Júlio Barbosa de Aquino é secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT. Foi o primeiro seringueiro a comandar uma prefeitura – Xapuri/AC – no interior da Amazônia (de 1997 a 2004). Ao lado de Chico Mendes, ele ajudou a frear o desmatamento e a criar uma nova consciência sobre a importância da floresta nos anos 1980. Com o assassinato do companheiro, em 1982,  assumiu a presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri – onde era o vice. “Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida”, diz ele nesta entrevista exclusiva em que ele comenta as mortes recentes de líderes da floresta ocorridas no mês de maio. Com pai, mãe e 11 irmãos, Barbosa passou parte da vida nos seringais da região. Pouco estudou, mas tem um talento especial para compreender politicamente a Amazônia e o Brasil. Esteve à frente de importantes organizações sociais como o Conselho Nacional dos Seringueiros, o Grupo de Trabalho Amazônico e a Aliança dos Povos da Floresta. Hoje, aos 56 anos, é secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores (SMAD).

Qual é o seu sentimento sobre a recente série de assassinatos de líderes amazônicos que defendiam a floresta? O senhor viveu esse drama de perto quando perdeu seu companheiro Chico Mendes.
Com a questão do Código Florestal, que podemos chamar agora de Código da Devastação, foi dada a senha para aqueles que, de certa forma, estavam recuados esperando o momento para voltarem ao ataque. Pelos dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), são quase 400 lideranças marcadas para morrer em conflitos semelhantes no Brasil. Isso do ponto de vista da conjuntura atual é muito grave. Não é apenas um problema de multas ou reserva legal que está em jogo. Sempre tive certeza que no momento em que a bancada do agronegócio vencesse essa parada, da qual eles já se sentem vencedores, começariam mostrar o quanto estão querendo avançar ocupando e destruindo a nossa floresta. Foi mera coincidência matarem o casal de extrativistas no dia da votação do Código na Câmara? Não. Zé Claudio, Maria e Dinho – morto dias depois – lutavam pelo os mesmos ideais de Chico Mendes e irmã Dorothy, que era a defesa da floresta como um espaço de vida. Isso é crime? Será que eles estavam “a serviço das ONGs estrangeiras e das empresas multinacionais”, como disse o deputado Aldo Rebelo? Essa mesma frase era dita a Chico Mendes. Só que era na década de 1980, há mais de 20 anos. Continuar ouvindo essa mesma história dói muito porque estamos vivendo outro momento, o governo é nosso. Mesmo assim não consegue mudar esse quadro de violência e impunidade.
 
O governo do qual o senhor indiretamente faz parte não tem um papel importante aí?
Existe uma grande diferença entre poder e governo. Infelizmente, no Brasil, estamos muito longe do poder. Como acabar com a pistolagem, se a maioria do Congresso defende grandes empresas que concentram a maior parte das terras no país? Menos de 5% do Congresso defendem a agricultura familiar e quando vamos para a defesa das florestas, esse número cai mais ainda, chegando a 3%. Os movimentos sociais precisam se mobilizar com mais força e se unirem mais. A pistolagem pode acabar sim. Mas para isso precisa ser construída uma aliança forte entre governo e movimento social. Assim deu certo no Acre. No meu estado esse assunto é coisa do passado. Mas não basta o Acre estar com sua situação fundiária resolvida se o resto da Amazônia está sendo devastado.
 
O senhor acredita que o governo vai agir de verdade ou vai continuar a tratar o problema de modo meramente burocrático?
Com o tipo de aliados que tem, fica impossível agir de fato. Quem foi que editou a emenda ao péssimo projeto a deputado Aldo Rebelo? Não foi o PMDB? Não é o principal partido da base? Quem é o PMDB no Pará? Força Nacional é boa, mas entra e sai. Os pistoleiros ficam. E a matança continua. O problema está na questão fundiária. Enquanto não regularizar as terras da Amazônia vai ser sempre assim. E não estou falando de terra legal. Estou falando de regularizar as Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável, que custam milhões de reais. Mas é necessário e urgente. Zé e Maria só morreram porque o assentamento onde eles moravam e trabalhavam não estava regularizado. Esse é o problema. Até quando vamos assistir aos companheiros sendo mortos, por defender seu espaço de vida? Por isso, a Força Tarefa que está indo para região não vai solucionar o problema. E não por falta de vontade do governo.

Em sua opinião, qual seria o olhar de Chico Mendes para a Amazônia de hoje? Teria valido a pena a luta?
Com certeza ele acharia que teria valido a pena. É que, apesar das dificuldades, a consciência da população, principalmente da juventude,  que é preciso o esforço de todos para que a Amazônia não seja destruída. Que a Amazônia precisa ser preservada para o futuro.

O senhor considera que a voz dos povos da floresta (seringueiros, ribeirinhos, índios) hoje encontra mais ressonância nos centros de decisão do país?
Sim. Porque há 20 anos, não era possível uma liderança indígena ou extrativista sentar-se na mesa de negociação com as autoridades. Seria impensável um seringueiro se tornar prefeito de uma cidade, uma seringueira se tornar senadora e ministra.
 
O governo tem sido capaz de atender às demandas dos povos da floresta nesses quase dez anos de governo petista?
Em parte, sim. Veja a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Para esse povo que antes não era nem reconhecido, é um avanço importante. Mas é preciso muito mais. Enquanto a Amazônia não for tratada de maneira igual às demais regiões, mas tendo em vista suas peculiaridades, nunca estaremos incluídos em um processo competitivo saudável. A Amazônia precisa ser vista como um espaço insubstituível.

O que seria necessário para a Amazônia poder chegar ao tal sonhado desenvolvimento sustentável?
Primeiro investimento em educação. Se no Brasil inteiro esse é um gargalo, na Amazônia é pior ainda. Precisamos também de muito investimento em tecnologia e formação profissional. Se pegarmos o caso da pecuária, veremos que o Brasil é campeão mundial em combate à febre aftosa; está na primeira linha de pesquisa com embriões de gado. Na soja, a Embrapa encontrou logo o caminho para a alta produtividade. Mas, e a floresta? Qual é a pesquisa que se tem sobre a atual situação da castanha, do açaí, da andiroba e tantos outros produtos que fazem parte da cultura do nosso povo? Onde estão os estudos que mostrem que esses produtos podem competir com os do agronegócio no PIB nacional?

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Leia também:

– Nota Nota "Mais sangue derramado pela Amazônia", do Comitê Chico Mendes, de 27/5/2011