Depoimento de Jair Meneguelli, ex-presidente da CUT (1984-1994).

Por Jair Meneguelli

No último suspiro da ditadura militar, diversos setores sociais passaram a se manifestar publicamente, expressando indignação e exigindo cidadania. Nesse processo de reorganização da sociedade civil, ocorrido no final da década 1970 e início dos anos 1980, os sindicatos desempenharam papel fundamental mobilizando os trabalhadores, deflagrando greves por remuneração justa, ampliação dos direitos trabalhistas e, principalmente, buscando exercer o direito de organização e expressão.

Nessa época as greves tinham duas características marcantes, ambas relacionadas à motivação dos trabalhadores: a primeira estava pautada na recuperação do poder de compra dos salários. Essa movimentação surge na região do ABC paulista, quando o governo promoveu um expurgo no índice da inflação de 34,1%. A segunda corresponde à recuperação paulatina da liberdade de expressão e de reivindicação, que por anos foi tolhida pelo governo militar. Em toda manifestação as lideranças enfatizavam a necessidade de assegurar a plena liberdade e o cumprimento dos direitos dos trabalhadores, incluindo o direito de protestar, votar, escolher seus governantes e reivindicar mudanças.

O clima estava tenso, havia uma forte repressão às mobilizações, além das intervenções governamentais em diversos sindicatos. Mas queríamos a democratização do país e estávamos dispostos a lutar por ela. Ao longo desse processo surge o movimento das Diretas, uma luta que veio ao encontro das nossas reivindicações manifestadas durante os movimentos grevistas.

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Fundamos a Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 28 de agosto de 1983. A entidade nasce desse amplo questionamento ao autoritarismo, da luta pela democracia e pela cidadania. Sua criação significou um rompimento, na prática, com os limites da estrutura sindical oficial vigente, baseada no corporativismo e no assistencialismo.

A Central se compromete com os trabalhadores de diferentes categorias no sentido de defender seus interesses, lutar por melhores condições de vida e trabalho. Nesse momento propício é lançada a bandeira pela transformação social e construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária. Sua atuação torna-se reconhecida e memorável, não só pela realização de greves gerais, como pela participação ativa na campanha por Eleições Diretas para presidente da República. Em 27 de novembro de 1983, todos os sindicatos filiados, fiéis a esse ideal, abraçam a primeira manifestação pelas Diretas Já, em frente aos portões do estádio do Pacaembu.

No início, alguns partidos de centro, descrentes no movimento, recusaram-se a participar. Porém, com a imprensa debatendo e divulgando as ações, o movimento começa a tomar corpo, crescer e envolver todos os partidos de oposição à ditadura militar, as entidades de classe, estudantes e representantes religiosos. Surgem então, os comícios memoráveis com a participação de Lula, Brizola, Ulysses Guimarães e outros importantes nomes da política nacional.

Frustração
Sob a pressão do movimento popular que se ampliava pelo Brasil, o deputado Dante de Oliveira havia apresentado um projeto de emenda constitucional restabelecendo as Eleições Diretas para presidente. Por não atingir a maioria de dois terços, necessária à modificação de matéria, emenda é rejeitada no Congresso Nacional, permanecendo a escolha do futuro presidente pela via indireta, através do Colégio Eleitoral.
A decepção contagiou o país, que mais uma vez foi vítima de grandes conchavos de suas elites, tanto das que representavam a oposição democrática liberal, quanto das constituídas pelas lideranças civis ligadas ao regime militar. O pacto firmado entre elas resultou na eleição indireta de Tancredo Neves, em detrimento de Paulo Maluf, candidato do PDS, antiga Arena.

Esse foi um momento de frustração, mas não chegou a nos abater totalmente. Como sempre, nós sabíamos que a luta ia continuar e que poderíamos tardar, mas chegaríamos a conquistar o direito de eleger o presidente da República.


*Ex-presidente da CUT (1984-1994)