A fome é uma realidade brasileira que aflige milhões, pode ser vista pelas ruas das cidades e em imagens chocantes trazidas pelos meios de comunicação. E não há nenhuma expectativa de que o problema – de “escandalosa violência”, nas palavras do ex-ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário – seja enfrentado pelo atual governo, que prima pela destruição das estruturas que haviam eliminado a fome do cotidiano do país e pela obsessão de cortar gastos às custas de vidas humanas.

Mas há saídas. E os principais instrumentos para isso serão a reconstrução das estruturas que estão sendo demolidas desde o governo Temer e a retomada do diálogo social, que permitiu o aprendizado com a experiência dos movimentos sociais do campo e da cidade.

A crença na superação dessa chaga social deu o tom do programa Pauta Brasil que foi ao ar no final da tarde de sexta-feira, dia 5 de novembro, com as presenças de Rossetto e de Elisangela Araújo, agricultora familiar, ex-dirigente sindical dos trabalhadores do segmento e atual titular da Secretaria Agrária Nacional do PT. A mediação foi de Arnoldo de Campos, economista que atuou no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O programa debateu justamente o desmonte de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O PAA, lembrou Rossetto, fazia parte de um modelo de desenvolvimento que unia duas pontas essenciais: garantir, por intermédio do Estado como comprador da produção, alimentos para merenda escolar e alimentação popular, e, ao mesmo tempo, incentivar emprego e renda no campo, tendo a agricultura familiar como fornecedora. “Nós não vamos sair do zero. Sabemos como fazer. Precisaremos retomar e acelerar”, disse. A mudança, óbvio, exigirá o fim do governo Bolsonaro. E, para o ex-ministro, a eleição de Lula.

“Eu vivi tudo isso”, contou Elisangela. “Quando eu era criança, no sertão da Bahia, ia para a escola levando comida, um pedacinho de cuscuz, que muitas vezes quando chegava já estava estragado pelo calor. Depois tudo isso mudou”, disse, referindo-se à inexistência de merenda. Sobre as mudanças, comentou: “Isso nunca foi esmola pra ninguém nesse país, foi um fator de desenvolvimento. As pessoas passaram a comer. E mais: o orgulho de poder comercializar a produção para os agricultores familiares. Hoje nós estamos vivendo o contrário disso tudo”.

Elisangela e Rossetto lembraram como os programas que fizeram parte do projeto Fome Zero foram elaborados a partir da pressão dos movimentos sociais e dos sindicatos, que cobravam medidas e apresentavam soluções, com diálogo com os ministérios.

A rede que estruturou a bem-sucedida política incluiu a construção de cisternas, valorização permanente do salário mínimo, criação de empregos formais, Bolsa Família, seguro para agricultores, financiamento e instrumentos de comercialização, entre outras medidas. “Quando chegamos havia 1 bilhão de reais para o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e chegamos a 30 bilhões de reais”, destacou Rossetto.

O ex-ministro acredita, no entanto, que os governos Lula e Dilma poderiam ter construído uma articulação política mais ampla, em que mais setores da sociedade participassem da elaboração dos programas e, portanto, a conhecessem. “Esse é o maior desafio das esquerdas, reorganizar toda essa estrutura, reconstruir, e aperfeiçoar o que fizemos. A volta da fome nos traz uma agenda de futuro”, disse. “É uma situação dramaticamente própria deste país: milhões passando fome e dezenas de bilionários surgindo. Há um padrão de empobrecimento violento no Brasil”.

Para o mediador do programa, a partir de 2003 o governo Lula colocou a reforma agrária e a agricultura familiar no centro do programa Fome Zero. Arnoldo de Campos disse que essa política teve reflexos internacionais e que tinha uma dimensão ambiental importante, já que agricultura familiar é a alternativa às formas de produção destrutivas que hoje são criticadas pela comunidade internacional.

Para assistir o programa na íntegra, acesse este link. O Pauta Brasil é exibido pelos canais da Fundação Perseu Abramo no Youtube e no Facebook e também pelos canais da Fórum, do Brasil 247 e do DCM.

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