Assistimos nestas últimas semanas pelas páginas dos jornais brasileiros a repercussão sobre a proposta feita pelo ministro César Peluso de buscar restringir a ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no controle administrativo e funcional dos magistrados, notadamente, daqueles vinculados as cúpulas desse poder. Para isso o Supremo Tribunal Federal (STF) prepara-se para apreciar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perpetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que questiona a competência do CNJ de instaurar procedimentos apurativos da conduta de juízes a que são inquinados acusação de atos de ilicitude ou de transgressão aos princípios éticos e deontológicos que norteiam o desempenho da função de juiz. Alegam que tal responsabilidade institucional cabe as corregedorias dos tribunais de cada Estado da Federação e não ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O que colide com o mandamento constitucional definido pela Emenda Constitucional 45 que operou a Reforma do Judiciário em 2004, passando a ter vigência em 2005. Reforma constitucional esta que procurou estabelecer mecanismos de maior controle social e eficiência sobre o judiciário, além de propor procedimentos para a recepção interna das normas oriundas dos tratados, pactos e convenções de que o Brasil é signatário.

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que não obstante seu sério constrangimento corporativo decorrente da sua composição majoritária de juízes desempenhou um papel importante no controle dos atos administrativos daqueles, sinalizando a abertura das instituições judiciárias aos valores da democracia e da república. Afinal o judiciário – de todos os poderes – é o mais hermético e o menos transparente a sociedade, como facilmente se depreende de nossa história institucional. A autocompreensão dos juízes do seu poder como algo eminentemente racional-tecnocrático que emanaria do domínio legal dos assuntos sob sua apreciação, contrasta vivamente com as aspirações da sociedade, sequiosa de uma justiça sensível as suas demandas cotidianas por mais acesso as riquezas produzidas, aos bens culturais e as oportunidades de uma vida melhor.  

Ademais a persistência atávica de uma cultura hierárquica, normativista e apologética ao instituído no interior do judiciário brasileiro chocam-se frontalmente com os imperativos axiológicos positivados na Constituição da República que exige magistrados consentâneos com a afirmação da liberdade, da igualdade e da participação como elementos imprescindíveis do Estado Democrático de Direito. Daí a contradição entre a enunciação formal dos conteúdos dos Direitos Fundamentais na Carta Magna de 1988 que devem funcionar como o principal veio interpretativo do ordenamento político-jurídico e da atuação dos agentes públicos, e a prática da maior parte de nossos magistrados ainda presos a uma visão abstrato-lógica do direito, distanciando-se da sociedade e de seus reclamos.

 Precisamos de juízes responsáveis, voltados para concretização dos valores centrais da democracia e da promoção da dignidade da pessoa humana e não de meros burocratas da lei, dos códigos encerrados em si mesmos, sem nexo com os objetivos ético-políticos de nossa Constituição.  Ou seja, infelizmente, de maneira geral ainda temos um judiciário aquém de suas atribuições fixadas pela Constituição que ao invés de instigar a cidadania, prefere agir como fautor de conservação das velhas estruturas patriarcais e injustas do capitalismo brasileiro.

A luta empreendida por setores das cúpulas judiciárias associadas a grande mídia e ao poder econômico pela “limitação” dos poderes fiscalizatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se inscreve na estratégia liberal-conservadora de manter o alinhamento do poder judiciário, mormente de suas cúpulas, aos interesses “dos de cima”, da plutocracia do Capítal financeiro e de seus programa neoliberal. Modelando assim, um judiciário submisso aos privilégios sempiternos dos “Donos do Poder” que teima em debilitar o sentido de exigibilidade de seus compromissos normativos convertendo-os em fórmulas anódinas, ao circunscrevê-los a um horizonte de dever-ser para o “futuro”.

A Sociedade Civil no Brasil precisa rapidamente mobilizar-se denunciando as tentativas dos setores liberal-conservadores – dentro e fora do judiciário – para acabar com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esvaziando-o de suas competências de controle e punição dos maus juízes que perseveram no hábito de violação dos princípios éticos, políticos e jurídicos que devem orientar o funcionamento das instituições do Estado Democrático de Direito. Não podemos acatar que uma das inovações institucionais que mais contribuíram para abrir o poder judiciário para cidadania seja anulada por uma instância burocrática, infelizmente desse próprio  poder que se vê atemorizada pela transparência de seus atos e pelo controle finalístico  da sua gestão administrativa interna.

Newton de Menezes Albuquerque, doutor em Direito, leciona na Universidade Federal do Ceará (UFC) e na Universidade de Fortaleza (Unifor), é procurador administrativo do município de Fortaleza e integra o Conselho Curador da FPA.

 

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Outros textos:
Colocando os pingos nos jotas, por Paulo Sérgio Domingues, na revista Teoria e Debate nº 57 – março/abril de 2004
Reforma do Judiciário foi tema central de oficina da FPA
Justiça e Segurança, Vol. 03 da Coleção 2003-2010: O Brasil em Transformação, de Elói Pietá e Pierpaolo Cruz Bottini (Orgs.), publicado pela EFPA