Liderança do Brasil
A Fundação Friederich Ebert, do Partido Socialdemocrata alemão, promoveu no Rio, na semana passada, um seminário sobre o papel do Brasil na política do Cone Sul. Pois nesse seminário escutei de três eminentes figuras políticas da Argentina, algo que me surpreendeu grandemente: quase uma cobrança aos brasileiros para que assumissem mais efetivamente a liderança do continente sulamericano que, pela primeira vez na História, desponta como ator importante no cenário político mundial. Brasil deveria trabalhar mais na formulação de um pensamento político para a nova etapa histórica que se está abrindo com a inevitável crise econômica duradoura do primeiro mundo; Brasil deveria avançar mais na proposição de instituições indispensáveis ao prosseguimento da integração da América do Sul.
Obviamente a cobrança era dirigida aos representantes do PT que participavam do seminário, já que o PT, como maior partido da esquerda brasileira e o mais apto à formulação de novas diretrizes, teria a responsabilidade da condução do processo político de assunção pelo Brasil dessa liderança continental. Claramente, entendi que a cobrança se dirigia muito especialmente à Fundação Perseu Abramo, que tem, dentro do partido, o comprometimento maior com a produção do pensamento de médio e longo prazo.
Na questão da proposição de instituições para a integração, conheço uma iniciativa interessante, de uma ONG recém criada da qual participo, a INTERSUL, que sugere uma tipificação dos investimentos de integração, isto é, a caracterização de projetos reconhecidamente propiciadores da integração. Institucionalizada esta caracterização por lei de cada país, os investimentos para a realização desses projetos contariam então com um conjunto de benefícios fiscais e financeiros, a serem também definidos por leis, capazes de estimular e alavancar sua implementação. Esses investimentos de integração compreenderiam os projetos de integração física mas igualmente, e especialmente, projetos de integração industrial, capazes de garantir, nos próximos 20 anos, uma industrialização continental de bom nível tecnológico, abrangendo harmoniosamente todos os países e não somente Brasil e Argentina como hoje.
A mim me parece extremamente interessante e importante essa idéia (e a questão do desenvolvimento industrial integrado e harmonizado foi repetidamente referida com destaque no seminário) mas evidentemente é uma proposta a ser profundamente discutida e politicamente articulada em todo o continente, num longo caminho a ser percorrido, a começar pelo nosso País, em cujo Congresso foi instalada uma Frente política de Senadores e Deputados dedicados a este tema.
Claro que a Fundação Perseu Abramo poderá e deverá colaborar intensamente no debate e na implementação dessas instituições da integração, aproveitando o bom relacionamento, de confiança, que possui com vários prestigiosos partidos políticos sulamericanos. Mas o esforço de discutir e propor diretrizes para um novo pensamento político é, a mim me parece, uma responsabilidade maior e mais direta da Fundação.
E o que é isso? É algo que necessariamente se recolhe com fluidez pelas diversas partes do mundo, produzido de forma esparsa pela necessidade de buscar o caminho da paz, quiçá da própria sobrevivência da Humanidade, e que pode, sim, encontrar uma cristalização convergente na América do Sul, que é a região do globo mais aberta a experiências políticas novas e bem sucedidas, e que vive um momento de ascensão econômica, dentro de um clima não poluído pelo cinismo e pelo ceticismo europeu e norte-americano. Esta mesma abertura não ocorre na China, apesar do seu incrível dinamismo econômico, em razão do fechamento do seu regime político e do excesso de realismo pragmático que adota no seu relacionamento internacional.
Pensamentos novos são naturalmente gerados entre as organizações da chamada esquerda, vocacionadas que são para a utopia, ao passo que, por definição, a direita cultiva as virtudes do pensamento conservador. Essa novas linhas de pensamento, cobradas à liderança brasileira, seriam então os contornos das utopias do século XXI, que já abre a sua segunda década, saturado de invenções tecnológicas crescentes e cambiantes numa velocidade espantosa, sem que se cuide do melhor aproveitamento dessa ciência para o benefício da Humanidade.
Velhos anseios de paz, de aperfeiçoamento da democracia, de humanização do ser humano continuam postos no horizonte à espera dessas novas idéias e proposições políticas, junto com novos ideais de preservação do ambiente planetário propício ao desenvolvimento da vida. E, sim, eu me convenci de que os brasileiros e sulamericanos terão um papel decisivo nessas formulações.
*Saturnino Braga é ex-senador (PT/RJ) e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.
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Leia do mesmo autor:
– O Curso das Ideias: A história do pensamento político no Brasil e no Mundo, publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo