Cidadania Cultural – O direito à cultura (clique aqui para acessar o livro) foi lançado, originalmente, em 2006 pela Fundação Perseu Abramo. Passados quinze anos, trazemos nova edição revista e ampliada, e gratuita ao público na versão digital. Como toda a obra de Marilena Chaui, é imprescindível.

O livro é dividido em quatro ensaios, em que a filósofa trata de questões centrais do debate político e intelectual, retoma discussões sobre o nacional e o popular na cultura e apresenta um balanço de sua atuação na Secretaria Municipal  de Cultura de São Paulo no início dos anos 1990 (governo Luiza Erundina, à época no PT). Ali, Chaui interliga a questão do direito à cultura e à memória – como um importante elemento de construção das identidades e da cidadania –, participação nas decisões de políticas culturais.

O capítulo que sistematiza sua experiência como gestora pública relata dificuldades com a precarização dos equipamentos, barreiras jurídicas, impasses com o Legislativo e iniciativas frustradas. Mesmo assim, sua gestão introduziu o conceito de cidadania cultural no programa de governo, os mecanismos de participação social e as ações descentralizadas que possibilitaram a criação dos, ainda, poucos equipamentos culturais nas periferias.

Quando assumiu, em 1989, a Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo – (SMC), Chaui impôs uma conduta de valorização da cultura. Foi nesta mesma direção que as ações, na instância federal, com a chegada de Lula ao poder, continuaram. Agora, um documento que se tornou histórico, Chaui publicou em carta aberta da SMC no qual trazia o seguinte enunciado:

“A Secretaria Municipal de Cultura não será produtora de cultura nem dirigirá a cultura sob perspectiva doutrinária. A esta secretaria caberá estimular e promover as condições para que a população desta cidade crie e frua invenção cultural. Sem dúvida, esta secretaria, não tendo o monopólio das iniciativas culturais, terá o direito de receber, discutir, avaliar e propor projetos que lhe venham da sociedade tanto quanto aqueles que venham de seus próprios funcionários, também participantes da vida cultural da cidade.

Um sistema interno e externo de colegiados, fóruns e conselhos será desenvolvido com a finalidade de abrir o campo à participação dos cidadãos e dos funcionários-cidadãos, na mudança da paisagem cultural de São Paulo.”

Apontava três elementos, historicamente herdados e a serem vencidos para que se consolidasse uma política cultural de produção da autonomia humana e da inclusão social: a) o poder público como produtor da cultura, dos conteúdos e das formas sob as quais a população estaria subordinada, reforçando todo o processo de domínio e controle hegemônico, a partir de determinadas expressões culturais; b) a tradição dos governos populistas que estabelecia a divisão dicotômica entre cultura de elite (da classe dominante, portanto a cultura certa, correta e verdadeira) e a cultura popular (da classe dominada, consequentemente nula, sem valor social ou de representatividade de uma nação); e c) O surgimento do estado neoliberal, com seu papel de articulador da cultura reduzido, deixando a cargo da indústria cultural os direcionamentos sobre conteúdos e produtos culturais oferecidos à população.

Assim foi definido, no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) de São Paulo, o conceito de “cidadania cultural”, uma maneira de enfrentamento das condições a que a cultura era submetida.

A nova edição de “Cidadania cultural: O direito à cultura” foi ampliada com um texto inédito de Chaui, intitulado “Duas notas sobre a cultura no mundo virtual”, presente como posfácio. No intervalo de uma década e meia a sociedade viveu intensa mudança provocada pelas revoluções no campo técnico-industrial, da inteligência artificial, do automatismo, da comunicação e da informação. Chaui busca refletir, com profundidade, esse novo mundo.

Segundo Chaui, “surge a expressão sociedade do conhecimento. Com ela, pretende-se indicar que a economia contemporânea se funda sobre a ciência e a informação, graças ao uso competitivo do conhecimento, da inovação tecnológica e da informação nos processos produtivos e financeiros, bem como de serviços como a educação, a saúde e o lazer”. E segue apontando um problema: “saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que controla a sociedade”.

Um mundo no qual surge, também, “um novo tipo de mercado em que o cliente, ou melhor, o usuário é transformado em mercadoria”. E discute o mundo virtual, “desprovido de espessura temporal e espacial”, no qual a revolução informática e a cibernética modificaram o conceito de virtual, aquele que já é real, que aguarda atualização e que pode ser infinitamente atualizado.

Instigante e provocativo, o livro eleva e combate a discussão rasa que se impôs na sociedade brasileira após o golpe jurídico-parlamentar de 2016, onde foi interrompido o segundo governo Dilma Rousseff, legitimamente eleito. A cultura compõe o conjunto de instrumentos fundamentais para a emancipação do sujeito e do povo, pois isso foi atacado desde os primeiros instantes do golpe e continua sendo ainda hoje, durante todo o atual governo.

Cultura e política sempre estiveram no radar de Marilena Chaui, intelectual de expressiva grandeza na constelação da esquerda brasileira e do Partido dos Trabalhadores (PT). Já em 1985, Chaui participava de um documento da Secretaria Nacional de Cultura do PT, escrito por ela, Antonio Candido, Lélia Abramo e Edélcio Mostaço (Fundação Wilson Pinheiro; Editora Mercado Aberto, 1985). Ali, neste pequeno livro intitulado Política Cultural, logo em seu primeiro parágrafo, lemos o seguinte:

“Se a cultura fosse algo de menor importância, seria incompreensível a atenção que lhe é dada pelo Estado contemporâneo e a expansão dos meios de comunicação de massa como instrumentos de legitimidade da ordem vigente e de conformismo social e político.” (1985, p. 5)

Que bom ter Marilena Chaui ao nosso lado! Convidamos você a ler, ou reler, Cidadania Cultural: o direito à cultura. O livro está disponível neste link. Boa leitura!

Rogério Chaves e Raquel M. Costa compõem a área de publicações da Fundação Perseu Abramo, coordenador e assistente editorial, respectivamente.

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