Anistia era a palavra mais subversiva do vocabulário político brasileiro.

Há alguns anos, durante uma cerimônia de premiação, um dos ganhadores perguntou-me o por quê da palavra anistia no “Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos”. Para responder-lhe, tive que contar a história do prêmio. A idéia surgiu em 1978 em um casarão da rua Humaitá, na Bela Vista, onde funcionavam na época o escritório do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh e o Comitê Brasileiro pela Anistia. É difícil para as pessoas entenderem hoje, mais de 20 anos depois, o significado da palavra anistia naquele momento. No Aurélio, anistia está definida como: substantivo feminino, com os significados de 1. Perdão geral; 2. Ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia, perpetraram determinados delitos, em geral políticos, seja fazendo cessar as diligências persecutórias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as condenações. Em 1979, porém, anistia tinha um significado bem mais amplo.

Vladimir Herzog fora assassinado quatro anos antes, provocando uma reação da sociedade que praticamente inviabilizava a permanência dos militares no poder. Mas o país vivia ainda os sobressaltos do fim do regime militar que só terminaria de fato cinco anos depois, com o último general saindo do Palácio do Planalto pela porta dos fundos, pedindo ao povo que o esquecesse. Anistia era a palavra mais subversiva do vocabulário político brasileiro.

Os principais focos dessa subversão eram: a Arquidiocese de São Paulo, que, com D. Paulo Evaristo Arns, assumia a luta contra a tortura e a defesa dos direitos humanos; o escritório do Luiz Eduardo Greenhalgh, onde familiares e amigos de presos políticos reivindicavam anistia, e o sindicato dos jornalistas de São Paulo, cujas portas o David de Moraes abria para todas as lutas em defesa da democracia.

O “Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos” foi o resultado da soma dessas três frentes.

Nestes 21 anos o “Vladimir Herzog” transformou-se no principal e mais disputado prêmio jornalístico brasileiro. Este ano, mais de uma centena de matérias vindas de todo o Brasil concorreu a um prêmio que não oferece um tostão em dinheiro a seus vencedores.

Não dá para listar os nomes de todas as pessoas que se envolveram diretamente em sua criação, mas eu gostaria de lembrar uma em particular, Maria Amélia Telles, a Amelinha, pelo esforço e dedicação para mantê-lo vivo nos primeiros anos, quando participar do “Vladimir Herzog” era visto como um desafio ao governo.
Venci, pessoalmente, as primeiras três edições do “Vladimir Herzog”: a primeira, em 1978, com duas matérias publicadas em Veja sob os títulos “Descendo aos porões” e “Um poder nas Sombras”; em 1979, com “A chacina de Rio Verde” publicada no Diário da Manhã, de Goiânia; e em 1980, “A casa da morte”, publicada na Isto é. Mas, a bem da verdade, só considero as duas primeiras. Na terceira, eu só fiz o texto. A verdadeira ganhadora, que localizou a casa em Petrópolis, para onde eram levados os presos políticos condenados à morte, foi Inês Etienne Romeu, que dividiu o prêmio comigo.


Antônio Carlos Fon é jornalista e ganhador dos prêmios em três anos consecutivos.

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