas de ordem política e administrativa. (…) Ao concordarmos com a tese de que estamos sofrendo uma agressão, ininterrupta e constante, de extremistas que visam à destruição de nossa forma cristã ocidental de vida, não podemos dar ao adversário ideológico argumentos de contestação irrefutáveis, ao agir de forma com que procuramos evitar que eles ajam. O lamentável de todo fato ou ato que provoque conseqüências como a desta semana é que, além de irreversível e injustificável, dá aos contestadores do sistema a bandeira de luta que Brasília empunhou até aqui. Por isso é que não conseguimos identificar, neste diálogo de surdos, uma figura com isenção e coragem suficientes para recolocar a questão nos seus devidos termos…”

(Cláudio Marques, “Coluna Um”, Shopping News, 2.11.75)

“Da morte do rapaz eu não vou falar. Seria um absurdo dizer qualquer coisa. Nada que eu dissesse ou fizesse mudaria o fato de que ele morreu. Agora, sobre a minha posição, eu não mudo nada. Não tem sentido. Só faltava eu dizer, agora que ele está morto, “olha aí, pessoal, não é nada disso, não aconteceu nada na TV-Cultura”. Não. Eu mantenho tudo o que disse na minha coluna, porque é aquilo que eu penso e assino em baixo.. (…) Então, é por isso que eu quero que você fotografe bem este quadro: nunca fiz campanha pessoal contra ninguém, mesmo quando sei que o cara é comunista. (…) Essa campanha é indecente, porque eu nem conhecia o rapaz. Sabe, eu nem vejo a TV Cultura”.

(Cláudio Marques, entrevista a Ex-16, novembro 75)

ORDEM E PROGRESSO

“Farejando o cheiro da impostura e da podridão, não tardou a entrar em cena o personagem que, em São Paulo, com o incompreensível consentimento de quase todos, é inculcado como arcebispo e cardeal da Igreja de Cristo. Contrariando perversamente todos os critérios católicos, o Sr. Dom Evaristo Arns, pelo que lemos nos jornais de 31 de outubro p.p., autorizou um “Culto” em São Paulo por Herzog. (…) No Rio, o Cardeal Eugênio Sales disse que o certo (!!!) seria um pedido – que seria examinado – de uma cerimônia ecumênica, a exemplo da programada para São Paulo, ou então uma cerimônia na sinagoga, à qual certamente estaria presente um representante da Igreja Católica. O que se depreende dessa nota é que ambos os prelados estão de acordo no propósito de lançar dúvidas sobre o suicídio de Herzog e no propósito de demonstrar simpatia por um comunista e repulsa pelo governo que ousa combater o comunismo. Diante de tão aberrante pronunciamento a propósito do suicídio de um desesperado comunista, não hesito em desejar que o governo do meu país não dê grande atenção ao que dizem esses eclesiásticos, a não ser talvez para lhes lembrar que seus títulos não os isentam dos rigores da Lei.

(…) Creio firmemente traduzir o melhor da alma brasileira se disser o que esperamos do governo neste estúpido episódio em que se explora o cadáver de um desesperado. Esperamos que os incitadores e dirigentes das greves estudantis vão para a cadeia, que é o lugar deles, exigido pela Ordem e pelo Progresso”.

(Gustavo Corção, “Órdem e Progresso”, O Estado de S. Paulo, 11.11.75)

COMUNISMO, NÃO!

“O triste episódio do suicídio de um jornalista do partido comunista detido para acareação pelo comando do II Exército e a presteza com que os agentes da subversão logo se apoderaram do acontecimento para atribuir ao Governo a responsabilidade da morte do jornalista, servem para nos advertir de que tem sido um pouco excessiva a margem de tolerância e liberdade concedida pelo Governo e mesmo exaltada pelo Presidente. Não cremos que seja nessa direção, da maior liberdade, que deve evoluir o aperfeiçoamento do nosso Governo para bem cumprir “o dever principal de um governo”, tão austera e solenemente formulado no discurso do Presidente Geisel: “O principal dever do governo é o de assegurar um clima que permite o trabalho, porque só pelo trabalho podemos progredir “e subsistir. (…) Hoje, o general Francisco Franco, em face da morte, se impõe ao respeito e à admiração do mundo inteiro e nos lega o exemplo e o segredo da resistência: a firmeza inabalável. Durante 40 anos, Franco assegurou ao povo espanhol aquilo que, em seu enérgico discurso, o presidente Geisel diz ser o principal dever do Governo.

