É bem verdade o que afirmam vários dos autores de depoimentos enviados para esta nossa página: o movimento pelas eleições diretas começou muito antes do comício organizado pelo PT no Pacaembu, São Paulo, no dia 27 de novembro de 1983. Na esteira das grandes manifestações coletivas dos anos 1970 e início dos 1980 – tais como o movimento estudantil, a campanha da anistia, as grandes greves do ABC, o movimento pró-PT e pela fundação da CUT -, foi aparecendo naturalmente, como uma das formas de repúdio ao regime de exceção, o anseio popular pelo restabelecimento do direito do povo escolher, pelo voto direto, os seus dirigentes. Esse anseio manifestava-se de várias formas: declarações de políticos de oposição em entrevistas, artigos na imprensa, discursos e propostas de parlamentares, moções em assembléias, apareciam aqui e ali.

Tudo isso foi confluindo, tomando corpo, até desembocar na primeira manifestação pública pelas Diretas Já, que foi a grande festa-comício organizada pelo PT na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, no dia 27 de novembro de 1983. Não há como minimizar a importância desse ato pioneiro. O número de participantes estava aquém do que se esperava? Não se conseguiu, como era o desejo dos promotores do evento, a participação de todos os partidos de oposição ao regime? A desejada composição da frente suprapartidária não se efetivou naquele momento?

Tudo isso pode ter sido verdade. Mas ninguém pode negar que foi uma festa inesquecível: um domingo perfeito de sol, os verdes do Pacaembu, o colorido dos balões e das pipas que cruzavam o céu azul, as bandeiras vermelhas e brancas, o aspecto festivo das barracas, o entusiasmo dos 15 mil participantes. Mesmo a manifestação de tristeza com que foi acolhida a notícia da morte do grande batalhador pela democracia, Teotônio Vilela, tinha a marca consoladora da solidariedade, da dor partilhada com os companheiros ali mobilizados para mais uma jornada de lutas.

Aqueles que, como eu, participaram desse comício, tiveram o privilégio de, pela primeira vez em espaço público, gritar os slogans que depois se espalharam pelo Brasil inteiro: "um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos eleger o presidente do Brasil", "presidente quem escolhe é a gente"… E isso a gente não esquece.

Esse foi o primeiro episódio de uma história que, como diz no seu depoimento nosso querido Osmar Santos, o "locutor das Diretas", "começou pequena, delicada, com a sutileza das idéias generosas. E se transformou num oceano, num mar de gente espalhada pelas praças do país afora".

Continuando sua tradição de registrar as efemérides significativas da nossa história recente, a Fundação Perseu Abramo tem o prazer de apresentar o relato desse movimento nesta página especial comemorativa do 20º aniversário da campanha das Diretas. Para isso incluiu, na íntegra, o texto do livro Explode um novo Brasil: Diário da campanha das Diretas, do "cronista das Diretas", Ricardo Kotscho, excertos do livro de Henfil Diretas Já!; a transcrição de vários artigos escritos nos jornais da época e de documentos relativos à campanha, além de fotografias, charges e depoimentos inéditos de pessoas que tiveram uma significativa participação nas várias etapas dessa memorável jornada.

Zilah Wendel Abramo – Presidente do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

 

Publicado no Portal da FPA em 2003