Silas Corrêa Leite
Viveu intensamente. Amou e nunca deixou a mesmice por isso mesmo, sendo ele o guerreiro das palavras, no liquidificador de sua sensibilidade. Aleluia, Carlito
CARLITO MAIA (1924-2002)
O Brasileiríssimo vai fazer falta
Quando me dei a escrever para jornais, revistas e suplementos de cultura, criticando desde a ditadura até os comportamentos malufistas e embustes do mesmo modus operandi, quando não trocadilhando e descendo o sarrafo em alguma situação impertinente, foi que notei, coincidência ou não, pura sorte, ao lado do meu modesto comentário, estava um outro todo jocoso e cem por cento inteligente do grande Carlito Maia.
Por diversas vezes no Jornal da Tarde, por exemplo, eu mandava um desabafo contra algum integrante da caterva do poder, e via na mesma data e local, espaço de leitores, uma ilustre opinião do Carlito Maia e ficava feliz, pois pensávamos os mesmos problemas, eu num enfoque crítico acirrado, quando não poético e sofredor, e ele, alto nível, trocadilhando, criativo, sensível e impoluto, como era sempre.
Com essas e outras, passei a admirar sobremaneira o Carlito Brasileiríssimo Maia, nosso porta-voz dos fracos e oprimidos em terra de muito ouro e pouco pão, de lucros impunes, riquezas injustas. Comprei um livro dele que guardo como um tesouro, no meu butim de belezuras, sofrências e prazeiranças.
Era o mentor ético do PT, que ajudou a fundar em tempos de vacas magras, e onde foi elo, soma, pertencimento e farol. Depois descobriu o Partido, trocadilhando, partido mesmo, entre chatos e alguns fervorosos xiitas. E ainda brincou: a esquerda, quando começa a contar dinheiro, vira direita.
Era assim o Carlito Maia. Verdadeiro pela própria natureza, íntegro, corajoso e cheio de charme com suas flores dando testemunho de ternuras e encantos. Criticou o ex-tudo, o Ególatra FHNistão, o Pai da Fome, cobrou que o tucanato não tinha coragem de assumir o PT, mas era um meio PFL sem pé nem cabeça, dando, literalmente, o partido do governo, com os burros nágua. Ave, Carlito!
Silêncio sem documento
Amava Sampa com todo ódio, disse ele. E indicava: evite acidentes, faça tudo de propósito. Era assim esse gauche Carlito, nosso garrincha rueiro de toda santa palavra por atacado. E concluiu, como ele mesmo sempre foi: "Uma vida não é nada. Com coragem pode ser muito."
Viveu intensamente. Amou e nunca deixou a mesmice por isso mesmo, sendo ele o guerreiro das palavras, no liquidificador de sua sensibilidade. Aleluia, Carlito.
De repente, nem mal-e-mal faturamos o Penta, e ele viajou fora do combinado, como diz sempre o Rolando Boldrin. Deu na Folha, no Jornal Nacional, e ainda hoje, trocando e-mail com a poeta Leila Míccolis, do Rio de Janeiro, assustei-a contando que o Carlito morreu. Ela não sabia e emocionou-se. Conheceu-o. E apontou qualidades nele, como outros que me retornaram o e-mail comunicando tremenda perda tiveram uma história de coragem e luta, de flores e encantários, que fez parte dessa Alma Carlito Maia um sustentáculo de nossa mais graciosa lisura cheia de graça.
Aliás, um romance que escrevi, que ainda é livro virtual e não foi impresso, era dedicado a ele com todo orgulho (Ele está no meio de nós ; agora, se for lançar o e-book de modo convencional, terei que colocar o nosso Carlito Saudade no rol dos que estão in memoriam.
Foi uma perda enorme para o laboratório pensante da consciência brasileira. Insubstituível, imprescindível, Carlito Maia deixou-nos o seu exemplo. E agora, pela falta dele, um silêncio sem documento.
* Silas Corrêa Leite é poeta e professor
Publicado no Observatório da Imprensa – MEMÓRIA – 3/07/2002