(Gustavo Corção, “Comunismo, não!”, O Estado de S. Paulo, 12.11.75)

PAZ, TRABALHO, PÁTRIA

“Se Vladimir Herzog escolheu uma dependência militar para cometer o suicídio, sua morte não mudará nada. Foi um gesto seu, apenas seu. Ou a serviço de uma ideologia, de um partido. Nunca a serviço do Brasil. (…) E esperamos que as autoridades continuem, com a dignidade que marcou e sempre marcará o nosso militar, travando o combate a qualquer força que não estiver do nosso lado. Primeiro a Pátria. Devemos respeitar quem morre pela pátria. E lamentar a covardia de quem procura pelas próprias mãos, a própria morte. Porque o suicídio só tem lugar na história quando se reveste de um gesto de sacrifício. E todos sabem que o jornalista Vladimir Herzog não fez nenhum sacrifício. Nem foi tão pouco sacrificado”.

(Talvani Guedes da Fonseca, Jornal do Comércio, Recife, 31.10.75)

VÉSPERAS DE UM NOVO 68

“A escala de subversão no país (favorecida pela ingenuidade de uns e em alguns casos pela maldade de propósitos dos propugnadores da distensão política e da constitucionalização da revolução) que culminou no suicídio de Vladimir Herzog , ameaça atrair a Nação em um perigoso clima emocional, cujas conseqüências não são muito difíceis de serem previstas. A partir de S. Paulo, centro dos principais acontecimentos, espalha-se pelo Brasil um clima de incertezas e inseguranças decorrentes principalmente da agitação de áreas estudantis, envolvendo cerca de 30.000 universitários. O desenvolvimento desse processo, para alguns, lembra a repetição dos acontecimentos de 1968. (…) As agitações prosseguiram até que no dia 13 de dezembro o presidente Costa e Silva promulgou o Ato Institucional nº 5, restaurando a paz interna e assegurando ao povo brasileiro tranqüilidade para continuar trabalhando. A situação nacional de hoje, infelizmente é terrivelmente análoga a de então e é terrivelmente certa a preocupação de algumas pessoas que acham que, se o governo federal não tomar providências efetivamente sérias, facilmente veremos a Nação ser agitada com acontecimentos ainda mais graves do que os que paralisaram o Brasil em 1968”.

(Alexandre von Baumgarten, Diário de Brasília, 31.10.75)

DIMINUIR OS CARRASCOS

“Reuniram-se homens de todas as crenças, ou de nenhuma, em torno do mesmo Deus, para chorar o mesmo homem. Mas esta sensação confortadora de progresso não estava no motivo da reunião. Felizmente mostraram-se infundadas certas preocupações. O povo não queria mais um mártir. Quem tentava evitá-lo deveria saber que o modo mais eficiente de diminuir os mártires é o de diminuir os carrascos. Aconteceu apenas o seguinte: um judeu entrou definitivamente na história do Brasil como um homem da comunicação, um homem do conhecimento, um homem da verdade. São Paulo faz perguntas. Muitas delas decerto sem resposta. Oxalá dentre os reunidos, naquela hora, seus discípulos, seus parentes, seus amigos, seus colegas, tenha se esboçado pelo menos uma. Concluindo um poema patriótico, disse Fernando Pessoa: “Quem vem viver a verdade que nos morreu Dom Sebastião?”

Parafraseando, perguntamos: “Quem vai viver a verdade que nos morreu Vladimir ?”

(Jornal da Tarde, “São Paulo Pergunta”, carta do leitor Vicente Antonio Barbosa, 6.11.75)

OUSAMOS SONHAR

Quero, Vladimir Herzog, que no futuro, a muitos anos daqui, possam seus dois filhos, no encontro com os nossos que estarão lá, olharem-se, amarem-se como irmãos, caminharem ombro a ombro, numa terra de Justiça e Paz. E possam, ainda, nos momentos em que olharem o passado, terem certeza de que, até por nós, neste tempo, ousamos sonhar e falamos mais alto que o círculo de aço, do silêncio e do terror que o ódio, a brutalidade, e a insensatez humana pretenderam nos impor.

De agora para o futuro, até esse dia, Vladimir Herzog.

(João Cunha, (MDB-SP), Câmara dos Deputados, 31.10.75)

“MACUNAÍMA”

“Segui, passo a passo, o caminhar a um só tempo comedido e viril dos companheiros que dirigem, no momento, os destinos da minha entidade de classe. Colocados frente a frente com problemas que assumem proporções suficientes para lhes garantir a presença na História, meus colegas não se perderam nem se exacerbaram, mas também não fugiram por um instante sequer ao cumprimento do dever que lhes era imposto pelas circunstâncias. Entregaram-se com amor e paixão à luta para a qual foram chamados. Doaram-se e ainda estão se doando, por inteiro, à tarefa que a consciência lhes impôs, e que impôs para todos nós, jornalistas brasileiros: a vigília sem descanso em torno dos companheiros que dela necessitam e a que têm direito – os vivos e os mortos, mas principalmente a memória dos mortos. Olho minha carteirinha (do Sindicato) e percebo a importância que ela tem, sempre teve e sempre terá em minha vida”.

(Hélcio Carvalho de Castro, sócio desde 1838, coluna “Andanças de Macunaíma”, A Gazeta, 31.10.75. Não publicada)

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