Uma nova agenda para o FGTS
A baixa remuneração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) tem provocado inúmeras críticas de alguns segmentos da sociedade. Isto porque, em 2010, enquanto a poupança rendeu 6,9%, o IPCA teve uma alta de 5,9% e a SELIC 10,7%, as contas do FGTS rederam 4,06% – valor abaixo até mesmo da inflação. Apesar de não serem gritantes como sugerem alguns analistas, as perdas para os trabalhadores são claras, mesmo para um investimento com segurança garantida pelo governo.
A baixa remuneração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) tem provocado inúmeras críticas de alguns segmentos da sociedade. Isto porque, em 2010, enquanto a poupança rendeu 6,9%, o IPCA teve uma alta de 5,9% e a SELIC 10,7%, as contas do FGTS rederam 4,06% – valor abaixo até mesmo da inflação. Apesar de não serem gritantes como sugerem alguns analistas, as perdas para os trabalhadores são claras, mesmo para um investimento com segurança garantida pelo governo.
É importante lembrar que essa correção está prevista no artigo 13 da Lei 8.036/90, que determina que os “depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização de juros de três por cento ao ano”, ou seja, TR mais de 3% ao ano.
Por trás dessa polêmica há, na verdade, um forte apelo populista – ou oportunista – de analistas que focam as críticas na perda de remuneração das contas do FGTS por miopia ou pouca disposição para discutir o papel social do Fundo, que extrapola o universo dos trabalhadores com carteira assinada. Não é novidade que, em função da alta rotatividade no mercado de trabalho e dos baixos salários, o retorno prático para os trabalhadores é exíguo. Indicativo disso é o baixo número de trabalhadores com contas ativas que permanecem empregados no país a mais de 4 anos – cerca de 26% do total de contas tinham este perfil em 2010. Além disso, em cerca de 61% das contas os saldos não ultrapassavam 1 salário mínimo (SM) e tinham média de apenas R$ 129,00. Ou seja, este trabalhador “típico” teria ganhado apenas R$ 3,66 a mais no ano passado, caso houvesse aplicado o seu dinheiro na poupança.
Por outro lado, os recursos do FGTS contribuíram significativamente com a política de desenvolvimento do país. Só em 2010, o orçamento do Fundo foi de mais de R$ 65 bilhões, e o patrimônio alcançou a marca de R$ 260 bilhões, ou 7,3% do PIB estimado para o ano. O desempenho financeiro foi ainda mais surpreendente, se considerarmos o resultado operacional de R$ 5,3 bilhões, o que coloca o FGTS no ranking dos 10 maiores lucros do país, para um patrimônio líquido de R$ 35,8 bilhões. Detalhe: o excelente desempenho deu-se apesar do Fundo emprestar a taxas de juro subsidiadas, o que é possível, justamente, graças à atual política remuneração das contas.
Nos últimos três anos, os saldos do FGTS, aliados ao bom desempenho financeiro, permitiram que o Fundo disponibilizasse cerca de R$ 9,5 bilhões para descontos a fundo perdido nos financiamentos em habitação para famílias com renda até 5 SM, sendo boa parte para subsidiar o Programa Minha Casa Minha Vida. Apenas para este ano, o fundo sinaliza com outros 4,5 bilhões.
Esses recursos possibilitaram a construção de cerca de 1,1 milhão de moradias novas e aquisição de mais de 1 milhão de unidades usadas que beneficiaram cerca de 9 milhões de pessoas e geraram mais de 1,5 milhões de emprego nos últimos 7 anos. O orçamento global para área da habitação praticamente quadruplicou entre 2003 e 2010, chegando a mais de 27 bilhões. Além disso, o FGTS tem diversificado seus instrumentos de atuação de forma a melhorar sua a eficácia no cumprimento da sua atribuição legal. As operações de mercado, a criação do FI-FGTS e de um mercado secundário para os créditos imobiliários são o maior exemplo disso. Só as operações do FI-FGTS contam hoje com cerca de R$ 25 bilhões, e seus investimentos começam a maturar.
A alteração do “modus operandi” do Fundo deve muito a criação do PMCMV pelo governo LULA, mas também a atuação do conselho gestor e do agente operador CAIXA. A gestão tripartite contribuiu para que as novas diretrizes e programas fossem aprovados com maior transparência, controle e participação social. O grande crescimento do emprego formal, por sua vez, permitiu que a arrecadação do FGTS tivesse um crescimento real de cerca de 62%, entre 1994 e 2010, levando a um resultado líquido de mais de 51 bilhões de reais no período. Esses resultados contribuíram para em crescimento de 40% dos ativos do fundo e a duplicação do seu patrimônio líquido nos últimos 10 anos.
Os ganhos para o país são inegáveis, mas ainda há muito que avançar, especialmente em termos de melhoria de qualidade de vida para o trabalhador. Um dos avanços mais premente diz respeito ao estabelecimento de uma fiscalização diferenciada para os grandes investimentos que utilizam recursos do FGTS e também do BNDES e do FAT.
A CUT, que ocupa uma das cadeiras da bancada da sociedade civil no Conselho Curador do FGTS, contribui com este debate, tanto colocando na mesa as preocupações da classe trabalhadora quanto apresentando propostas para aperfeiçoar a gestão dos recursos do trabalhador no FGTS. E este aperfeiçoamento deve contemplar, nos próximos dois anos, pelo menos dois mecanismos: 1) a redistribuição dos lucros das operações de mercado, incluindo aquelas com títulos públicos e do FI-FGTS, em que parte seria reinvestida e parte revertida para as contas; e, 2) a criação de novos condicionantes para os tomadores de empréstimo e a exigência das chamadas contrapartidas sociais. Neste ponto muito se pode avançar e o Conselho Gestor é um lócus privilegiado do dialogo social entre governo, empresários, e trabalhadores.
Os recursos destinados aos grandes projetos como o Minha Casa, Minha Vida, PAC-COPA etc., deveriam receber um tratamento especial por parte do Fundo, pois o tomador do empréstimo não é o trabalhador dono das contas individuais, mas as grandes construtoras. A fiscalização dessas obras não deveria ser amostral. E a fiscalização da CAIXA também deveria ser mais detalhada, contemplando pontos de interesse dos trabalhadores – hoje a única exigência é o cadastro negativo de débito com o FGTS e com o INSS. Deveriam ser incluídos pontos como a definição de um contrato nacional com regras mínimas que garantam trabalho decente, a unificação das datas-base da construção civil e direito de representação sindical no local de trabalho.
*Jacy Afonso de Melo (representante da CUT no CCFGTS e secretário de organização da CUT Nacional) e Alexandre Ferraz (Doutor em Ciência Política, Economista do DIEESE).