A falta de empenho em cumprir sua promessa de campanha de reformar as leis de imigração e, sobretudo, o aumento do número de deportações de imigrantes ilegais durante seu governo pode custar ao presidente Barack Obama o apoio do eleitorado hispânico em 2012. Essa é a análise de Maricela Garcia, diretora de desenvolvimento de capacidades do NCLR (National Council of La Raza), maior organização de defesa dos direitos civis da comunidade latina nos Estados Unidos.

A falta de empenho em cumprir sua promessa de campanha de reformar as leis de imigração e, sobretudo, o aumento do número de deportações de imigrantes ilegais durante seu governo pode custar ao presidente Barack Obama o apoio do eleitorado hispânico em 2012. Essa é a análise de Maricela Garcia, diretora de desenvolvimento de capacidades do NCLR (National Council of La Raza), maior organização de defesa dos direitos civis da comunidade latina nos Estados Unidos.

Uma comunidade que, aliás, tende a ganhar cada vez mais espaço no debate político. Segundo dados do recenseamento de 2010 divulgados recentemente, a população hispânica nos EUA aumentou 43% na última década, enquanto a população total cresceu apenas 9,7%. Hoje, cerca de um em cada seis norte-americanos se declara latino. E, segundo o NCLR, mais de 9 em cada 10 latinos com menos de 18 anos são cidadãos americanos, ou seja, uma enorme reserva de novos eleitores que deve pesar cada vez mais na balança política nos próximos anos.

Para Garcia, o crescimento acelerado da comunidade hispânica é um dos fatores que tem provocado uma onda de hostilidade dirigida principalmente contra os imigrantes. Segundo uma estimativa do Pew Hispanic Center, existem cerca de 11,2 milhões de imigrantes ilegais nos EUA. Mais de 80% deles são originários da América Latina.

A ativista participou de um simpósio da Universidade de Chicago sobre os direitos dos imigrantes na era da globalização. Especialista no tema, ela já foi diretora executiva da Coalizão de Illinois para os Direitos de Imigrantes e Refugiados e diretora-executiva do Fórum Político Latino em Illinois. Nascida na Guatemala, a ativista migrou para Chicago no início dos anos 1980 devido à guerra em seu país. Leia a seguir a entrevista que ela concedeu ao Opera Mundi.

Como a senhora vê a situação dos imigrantes ilegais?

Em geral, o que afeta todo imigrante é o ambiente hostil que tem envenenado o debate sobre como encontrar uma solução para os muitos pontos fracos do sistema de imigração. Não é mais uma questão de legais ou ilegais. A questão é como a nossa sociedade desenvolveu uma atitude muito hostil que leva a demonizar a presença de imigrantes em geral. Há uma hostilidade crescente e ataques frequentes à comunidade latina. E, nesse contexto, os trabalhadores imigrantes ficam vulneráveis e enfraquecidos porque a sociedade se sente livre para aceitar violações aos direitos deles.

Nas últimas eleições em novembro, vários candidatos usaram um discurso anti-imigração para conquistar o voto de eleitores conservadores. Como a senhora analisa esse fenômeno?

É muito conveniente para alguns candidatos atacar os imigrantes porque eles são um alvo fácil. Esses políticos fazem dos imigrantes bodes expiatórios porque são os membros mais vulneráveis da sociedade e podem ser acusados de tudo o que está errado. Em muitos casos, eles fazem isso porque não têm nenhum solução para os desafios que afetam a qualidade de vida e o futuro de muitas famílias norte-americanas: a crise econômica, as execuções de hipotecas que deixam tantos sem casa, o fato de que não estamos educando a nova geração com as habilidades necessárias para a nova economia global…

Políticos culpam imigrantes por problemas como o aumento da criminalidade e até por doenças que haviam sido erradicadas. São coisas irracionais, mas eles acabam convencendo que os imigrantes são os responsáveis. E fazem isso porque os imigrantes não são um bloco eleitoral. Então sabem que podem atacá-los e demonizá-los, e os imigrantes não vão retaliar porque não votam.

A crise e o aumento do desemprego também contribuíram para o aumento da hostilidade?

Em certo sentido, é verdade. A distribuição de renda nos EUA hoje é a mais injusta de toda a história do país. Temos aprovado políticas que dão tremendos privilégios fiscais a corporações. Elas não estão pagando a justa parte de impostos para cobrir as necessidades nacionais. A crise do desemprego e a crise geral da nossa economia não foram causadas pelos imigrantes, mas por decisões que nossos políticos tomaram, em termos de políticas econômicas, dando incentivos desde os anos 1980 para que as corporações transferissem suas operações para o exterior, em lugares onde têm acesso à mão-de-obra barata e leis ambientais mais brandas. Os imigrantes também foram vítimas porque, quando essas corporações começam a expandir seus negócios para o exterior, elas também afetam outros setores naqueles países e alguns trabalhadores nesses setores não têm outra alternativa para sobreviver além de emigrar. E para muitos deles, o destino é os EUA.

É mais conveniente culpar os imigrantes. A sociedade tem cegamente repetido que o desemprego e os baixos salários se devem à imigração ilegal. Alguns empregadores se aproveitam e pagam salários miseráveis, mas não são todos. Muitos empresários gostariam que o Estado autorizasse ou regularizasse a imigração de trabalhadores para poderem contar com uma força de trabalho estável. Mas é claro que outros se aproveitam dos imigrantes ilegais, e é por isso que o trabalho deles precisa ser legalizado para eliminar a possibilidade de empresários inescrupulosos explorarem imigrantes clandestinos e manterem os salários baixos.

