Li que o Rio, de população muito menor, tem mais academias de ginástica do que São Paulo. Duas explicações: os cariocas se dedicam mais ao cuidado do corpo ou têm mais disponibilidade de tempo para o trato pessoal.

Li que o Rio, de população muito menor, tem mais academias de ginástica do que São Paulo. Duas explicações: os cariocas se dedicam mais ao cuidado do corpo ou têm mais disponibilidade de tempo para o trato pessoal.

Acredito mais na primeira hipótese, seja porque os cariocas usufruem da imensa orla da praia e têm muito mais oportunidades, e até mais gosto, para a exposição do corpo; seja porque, na distribuição do tempo escasso, desenvolveram uma tradição de prioridade maior ao senso estético da figura pessoal. Isso é um julgamento da observação pessoal, superficial, muito ao gosto do político, que sou, que sempre precisa encontrar respostas rápidas para questões profundas. Os cientistas, os acadêmicos obviamente rejeitam essas razões. Mas aqui vou ficar com elas, até pela falta de outras mais acuradas.

O cuidado com o corpo é também um cuidado com a saúde; essa é uma visão nova, da modernidade, presente hoje no mundo inteiro. E há academias muito especiais de ginástica medicinal, onde os clientes são submetidos a uma minuciosa avaliação prévia e depois a exercícios dosados e monitorados quase como num hospital, seguidos de reavaliação semestral capaz de mostrar os resultados.

Estamos falando, porém, das motivações e das academias ordinárias, que prometem a esbeltez e a moldagem do corpo. E o que quero trazer em paralelo às minhas considerações é o outro tipo de cuidado humano, correspondente à outra face do ser: quero falar dos cuidados da alma. E começar dizendo que a minha sensação é de que, nesta preocupação, como na do corpo, os cariocas são, também, mais dedicados que os paulistas. Refiro-me à dedicação aos afetos, sentimentos, amizades, confraternizações, ao lazer em grupo, o chamado “happy hour”, à música particularmente e à arte em geral, à religião, às leituras como um todo. Outra vez é puro sentimento, não tenho nenhuma informação organizada.

Faço esses julgamentos e os tenho reforçados pela freqüência com que vejo cariocas que querem ganhar dinheiro mudarem-se para São Paulo, submetendo-se muitas vezes à rotina cruel da ponte aérea toda semana para não perder o vínculo com o Rio, como se observassem uma lei que diz: ganhar dinheiro é em São Paulo; viver é no Rio.

Neste ponto, todavia, cariocas e paulistas estão submetidos à mesma tortura diária dos exaustivos deslocamentos   casa-trabalho, que frequentemente consomem quase duas horas na ida e outras tantas na volta; tiradas do descanso, do lazer e das ocupações da alma. Um verdadeiro horror em termos de qualidade de vida.

E é aonde quero chegar: na afirmação da necessidade humana, fundamental, de dispor de mais tempo para esses cuidados essenciais do ser, do corpo e da alma. Necessidade fundamental que requer, imprescindivelmente, a redução da jornada de trabalho.

Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ) e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo