Folha de S. Paulo
As pessoas que não entendiam Marquito, tadinhas delas, até pensavam em levá-lo a um psicólogo para saber: "Será que ele tem alguma coisa?"
Sonhar não é proibido (e faz bem)
Não, Marquito não sentia inveja dos meninos que tinham violões de verdade. Porque ele vivia sonhando que tinha um também. E fazia vibrar suas cordas invisíveis, com o rosto iluminado e os olhinhos brilhando de emoção verdadeira.
Havia quem achasse ser o Marquito meio lelé-da-cuca. Claro, era gente que não tinha imaginação suficiente para saber que aquele violão só podia ser visto (e ouvido) por outros sonhadores, que nem o Marquito.
Essas pessoas ignoravam também que ele não se conformava com a realidade que havia, vivendo a sonhar com a realidade que devia haver.
Tendo seu violão imaginário como bandeira, Marquito via um mundo novo. Um mundo em que as coisas são das pessoas que as entendem.
E não só das pessoas que podem comprá-las (mesmo sem as entender), apenas por terem dinheiro. Ah, quanta gente tem um violão na sala de visitas, servindo de enfeite, sem tocá-lo nunca!…
E lá ia Marquito dedilhando seu violão de sonho, dele tirando as músicas mais lindas que o seu coração compunha. Depois, limpava-o cuidadosamente com uma flanela bem macia feita de nuvens. E o guardava com carinho numa capa cor de céu azul azulzim todo estrelado.
Daí ele pegava seu violão único, mais que exclusivo, e o escondia debaixo da escada secreta que usava para subir ao seu paraíso particular.
As pessoas que não entendiam Marquito, tadinhas delas, até pensavam em levá-lo a um psicólogo para saber: "Será que ele tem alguma coisa?", onde ouviriam esta resposta:
"Não, ele não tem uma coisa, mas sonha com ela e, assim, faz de conta que a tem."
Um dia, os que só sonhavam quando dormiam resolveram dar um violão de verdade para o menino que sonhava acordado. Ao recebê-lo, Marquito abraçou-se ao violão, comovido, e disse: "Obrigado. Agora tenho dois."