Esse sentimento generalizado de que os imigrantes ilegais são culpados pela crise econômica contribui para o endurecimento de leis contra imigrantes em alguns Estados, como o Arizona?

Com certeza contribui, é parte do que está criando essa reação, mas não é tudo. Muitas dessas leis estaduais também são uma resposta à frustração de Estados com a falta de liderança por parte do Congresso em Washington para consertar um sistema de imigração defeituoso.

Nenhuma mudança está vindo do Congresso e do governo federal. Portanto, essa frustração se exprime em nível local, que tenta assumir uma responsabilidade que o governo federal não está assumindo. E, nesse processo, convergem tantos grupos de interesse… Alguns deles são formados por pessoas que temem que os imigrantes ilegais sejam responsáveis pela crise econômica e o desemprego. Outros são constituídos por pessoas que reagem ao fato de que os latinos estão se tornando a minoria que cresce mais rapidamente nos Estados Unidos.

Os latinos se tornaram a maior minoria, comparados com os afro-americanos, e as informações do novo censo de 2010 confirmam o crescimento consistente da comunidade em lugares onde, no passado, os latinos ainda não tinham se estabelecido. Então, em parte essa reação é medo do crescimento da comunidade latina e do que isso vai significar para este país em termos de suas prioridades, sua língua, sua cultura etc. Existe um medo de que os latinos se tornem o grupo dominante nos EUA e forcem o país a realizar mudanças estruturais.

Há tantas variáveis. O argumento econômico é apenas uma delas. Mesmo que houvesse empregos em abundância, a preocupação com o crescimento da população latina continuaria sendo um fator muito forte para o sentimento anti-latino e anti-imigrantes. E isso contribui para as propostas de lei contra imigrantes que até agora já foram introduzidas em ao menos 22 Estados.

O Estado de Utah aprovou no mês passado um pacote de leis que inclui medidas para reforçar o controle de imigrantes, mas também prevê a possibilidade de fornecer autorizações de trabalho de dois anos para os ilegais que provarem que já viviam e trabalhavam no Estado. Essa iniciativa é um avanço positivo para a regularização de trabalhadores clandestinos?

É preciso haver opções para legalizar os imigrantes e torná-los residentes permanentes. Alguns deles estão aqui há muitos anos, talvez desde 1982, quando o último programa de legalização em massa foi realizado. Esses indivíduos têm famílias, os filhos estão na universidade, eles têm raízes aqui, são tão norte-americanos quanto a torta de maçã! Eles seguiram as regras. Talvez tenham entrado no país sem autorização, atravessado a fronteira sem um visto, mas não há outra maneira. Se houvesse um programa que permitisse entrar no país e conseguir um trabalho legalmente, ninguém seria louco de não fazer parte dele. Ninguém quer arriscar a própria vida ao entrar em um país sem autorização, se arriscar a ser deportado.
 
Utah quer oferecer uma autorização de trabalho de dois anos para pessoas que passaram a vida neste país, pagaram a previdência social todos esses anos, contribuíram com seus impostos e seu trabalho. Talvez os novos trabalhadores, no futuro, possam vir através de um programa que dê autorizações de trabalho por um ou dois anos, de acordo com as necessidades da economia.

Seria uma maneira de regular o fluxo migratório de modo responsável e seguro. Mas em relação aos imigrantes que já vivem aqui há muitos anos, isso não é aceitável, não é uma boa política. O que vai acontecer depois de dois anos? Aqueles que forneceram ao governo toda a informação sobre eles vão ser deportados? Não é realista e não é humano, além de desestabilizar as comunidades e não atender a necessidade de uma força de trabalho estável para reforçar a economia.

Durante a campanha eleitoral, Obama prometeu trabalhar pela reforma das leis de imigração e pela criação de leis que permitam a regularização de parte dos imigrantes ilegais, o que lhe valeu um grande apoio da comunidade latina. Mas agora a reforma está parada. Como isso pode afetar o apoio do eleitorado hispânico à reeleição de Obama?

A comunidade latina está muito frustrada por causa dessas promessas não cumpridas. As pesquisas de opinião mostram o declínio do apoio dos eleitores latinos a Obama. Esse índice caiu de 73 % para algo em torno de 58 % ou mesmo 53%, quase vinte pontos percentuais, o que é muito significativo. Mesmo não sendo a principal prioridade para os latinos, a questão da imigração afeta a maneira como eles votam. Para a comunidade latina nos EUA, a questão mais importante sempre foi a educação. Imigração é a segunda ou terceira, dependendo do Estado.

O problema é que, mesmo a versão final da reforma do sistema de saúde pela qual o presidente Obama tanto lutou, afeta o acesso de imigrantes ilegais à assistência médica. Eles acabaram numa situação pior que antes dessa reforma. Acho que há também outras questões nas quais a comunidade latina sente que Obama não está levando em conta os interesses dos imigrantes.

O que também afetará o presidente diretamente é o fato de que Obama deportou mais imigrantes do que nos últimos dois anos de governo do presidente Bush. E isso é muito significativo, porque se trata de uma decisão que está nas mãos do presidente. Não é algo que necessita de mudanças na lei aprovadas pelo Congresso.

O presidente pode decidir quão agressiva será a ação contra os imigrantes ilegais. Isso vai afetá-lo: quantas famílias foram separadas, quantas crianças norte-americanas não vivem mais com seus pais, perderam um dos pais ou têm que voltar aos países de origem das suas famílias em circunstâncias muito duras por causa das deportações?