Texto de Idelber Avelar publicado no site da Revista Fórum em 5 de abril traz à tona questões que merecem esclarecimento. Ou o autor desconhece o processo histórico de construção política e programática do PT – ignorando as relações do partido com suas bases, seus governos e lideranças – ou omite deliberadamente essa trajetória com o objetivo de comprovar seu equivocado raciocínio, segundo o qual os avanços na Cultura, durante o Governo Lula, teriam ocorrido “apesar"do PT.

O instrumental político do Partido dos Trabalhadores serviu e serve de base para a construção de muitas políticas em implantação no Ministério da Cultura – construção que não nasce do Governo, mas existe desde o início do PT, com a adesão de diversos intelectuais e artistas ao nosso projeto de país, no que se refere às questões culturais e para além delas.

Data da década de 80 a primeira publicação do partido sobre o tema, denominada “Política Cultural”, com contribuições de Antonio Candido, Edélcio Mostaço, Lélia Abramo e Marilena Chauí. O livro foi editado pela Fundação Wilson Pinheiro, instituição anterior à Fundação Perseu Abramo.

É interessante notar que o texto de Avelar aponta para a suposta “ausência” do PT justo no momento em que a Fundação Perseu Abramo – criada em 5 de maio de 1996 – lança duas novas publicações sobre a temática: As Políticas Culturais e Governo Lula, de Albino Rubim, reconhecido estudioso da temática na UFBA e atual Secretário de Estado de Cultura da Bahia; e a coletânea de textos A Criação de um novo futuro na Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Esportes e Juventude, da Coleção Brasil em Transformação 2003-2010, resultado de oficinas entre diferentes construtores das políticas.
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A trajetória do PT enquanto gestor da Cultura não se iniciou no governo Lula. Aquilo que convencionamos chamar de ‘O modo Petista de governar’ começou nas gestões locais e vem se consolidando no plano nacional. No início do governo Lula, o Ministro Gilberto Gil citou o programa de governo “A imaginação à Serviço do Brasil”, construído por diversos segmentos e muitos gestores locais como Márcio Meira, Hamilton Pereira, Antonio Grassi, João Roberto Peixe, Sérgio Mamberti, Margarete Moraes, Marco Aurélio Garcia e muitos outros colaboradores. Boa parte das perspectivas adotadas, como o conceito das três dimensões da Cultura – simbólica, cidadã e econômica – ou a visão antropológica do fazer-saber cultural, estão presentes neste emblemático documento.

É importante ressaltar, mais uma vez, que esse conjunto de conceitos não surgiu espontaneamente em 2002, mas estava em construção desde a campanha presidencial de 1989. Em 2002 demos um salto, promovendo seminários regionais que agregaram ao debate centenas de militantes da área, filiados ou não ao partido.

Um dos maiores equívocos conceituais do texto de Avelar é associar o PT ao modelo ‘bom negócio’ da Lei Rouanet, desconhecendo (ou omitindo) que nossa formulação aponta tradicionalmente para a construção de alternativas ao financiamento da cultura, tendo como eixo fundamental os fundos e editais públicos, o que constitui campo de força para o fim do mecenato como tal. Não fosse assim, uma de nossas bandeiras não seria o Sistema Nacional de Cultura, baseado no conjunto CPF – Conselho e Conferência, Plano e Fundo, unindo integração de conceitos com participação social, distribuição de recursos de forma federativa e descentralizada e planejamento de longo prazo.

A ampliação do debate em torno deste e outros temas deu impulso fundamental para a criação da Secretaria Nacional de Cultura PT e respectivas instâncias regionais, hoje consolidadas em 24 estados da federação. Se, antes, nos reuníamos basicamente nos momentos eleitorais, ganhamos ao longo deste período complexidade e capilaridade, reunindo milhares de militantes que constroem no dia-a-dia um universo de políticas culturais nos diversos níveis governamentais e movimentos sociais.

“Ser petista” do século 21 tem muito a ver com um estado de reconhecimento identitário que se desenvolve e se manifesta em diversos níveis de militância. Para aqueles que não vivem o cotidiano orgânico partidário, pode ser mais simples afirmar a ausência de algo do que participar ativamente da construção de projetos coletivos. O amplo debate e a busca de consensos tem sido uma das marcas fundamentais deste partido com quase um milhão e meio de militantes filiados e com elevado grau de diversidade de forças políticas e pensamentos.

Por certo o Partido dos Trabalhadores não é o único espaço-local de produção e formulação de políticas culturais, mas não será necessária uma pesquisa aprofundada para verificar que foi pioneiro na incorporação da dimensão cultural no seu programa partidário, com resoluções sobre diversos aspectos e políticas estabelecidas no país. Exemplo prático está na formulação de leis e projetos que tramitam no Congresso, a maioria a partir de proposição de parlamentares petistas. Qualquer cidadão, ao verificar as leis em tramitação e as já aprovadas, pode comprovar este fato, seja na emenda constitucional sobre o Plano Nacional de Cultura, na PEC 150 do Orçamento da Cultura, na PEC do Sistema Nacional de Cultura e em tantas outras.

O PT também é pioneiro em publicações que orientam o debate interno, contribuindo para o desenvolvimento da prática na gestão cultural e nos movimentos – todas disponíveis no site do Partido na página da Secretaria Nacional de Cultura ( http://www.pt.org.br/portalpt/secretarias/cultura-15.html ).

Durante os oito anos do Governo Lula, o PT participou em diversas esferas da gestão do Ministério da Cultura e discutiu diretamente com os gestores os rumos e práticas do MinC. Isso implica não somente compromissos com os resultados, mas também a co-autoria de muitas das inovações e práticas. Novas tecnologias e meios surgiram e a gestão soube acolher e dar oportunidade de crescimento e desenvolvimento a elas, como, por exemplo, à Cultura Digital – que, vale o registro, teve debate específico na campanha de Dilma realizado pela Secretaria Nacional de Cultura do PT em conjunto com diversos militantes do segmento.

As diretrizes propostas para o Governo Dilma foram apresentadas e construídas num processo muito amplo. Ele se iniciou no Congresso do PT em fevereiro de 2010, onde as bases programáticas do PT foram estabelecidas; se ampliou no debate interno, com contribuição de agentes da sociedade; e entrou durante a campanha numa comissão ampla que incluía todos os partidos da coligação. O resultado é público, e é nele que devemos nos pautar para fazer as cobranças necessárias enquanto Partido político no poder e base de sustentação do Governo.

A área da Cultura tem para os próximos quatro anos um programa que aponta os desafios colocados para os avanços, inclusive conceituais, das conquistas obtidas no Governo Lula. Identificar qualquer iniciativa da gestão atual como “ruptura” nos coloca acomodados num determinado degrau, quando temos uma enorme escada para subir.

Toda oportunidade de debater política pública deve ser aproveitada e reconhecida. Mas rebaixar o debate para o nível das acusações genéricas, sem lastro na realidade, não leva a parte alguma – embora possa servir bem àqueles se movem por interesses outros.

Nosso horizonte continua onde sempre esteve.

*Morgana Eneile é secretária nacional de Cultura do PT.