Apresentada como solução, a venda paulatina da Petrobras, fatiada, é a principal explicação para o alto preço dos combustíveis e do gás de cozinha. A outra razão é que a Petrobras, desde o governo Temer até o governo Bolsonaro/Guedes, adotou uma política de preços como se o Brasil não produzisse petróleo e fosse obrigado a pagar os valores que os exportadores cobram. No fundo, as duas razões têm origem na mesma visão privatista.

É isso, e não o ICMS, como afirmou, em mais uma de suas fake news, o presidente da República. As alíquotas do ICMS sobre a gasolina estão no patamar médio de 28% desde 2016. Se o ICMS não subiu, então esse imposto não explica o problema. Parafraseando antigo assessor do então candidato Bill Clinton, poderíamos dizer: “É a entrega da Petrobrás, estúpido”.

O tema foi debatido na noite do dia 1º de setembro no programa Pauta Brasil, da Fundação Perseu Abramo, com os convidados Carla Ferreira, socióloga e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), e William Nozaki, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e coordenador técnico do Ineep. Ambos são colaboradores dos NAPP’s (Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas) da Fundação Perseu Abramo.

A primeira das razões para a alta de preços dos combustíveis, a venda sequencial e fatiada da Petrobras, diminuiu a capacidade de o Brasil produzir e distribuir combustível. As novas regras pós-golpe estão concentrando o trabalho de exploração de petróleo e gás nas reservas de pré-sal na região Sudeste. A Petrobras já vendeu sua distribuidora, a Braspetro, sua rede de postos e até mesmo dutos. A empresa e o Brasil ficaram mais dependentes de empresas estrangeiras para que os combustíveis cheguem às bombas.

A intenção de vender mais ativos já colocou na mira também oito das 13 refinarias que a estatal ainda possui. Para preparar a venda, o comando da empresa, sob inspiração e proteção do governo, reduziu para 76% a capacidade de refino dessas 13 unidades. O Brasil passou, portanto, a produzir menos combustível pronto para uso e agora importa parte dele, quando poderia ser autossuficiente.

A outra razão do alto preço dos combustíveis é a adoção de uma política de preços baseada na cotação internacional do barril. “Isso faz sentido quando um país é dependente da exportação de petróleo, ele fica amarrado aos preços do mercado internacional. Mas o Brasil não. Como é produtor, poderia ter autonomia, não precisa ficar refém”, comentou Carla.

A especialista destacou que essa política de preços ganhou maior reforço por conta da entrada no mercado brasileiro de empresas importadoras de petróleo, que passaram a ocupar 30% do mercado. Tais empresas, argumenta ela, exercem pressão para que o preço internacional seja mantido como referência, o que significa maior lucro.

Outro fator que explica a adoção dessa política é a prioridade dada pela empresa ao pagamento de lucros e dividendos a seus acionistas. “Há uma máxima do setor de petróleo e gás que diz: ‘do poço ao posto’. Hoje há uma nova: ‘da Bolsa ao bolso’”, afirmou Nozaki.

Artur Araújo, mediador do programa, lembrou que de todos os ativos já vendidos pela Petrobras ou com previsão de venda – nos setores petroquímico, fertilizantes, distribuição, revenda, extração e outros – sempre atraíram compradores. “Esses compradores são maus capitalistas, não sabem fazer contas e vão adquirir empresas que não dão lucro ou que são ineficientes? Quem é o bobo nesta história?”, provocou.

“Ninguém está fazendo o que a Petrobras está fazendo. Mesmo empresas privadas estão em direção oposta, verticalizando suas operações, integrando as diferentes etapas de produção e distribuição. Eu gosto de citar o exemplo da Shell. Ela está comprando ativos no Brasil que pertenciam à Petrobras”, disse Nozaki.

“A Petrobras tem agido no curtíssimo prazo, sem visão estratégica. Está na contramão do mundo”, afirmou Carla. Por conta dessa visão “estrita”, nas palavras da pesquisadora, a gasolina já sofreu 107 alterações de preço desde Temer, trajetória errática que impede previsibilidade na macroeconomia e, pior, impacta na vida dos mais pobres: 10% do preço da cesta de consumo do trabalhador corresponde ao preço dos combustíveis, que impactam no custo de produtos básicos.

Reveja o programa aqui.

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