O debate em torno da proposta de mudança do Código Florestal expôs, mais uma vez, a gigantesca ignorância de lideranças políticas e econômicas da nossa sociedade que se consideram seres racionais e esclarecidos. Essa ignorância, como se viu, espalha-se por boa parte do espectro político com ramificações à direita e à esquerda.

O debate em torno da proposta de mudança do Código Florestal expôs, mais uma vez, a gigantesca ignorância de lideranças políticas e econômicas da nossa sociedade que se consideram seres racionais e esclarecidos. Essa ignorância, como se viu, espalha-se por boa parte do espectro político com ramificações à direita e à esquerda.

A argumentação utilizada por esses setores começa sempre afirmando, é claro, a importância de proteger o meio ambiente para, logo em seguida colocar um senão: não podemos ser radicais nesta questão, precisamos gerar renda e emprego, desenvolver o país, etc. e tal. É curioso e mesmo paradoxal que essa argumentação apele para um bom senso mítico que seria sempre o resultado de uma média matemática entre dois extremos. Você quer 2, ele quer 10, logo o bom senso nos diz para dar 6. Esse cálculo infantil pode funcionar para muitas coisas, mas certamente não serve para buscar respostas à destruição ambiental do planeta, que não cessa de aumentar.

É curioso também, mas não paradoxal neste caso, que a argumentação utilizada pelos defensores do “desenvolvimento” seja sempre a mesma, com algumas variações. Supostamente recoberta por um bom senso capaz de conciliar desenvolvimento com proteção do meio ambiente (combinação que até hoje tem sido usada para justificar toda sorte de crimes ambientais), essa argumentação, na verdade, é atravessada por falácias e por uma irracionalidade profunda, na medida em que, em última instância, volta-se contra a possibilidade de sobrevivência da razão, entendida como uma faculdade humana.

O guarda-chuva do agronegócio abriga, assim, além de muitas riquezas, armazéns lotados de falácias e irracionalidade. Não é por acaso que alguns de seus representantes cheguem ao ponto de vaiar o anúncio do assassinato de um casal de extrativistas no Pará, como aconteceu terça-feira, no Congresso Nacional. Alguém dirá: são uma minoria, a maioria desse setor é composta por gente de bem. Pode ser que sim. Se até o inferno, como se sabe, é pavimentado por boas intenções, que dirá as galerias e o plenário do nosso parlamento.

Mas voltemos ao suposto bom senso daqueles que só incluem o meio ambiente em suas falas quando é preciso flexibilizar ou eliminar alguma lei de proteção ambiental. Uma das dificuldades que os ambientalistas têm para travar esse tipo de luta é que o outro lado sempre apresenta-se como porta-voz do bom senso. O clichê “não podemos ser radicais” é usado em todas as suas possíveis variações. Os meios de comunicação e seus profissionais funcionam, em sua maioria, como produtores, reprodutores e amplificadores dessa suposta usina de bom senso e racionalidade. Em um cenário muito, mas muito otimista, algum dia poderão ser considerados como criminosos ambientais. Mas ainda estamos muito longe disso.

Em 1962, Rachel Carson lançou “A Primavera Silenciosa” nos Estados Unidos, um livro que acabou forçando a proibição do DDT e despertou a fúria da indústria dos agrotóxicos. Está publicado em português pela editora Gaia. É um livro extraordinário e luminoso que Carson dedicou a Albert Schweitzer. “O ser humano”, escreveu Schweitzer, “perdeu a capacidade de prever e de prevenir. Ele acabará destruindo a Terra”. O deputado Aldo Rebelo talvez considere essa afirmação como uma típica expressão de um representante do imperialismo que já destruiu todo o meio ambiente em seu país e agora quer evitar que “exploremos nossas riquezas naturais”. Ele parece apreciar esse tipo de falácia. Schweitzer também disse: “O ser humano mal reconhece os demônios de sua criação”. Talvez seja esse o problema.

Tudo isso, obviamente, é vã e retrógada filosofia para os porta-vozes do bom senso. Hoje, eles dominam o debate público. Mas estão errados e propagam a mentira, não a verdade. Isso precisa ser dito assim, em alto e bom tom. São produtores de irracionalidade e de morte. E a nossa sociedade vem consumindo avidamente esses produtos. Rachel Carson pergunta-se: “Estamos correndo todo esse risco – para quê? Os historiadores futuros talvez se espantem com o nosso senso de proporção distorcido”. A consciência da natureza da ameaça ainda é muito limitada, escreve ela. E conclui:

Precisamos urgentemente acabar com essas falsas garantias, com o adoçamento das amargas verdades. A população precisa decidir se deseja continuar no caminho atual, e só poderá fazê-lo quando estiver em plena posse dos fatos. Nas palavras de Jean Rostand: “a obrigação de suportar nos dá o direito de saber”.

É disso que se trata. A sociedade tem o direito de saber e o dever de decidir querer saber. Do outro lado, estão a mentira, a destruição do planeta e a morte. Simples assim. Deixe o bom senso de lado, escolha seu lado e mãos à obra.

*Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: [email protected])