As novas classes médias: desafio para os partidos políticos
Largamente ampliadas nos anos recentes, as classes médias brasileiras têm hoje novos hábitos e novos desejos. Têm, por este motivo, novos anseios políticos, mesmo que elas próprias (ainda) não os identifiquem claramente. Conquistar estes novos segmentos sociais, respondendo aos seus novos anseios e dando forma a um novo projeto social e político é o desafio colocado para todos os políticos e partidos no Brasil hoje.
Largamente ampliadas nos anos recentes, as classes médias brasileiras têm hoje novos hábitos e novos desejos. Têm, por este motivo, novos anseios políticos, mesmo que elas próprias (ainda) não os identifiquem claramente. Conquistar estes novos segmentos sociais, respondendo aos seus novos anseios e dando forma a um novo projeto social e político é o desafio colocado para todos os políticos e partidos no Brasil hoje.
Desenvolvendo estratégias e projetos que unificaram os segmentos de ponta do assalariado brasileiro dos anos 80 e 90 do século passado, o PT lhes deu uma identidade política e um projeto de sociedade. Melhor escolarizados e remunerados que seus antecessores, os trabalhadores brasileiros do final do século XX, concentrados nos grandes centros urbanos, organizaram-se politicamente e se tornaram capazes de conquistar, por meio de seu partido, a simpatia e os votos de parcelas crescentes das classes médias tradicionais brasileiras: professores, estudantes, funcionários públicos, profissionais liberais, pequenos e médios empreendedores urbanos e rurais.
A capacidade de se dirigir a estes segmentos sociais amplos possibilitou que o PT se tornasse o principal partido de oposição no Brasil, superando o PDT, que procurava reviver o antigo trabalhismo, os PCs (PCB e PC do B), que não renovavam seus discursos e práticas, e o PSB, que não conseguia empolgar grandes parcelas do eleitorado. Liderando os partidos de esquerda, e atualizando suas propostas, o PT se expandiu eleitoralmente e tornou-se governo, incorporando, mesmo que a duras penas, antigos e novos aliados à sua aliança de poder.
Os partidos que não souberam fazer semelhante ampliação social e programática definharam ou encontram-se hoje diante de sérias dificuldades de sobrevivência. O PCB tentou se atualizar: trocou de nome e de identidade, renegando o comunismo já em crise e transmutando-se em PPS, com vistas a atingir as camadas “sociais populares”. Revelou-se, no entanto, incapaz de formular um projeto político autônomo que lhe permitisse arregimentar adeptos. Nacionalmente, é hoje quase um apêndice do PSDB.
O PSDB, por sua vez, que nasceu vigoroso e voltado para as classes médias e o empresariado moderno, secundarizou os segmentos sociais assalariados e menosprezou os setores sindicais e os movimentos sociais, já dominados pelos petistas, além de ter se revelado incapaz de conquistar os segmentos sociais de menor renda e escolaridade. Paga hoje o preço de seu elitismo e de sua inabilidade.
Depois de duas vitórias eleitorais maiúsculas para a presidência da República e da realização de reformas estruturais modernizantes que se tornaram possíveis devido à aliança eleitoral e de governo que estabeleceu com o PFL e o PP, o PSDB tateia hoje em busca de uma nova identidade e de um novo projeto, capaz de lhe garantir um novo papel: o de substituir o PT como força de oposição e de tentar, no futuro, voltar a dirigir as forças governistas.
Sobreviventes da ditadura, o PP, o PFL/DEM e o PTB, de um lado, e o PMDB, de outro, nunca conseguiram se modernizar de fato e, por este motivo, vêm perdendo a cada eleição parcelas expressivas de seus antigos eleitores. Forte apenas no interior do Rio Grande do Sul, o PP, que já mudou de nome diversas vezes, sem nunca ter mudado de programa e de discurso, inexiste de forma significativa no restante do país. O PFL/DEM, que também trocou de nome três vezes, sem nunca ter trocado de programa e de discurso, definha eleitoralmente e assiste impotente o PT, o PSB e até o PC do B avançarem sobre os seus antigos eleitores. Dividido internamente, o PMDB mantém-se competente para controlar oligarquicamente a maioria dos estados brasileiros, mas se revela incapaz de articular um projeto nacional, eficiente para conquistar a maioria dos eleitores.
Considerando-se os dois grandes blocos partidários brasileiros de hoje, de um lado o liderado pelo PT e de outro o liderado pelo PSDB, percebe-se que se mantém e se reproduz atualmente o embate que marcou a existência destes dois partidos e que nunca foi plenamente admitido por nenhum deles. Ambos disputam a mesma “área de caça eleitoral” e apresentam projetos que aparentam grande semelhança em seus objetivos finais, ainda que sejam bastante diferentes os meios que defendem para alcançá-los. Ambos partiram de nichos de eleitores com características modernas e renovadoras e se expandiram até conquistar segmentos expressivos dos eleitores tradicionais brasileiros.
O que acontece hoje é que o eleitorado tradicional brasileiro já não existe mais, pelo menos em termos expressivos. Não são mais os antigos eleitores — pouco informados, pouco escolarizados, pouco remunerados e pouco assistidos pelas políticas sociais do Estado — os que decidem as eleições. A modificação do perfil socioeconômico da população, fruto das políticas adotadas nos governos peessedebistas e petistas ao longo dos últimos anos criou uma nova realidade social no país.
Os novos quarenta milhões de brasileiros alçados às novas classes médias somaram-se aos antigos quarenta milhões de brasileiros já integrantes das classes médias. Todos eles estão agora dotados de novos desejos, maiores e mais difíceis de serem realizados. Já não basta o emprego, a cesta básica, a segurança, a educação pública e a saúde, quase sempre de péssima qualidade que lhes eram oferecidos. As exigências agora são de serviços públicos de qualidade, de respeito à cidadania, com o combate à corrupção e aos desmandos.
Tudo isto é amplificado pelo acesso aos novos meios de comunicação, como a internet e suas redes sociais, e os novos e instantâneos veículos eletrônicos de notícias que criam e recriam, a cada instante, um novo universo comunicacional e participativo, longe dos partidos e da militância política tradicional e com os quais os partidos e políticos atuais não sabem ainda lidar.
Esta nova realidade aflorou na última campanha eleitoral para a presidência da República e é com base nela que se deve buscar as explicações para a realização do segundo turno e para o resultado final do pleito. Esta realidade se expressou nos resultados das pesquisas de avaliação dos primeiros três meses do governo Dilma Rousseff, nas quais se constatou que não são mais os trabalhadores os considerados mais beneficiados pelo governo petista e que os maiores problemas apontados pela população deixaram de ser o emprego, a pobreza e a miséria e passaram a ser a saúde e a educação de qualidade.
As classes médias têm hoje novos desejos e novos meios de expressá-los. Quem não perceber isto e não aprender a responder a eles, verá seus votos definharem como vêm definhando os votos e a liderança dos que não têm sabido acompanhar os desafios dos novos tempos.
Por não terem entendido plenamente estes fatos, o PT viu parte significativa de seu eleitorado de classe média fugir para o PSOL e depois para o PV, assim como o PSDB amargou três derrotas consecutivas para a presidência da República, depois de ter deixado escapar de sua influência segmento expressivo de eleitores da classe média. Responder aos anseios da nova classe média é o novo desafio colocado hoje para os partidos políticos brasileiros. Os que melhor conseguirem responder a ele, melhores resultados eleitorais obterão.
*Benedito Tadeu César, cientista político, professor universitário e consultor político