Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide “News of the World” na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.

Desde o dia 7 de julho pp. a Comissão de Ética (CE) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) tem em suas mãos um pedido de abertura de processo por violação do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros contra o jornalista Gustavo Ribeiro da sucursal de Brasília da revista Veja. O pedido foi protocolado por um dos membros da comissão que redigiu o novo Código de Ética em vigor desde 2007 (disponível em http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf) e também um dos fundadores do Movimento Pró-Conselho de Comunicação Social no Distrito Federal (MPC), o jornalista Antonio Carlos Queiroz.

O pedido original tinha por base a matéria intitulada "Madraçal no Planalto" sobre a Universidade de Brasília e seu reitor, publicada na Veja com data de capa de 6 de julho.

Tanto do ponto de vista técnico como ético, a referida matéria é um exemplo acabado de mau jornalismo. Editorializada e adjetivada, a matéria não cumpre as regras elementares básicas do jornalismo e foi desmentida por “fontes” cujos nomes nela aparecem, além de ter recebido repúdio quase unânime da própria comunidade acadêmica da UnB (cf. http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=5317). Mais ainda. Uma das “fontes” e articulador da matéria de Veja, conhecido adversário político do atual reitor, publicou em seu blog o seguinte post:

"Parabéns à revista VEJA por este inestimável serviço ao Brasil, mostrando o que faz o reitor Zé do MST (ligado ao PT) com a educação superior no país. Está agora na hora da oposição (DEM, PSDB e PPS) colocar a boca no trombone! — PS: Ajudei a VEJA com essa reportagem (tem uma declaração minha na 4. página), eu e mais de 20 professores, lógico que apenas alguns apareceram" [cf. cienciabrasil.blogspot.com post de 3 de julho).

Jornalista não sindicalizado
No dia 9 de agosto pp. a CE respondeu ao jornalista Antonio Carlos Queiroz informado haver decidido pela não abertura do processo tendo em vista que Gustavo Ribeiro “não é filiado ao SJPDF”.

Trata-se de um equívoco da CE de vez que a filiação aos sindicatos da categoria não é requisito para o exercício profissional e o Código de Ética, por óbvio, se aplica a toda a categoria, não somente aos jornalistas sindicalizados. Aliás, está escrito no próprio CE:

Art. 17. Os jornalistas que descumprirem o presente Código de Ética estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.

Parágrafo único – Os não-filiados aos sindicatos de jornalistas estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, impedimento temporário e impedimento definitivo de ingresso no quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.

O equívoco da CE motivou um recurso impetrado pelo jornalista Antonio Carlos Queiroz no SJPDF solicitando a reconsideração da decisão.

Reincidência
Enquanto se aguardava uma resposta da CE ao recurso, o mesmo jornalista Gustavo Ribeiro, aparece novamente como um dos responsáveis por matéria aparentemente envolvendo práticas ilícitas, publicada na mesma revista Veja com data de 31 de agosto pp. Trata-se, como se sabe, de matéria de capa sob o título “O Poderoso Chefão” sobre o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que padece dos mesmos vícios da matéria anterior sobre a UnB. O jornalista está agora sendo formalmente acusado de tentativa de invasão de domicílio e falsidade ideológica pelo Hotel Naoum de Brasília, onde escritório de advocacia associado ao ex-ministro José Dirceu mantém um apartamento alugado.

Naturalmente o novo episódio envolvendo o jornalista Gustavo Ribeiro provocou o encaminhamento de um “agravo” à CE do SJPDF.

O que está em jogo?
Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide “News of the World” na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.

O Grupo Abril, ao qual pertence a revista Veja, criou recentemente o IAEJ – Instituto de Altos Estudos em Jornalismo que, em parceria com a ESPM, oferece o Curso de Pós-Graduação com Ênfase em Direção Editorial “um programa sem precedentes no Brasil, (que) tem a ambição de contribuir para a melhoria da imprensa no país” (cf. http://www.espm.br/Candidato/Cursos/SP/Pages/jornalismodirecaoeditorial.aspx ).

Por óbvio, matérias como as referidas acima não são publicadas sem o conhecimento da direção da revista e, portanto, não são de responsabilidade apenas dos jornalistas envolvidos. Trata-se de uma determinada visão de jornalismo e de seu papel que confrontam toda a retórica liberal sobre a liberdade de imprensa na democracia.

Está na hora das organizações sindicais darem o primeiro passo e aplicarem exemplarmente o Código de Ética da profissão se pretendem zelar pela dignidade profissional mínima que sustente a credibilidade dos jornalistas.

E está mais do que na hora dos próprios empresários de mídia e do Estado brasileiro dialogar sobre a inadiável necessidade de uma ampla e democrática regulação do setor. Não dá mais para “fazer de conta” que no Brasil é diferente do resto do mundo e que aqui a mídia será sempre um poder acima de todos os outros.

A ver.

Venício A. de Lima, professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

 

 

Leia, do mesmo autor, os livros publicados pela EFPA:

–  Diálogos da Perplexidade, em co-autoria com Bernardo Kucinsky.

– Mídia – Crise Política e Poder no Brasil

A Mídia nas Eleições de 2006