Depoimento de Aldo Rebelo, Deputado federal (PCdoB-SP).

Por Aldo Rebelo*

A campanha das Diretas Já não pode ser entendida à margem dos acontecimentos históricos que nela desembocaram, e dos que dela decorreram. A mobilização popular de vinte anos atrás pela volta das eleições diretas para a presidência da República resultou de quase duas décadas de luta contra a ditadura que se instalou no país em 1964, nas diversas formas que essa luta assumiu.

Em seu mais recente livro, “A Ditadura Derrotada”, o jornalista Elio Gaspari mostra como a vitória eleitoral do MDB em 1974 rachou irremediavelmente o regime autoritário. Essa divisão resultaria, dez anos depois, na perda do poder pelos herdeiros do núcleo golpista que havia deposto João Goulart em abril de 1964.

A derrocada da ditadura não foi um processo linear. Batida em 1974, a direita manobrou o quanto pôde. A resistência reacionária à redemocratização do Brasil assumiu diversos contornos. Houve a face repressiva, com a perseguição feroz aos comunistas. Houve a face terrorista simbolizada nos atentados do Riocentro e contra a Ordem dos Advogados do Brasil. E houve a resistência institucional, os “casuísmos”: mudanças feitas na legislação para impedir que a maioria popular obtida pela oposição nas urnas se materializasse numa maioria parlamentar e permitisse aos democratas e patriotas chegar ao poder pela via eleitoral.

Mas a marcha da história não pode ser detida por manobras ou golpes de mão. Pode talvez ser retardada, mas nunca detida. A fissura aberta no regime pela derrota de 1974 foi o espaço pelo qual penetraram as forças democráticas e populares. O período entre 1974 e 1979 assistiu à reorganização nacional do movimento estudantil. Comandados pela esquerda, os estudantes reconstruíram a UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1979. Em 1977, os universitários produziram as primeiras manifestações de rua desde 1968. Em 1978-79 o movimento sindical renasceu a partir do ABC, para introduzir de vez os trabalhadores no cenário político nacional. A conquista da Anistia e a abertura política, marcantes na passagem dos anos 1970 para os anos 1980, foram em boa parte produtos dessas manifestações.

A ditadura tentava se antecipar aos acontecimentos. Suspirou aliviada quando as eleições de 1982 garantiram ao partido situacionista a maioria do colégio eleitoral que escolheria o sucessor do presidente João Figueiredo. Mas o cenário era de nuvens carregadas, pois o comando dos maiores estados havia caído nas mãos da oposição.

Nem tudo caminhava conforme os planos do continuísmo. O segundo “choque do petróleo”, de 1979, mergulhou o país numa grave crise cambial. O resultado foi uma recessão profunda, com sério desgaste do governo junto às próprias elites econômicas do país. As divisões políticas dentro do partido governista diante da sucessão presidencial não encontravam no presidente Figueiredo um líder com habilidade ou vontade política para impor a necessária unidade para enfrentar a oposição.

Em 1983 estava em São Paulo, após ter entrado na política por meio da militância clandestina no PCdoB, no qual ingressei ainda estudante da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas. De 1979 a 1981 pertenci à diretoria da UNE, primeiro como secretário-geral e depois como seu presidente, sempre representando Alagoas. Terminado o segundo mandato na UNE, radiquei-me em São Paulo para organizar a União da Juventude Socialista. Fui candidato a deputado federal em 1982 pelo PMDB, pois o PCdoB ainda estava na ilegalidade.

Então, eis que nasce a campanha das Diretas. A primeira iniciativa de massas veio do PT, ainda em 1983. Um grande ato público na praça diante do estádio do Pacaembu. Depois, tivemos a participação decisiva do governador de São Paulo, Franco Montoro. Sua entrada em cena, com coragem e visão política, foi determinante para que a luta adquirisse a amplitude necessária para a vitória.
Mas, que vitória, se as Diretas ainda demorariam mais cinco anos? As Diretas não vieram em 1984, mas a união da frente democrática com o movimento de massas selou o fim da ditadura. O situacionismo se dividiu, o que permitiu a formação da chapa Tancredo-Sarney e a vitória no colégio eleitoral. As portas se abriram para a democracia. Estes são os fatos. Não há como compreender a chegada de um operário ao poder em 2002 sem lembrar que, quase duas décadas atrás, brasileiros de todas as cores políticas e sociais se uniram para devolver a liberdade ao nosso país. Afinal, não haveria Lula presidente se não houvesse aquela grande luta e aquela grande vitória.


Deputado federal (PCdoB-SP).

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