A vez dos emergentes?
As revoluções árabes, que varreram do mapa os governos ditatoriais de Egito e Tunísia no início do ano, ainda movimentam o Norte da África. Grupos contrários aos regimes da Líbia, do general Muammar Kaddafi, e ao da Síria, do presidente Bashar el-Assad, seguem nas ruas exigindo democracia e a saída de seus antigos líderes.
Na Líbia, dona da sétima maior reserva de petróleo cru do mundo, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) mantém uma intervenção militar desde março, após as tropas do governo colocarem em risco a vida de civis. Além disso, o Ocidente, liderado por França, Itália e Reino Unido, estabeleceu como objetivo maior derrubar Kaddafi e “reconduzir o povo líbio à democracia”.
Porém, na Síria, onde a repressão violenta de manifestantes anti-Assad já levou a morte de mais de 1,7 mil civis, segundo organizações internacionais de Direitos Humanos, a premissa das potenciais ocidentais se transforma.
No poder desde 2000, após a morte do pai Hafez el-Assad – que assumiu em 1971 depois de um golpe -, o mandatário sírio, um oftalmologista integrante da minoria alauíta (10%), parece imune a sanções internacionais.
Em meio a discursos vazios e repletos de clichês diplomáticos, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, afirmou repetidas vezes que o governo de Assad “perdeu a legitimidade”, mas não se arrisca a exigir diretamente sua saída do poder, como fez com Kaddafi.
A morosidade dos EUA em relação à Síria é tamanha que os americanos apresentaram em julho o esboço de um documento para reformas no país, no qual o presidente seria mantido no poder.
As ações de Assad também foram ignoradas pelo Conselho de Segurança da Onu, que somente aceitou emitir uma declaração de condenação à violência do regime contra civis, após a morte de 130 pessoas num único dia. As mortes, em 1º de agosto, teriam sido provocadas por confrontos das tropas de Assad na cidade de Hama e em outras regiões do país.
Nesse cenário de pouco interesse das potências mundiais em solucionar os conflitos e a matança na Síria, a Turquia resolveu assumir um papel mais incisivo em relação ao vizinho, com o qual divide 850 quilômetros de fronteiras. Algo que, dependendo dos resultados, pode render para Ancara alguma influência política internacional.
Contudo, um dos motivos para o endurecimento do discurso turco é a fuga em massa de refugiados sírios para o país. Desde o início da repressão, mais de 8,5 mil pessoas atravessaram para o lado turco. Com isso, o premier Recep Tayyip Erdogan mandou um recado para a Síria: a Turquia está perdendo a paciência.
Tentando salvar as boas relações comerciais e políticas com o país, Assad recebeu o ministro do Exterior turco, Ahmet Davutoglu, na terça-feira 9. Davutoglu lhe disse para interromper as ações militares contra os manifestantes, caso contrário a Turquia vai apoiar uma posição mais forte no Conselho de Segurança da Onu contra a Síria.
No entanto, mesmo com o possível estremecimento entre Damasco e Ancara, a Turquia não fala diretamente na saída do presidente sírio ou de sanções econômicas e diplomáticas, ação que faz parte do programa turco de relações exteriores “Zero Problema com os Vizinhos”.
Um posicionamento também defendido pelos membros permanentes do Conselho de Segurança Rússia e China, que blindam a Síria de quaisquer atitudes mais incisivas. Algo que pode estar ligado à relação econômica entre os países. Segundo dados de 2009 da Organização Mundial do Comércio, os chineses e russos aparecem entre os maiores fornecedores de manufaturas, combustíveis, produtos de agricultura e minérios para a Síria.
Sem defender ações contra o regime de Assad, Rússia e China não fazem parte do grupo composto por Índia, Brasil e África do Sul – que juntos formam os BRICS, países em desenvolvimento com maior índice de crescimento no mundo -, que estão na Síria para reuniões com autoridades ligadas ao governo, em busca de uma solução para a crise e também maior destaque internacional.
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A tentativa da Turquia de negociar diretamente uma saída para os conflitos na Síria não é a primeira investida do país em impasses de proporções internacionais. Em maio de 2010, quando a Onu pressionava o Irã para interromper seu programa nuclear – visto pelo Ocidente como uma fachada para a construção de armas nucleares -, os turcos conseguiram viabilizar um acordo com o governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Com a participação do Brasil nas negociações, o Irã aceitou enviar urânio para ser enriquecido na Turquia. Porém, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) queria que o processo fosse realizado na França ou na Rússia.
Sem a validação dos EUA, cerca de um mês depois, o Conselho de Segurança da Onu aprovou, por unanimidade, uma quarta rodada de sanções contra o Irã. Apenas Brasil e Turquia votaram contra e o Líbano se absteve. Será que dessa vez as potências ocidentais levarão em conta um possível acordo liderado por emergentes?