Artigo de Maria Victoria Benevides, publicado na Folha de S.Paulo de 27/11/83.

Por Maria Victoria Benevides

Voto Não enche barriga, dizia o então ditador Getúlio Vargas – “os trabalhadores estão interessados em benefícios concretos e não em eleições”. Ao saber das variantes da ocasião – como “o povo não está preparado para votar”, por exemplo – aquela “tese” contra eleições seria invariavelmente louvada pelas elites, sempre que ameaçadas de perderem o poder. E voltou a ser lembrada agora, quando se discute a sucessão presidencial, pelos que mal disfarçam o autoritarismo que oscila do “realismo” à safadeza.

É evidente que eleição não é mágica para salvar o País afundado na pior crise de sua história. Não é preciso ressuscitar o “pai dos Pobres”; todos sabem, e o trabalhador sabe melhor ainda, que eleição, por si só, não resolve o desemprego, não paga a dívida externa, não fulmina a corrupção, não extirpa a miséria. Por que, então, a conquista das eleições transformou-se, com prioridade, em bandeira do movimento popular? Por que o Partido dos Trabalhadores vincula sua luta pelas diretas com o ataque à política econômica, o desemprego, o arrocho salarial? O esclarecimento dessa questão é necessário, não apenas para enfatizar que se trata, sim, de uma reivindicação popular, como também para explicitar as diferenças entre as posições dos que defendem eleições diretas na próxima sucessão.

A eleição direta é, sempre, um exercício democrático que garante a participação popular. O povo está consciente que a escolha de seus governantes é um direito seu, e quer exercê-lo. E embora saiba que não significará, de imediato, a plena democratização do País – como seria uma efetiva extensão da cidadania às classes populares incluindo o voto ao analfabeto – sabe que eleição direta é um passo decisivo para a superação deste regime. Para os trabalhadores a crise não consiste apenas no drástico agravamento de suas condições de vida, mas também na sua desmobilização como força social e política. No entanto, é preciso ter claro que, independentemente do valor intrínsico da eleição, na atual conjuntura este direito pode ser (re)conquistado pela luta popular ou falsamente “doado” nas diversas formas de “consenso” e “entendimentos” que caracterizam a política elitista da “conciliação”. Muitos dos que defendem a “mobilização da sociedade” pelas diretas estão, na realidade, cogitando da “Mobilização de alguns”, contra a vitória de certo candidato ou certos grupos. Afinal, “tudo lá em cima”. Parodiando o mineiro da República Velha, esses senhores não estariam tramando “façamos a eleição antes que o povo faça?”.

Para o PT, a defesa das eleições diretas só se entende como conquista popular, subtraída ao jogo das cúpulas. É essa ênfase que explica sua expressiva vitória política ao conclamar a todos, neste domingo, para as ruas e a praça. (É o que explica, também, que os petistas tenham tanto insistido na realização de eleições para prefeito da capital.)

Voltando ao primeiro ponto; é importante que a luta pelas diretas se conjugue com o protesto contra a política econômica. O regime atual tem como forças mais visíveis a política econômica e o controle sobre o processo sucessório. As ameaças que possam pairar sobre a possibilidade de uma sucessão pró-regime são também ameaças à continuidade de sua política econômica. No sistema de eleições diretas, todos sabem, as chances de Delfim Neto e seguidores seriam praticamente nulas (aliás, a confusão do governo e do PDS em torno da entrevista do presidente Figueiredo a favor das diretas, expressa a confusão de um partido e um governo que não têm mais uma proposta política. Fracassada a tese das indiretas, de que maneira poderão defender as diretas sem muitas perdas e danos?). Ao vincular sua luta pelas diretas com a denúncia do modelo econômico o PT quer atingir o flanco exposto do regime (não é à toa que os próprios pedessistas afirmam que, em eleições diretas, ganhará o que mais duramente atacar a política econômica do governo). Mas acima de tudo permanece nesta luta política dos trabalhadores, o caráter da conquista popular. Você sabe: presidente, quem escolhe é a gente.


*Maria Victoria Benevides é socióloga, diretora do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, autora de vários livros sobre política brasileira e membro da Comissão de Justiça e Paz da Fundação Wilson Pinheiro.
Artigo publicado na Folha de S.Paulo de 27/11/83.

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