A crise da dívida norte-americana produziu uma situação midiática muito curiosa: direita e esquerda se unem ao proclamar o estado terminal do perfil político do presidente Barack Obama.

A crise da dívida norte-americana produziu uma situação midiática muito curiosa: direita e esquerda se unem ao proclamar o estado terminal do perfil político do presidente Barack Obama.

Comentários conservadores se fixam na idéia de que o "progressismo" do primeiro presidente negro dos EUA não deu certo. Claro: não deu certo porque não podia dar certo, é tautológico. Leio até comentaristas que não faz muito tempo apregoavam tudo aquilo que o Tea Party apregoa dizerem que os políticos desse movimento são o que há de mais retrógrado na política norte-americana, talvez mundial. Mas eles conseguiram "dobrar" Obama (há até quem o chame de Banana), o que, de certo modo, não deixa de ser um mérito, já que envolve uma demonstração de força, que é a única coisa que esse tipo de pensamento admira, embora possa admitir mérito de outras qualidades na política.

É verdade que os Tea Party não estão satisfeitos. Nunca estarão, enquanto Obama estiver na Casa Branca, ou outro, mesmo que seja republicano, que não seja dos seus, e não estarão satisfeitos enquanto qualquer política social não estiver num estado de terra arrasada. Mas assim como isso é o seu arrimo, é também o seu nó, de difícil desate, e é com isso mesmo que Barack Obama conta para se aprumar nessa sinuca de bico em que todos estão metidos.

À esquerda, gosta-se de cantar que Obama "se entregou". Rendeu-se à política neo-liberal, e por isso sai "derrotado". O argumento é interessante para esse pensamento, porque reafirma a tese de que nos EUA tudo não passa do mesmo do mesmo; e que, portanto, numa manobra saudosa da guerra fria, nada terá solução sem uma "derrota" da grande potência, algo como o ataque dos "bárbaros" germanos contra o império de Roma.

Entretanto, para se decretar uma "derrota" de Obama, é bom examinar pelo que ele está batalhando, em primeiro lugar.

O primeiro ítem da agenda do presidente é sua reeleição em 2012. Depois vem o "resto". Para tanto, ele não precisa agora "sair bem na foto". Basta sair melhor do que os republicanos. E isso, apontam as últimas pesquisas (feitas pela rede ADC e pelo Gallup) ele conseguiu: a reprovação dos republicanos é maior do que a dele. Além disso, deve-se levar em conta alguns outros fatores.

Diz-se que Obama errou ao não tomar medidas anti-recessivas mais agudas anteriormente, ou em não aprofundar os programas sociais. Pode ser verdade. Mas é necessário levar em conta que, se agora a grita pela sua aproximação da direita vem da "esquerda" dos democratas, Obama nunca contou com a aprovação completa da "direita" de seu próprio partido, que preferia (talvez ainda prefira) Hillary Clinton, inclusive o establishment sindical da AFL-CIO. Esse setor nem mesmo engoliu direito o que agora vê-se na contingência de defender: programas como a universalização do Medicare e do Medicaid pra, respectivamente, a classe média e os mais pobres (o que lembra, por analogia, não mais que analogia, a situação que nossa esquerda viveu de uns 25 anos para cá, primeiro criticando amargamente a Constituição de 1988 para depois se ver na contingência de defender suas "conquistas cidadãs", continuamente malhadas pela direita). E a mobilização das esquerdas democratas em defesa dos programas mencionados foi frágil, diante da avalancha que a direita ensandecida provocou, na mídia e fora dela.

A mídia convencional vem mantendo a administração de Obama sob cerco contínuo. A direita a ataca continuamente. E o centro (esquerda quase não há) a encurrala num tratamento "igualitário", como apontou recentemente Paul Krugman no NY Times, deixando de sublinhar a chantagem política praticada pelos Tea Party contra o governo e até contra os dirigentes tradicionais de seu próprio partido. Para essa mídia "objetiva" haveria intransigência de parte a parte: na verdade, Obama cedeu (é verdade) mais do que prometia a força humana.

Entretanto, ao fazer isso, ele ganhou vários espaços importantes. Em primeiro lugar, até depois da eleição não haverá uma moratória da dívida (chame-se isso default ou calote, reestruturação ou qualquer outro nome) a explodir-lhe nas mãos e na face durante o período eleitoral. Além disso, o impacto dos cortes no orçamento governamental serão relativamente pequenos até a nova eleição, no segundo semestre de 2012, ou seja de pouco impacto nesta, a menos que haja novidades no percurso. Até 2013 a sua prorrogação dos cortes dos impostos sobre os mais ricos ou as grandes corporações, herdados do governo Bush, estará vencendo, sujeita a nova rodada de negociações.

Ou seja, Barack Obama conseguiu a proeza de empurrar quase tudo com a barriga. Quod erat desejandum.

Isso não é bom para a economia mundial, nem para a imagem dos EUA, a longo prazo. Mas qual é o político, hoje, que pensa a longo prazo? Talvez o Lula, que se livrou da agenda presidencial.