Sem empregos, PIB não cresce de verdade, dizem jovens economistas
Muito comemorado por alguns, o crescimento do PIB do governo Bolsonaro no primeiro trimestre, de 1,2% na comparação com o período anterior, não é só pequeno. É inconsistente e continuará passando despercebido pela maioria da população.
A elevação é débil porque, fundamentalmente, acontece ao mesmo tempo em que o desemprego não recua e aproximadamente metade da população do país se encontra sem trabalho, subocupada, na informalidade ou desistiu de procurar trabalho.
Além de débil, muito provavelmente esse crescimento não vai durar, porque sem demanda – isto é, sem quem possa consumir produtos e serviços – os limites são claros. E toda essa combinação vai continuar turbinando a desigualdade social.
Para os jovens economistas Lígia Toneto e André Calixtre, convidados do programa Pauta Brasil desta quarta-feira, 2 de junho, cujo tema foi “O que se Passa com os Empregos no Brasil”, esse quadro não merece comemoração.
“Como pode a economia crescer, ainda que pouco mais de 1%, enquanto o desemprego se mantém? E o quê esse crescimento sem emprego pode causar no futuro?”, indaga Lígia, integrante do coletivo de jovens economistas Desajuste: Economia Fora da Curva e também dirigente do PT-SP. Ela mesma responde: “Os setores que motivaram esse crescimento são aqueles que menos geram empregos, que são o agronegócio, a indústria extrativista e uma parcela do setor de serviços”.
Segundo ela, os dois primeiros foram beneficiados pelo aumento das commodities no mercado internacional. No caso da indústria extrativista, parte desse impulso veio do petróleo, que além da subida de preços internacionais, no Brasil sofreu reflexos da parada para manutenção de plataformas, no segundo semestre, o que pode representar resultado apenas sazonal.
No setor de serviços, enquanto lojas e restaurantes, entre outros segmentos que geram bastante emprego, fechavam as portas ou demitiam, aqueles que cresceram foram nichos como os de comunicação e de análise financeira, pouco intensivos em contratações.
Com a redução do valor e do alcance do auxílio-emergencial, por um lado, e o aumento da inflação de alimentos e outros itens essenciais, por outro, somados à queda ou desaparição da renda, a população não percebe nenhum efeito do PIB em sua vida. Impressão que, inclusive, foi captada em reportagens e entrevistas da grande mídia ao longo do dia.
A fissura entre crescimento econômico e o bem-estar da população deve piorar, segundo os debatedores do programa. “Nós temos hoje o pior mercado de trabalho de nossa história, apesar deste crescimento que está sendo muito comemorado. Estamos caminhando para uma sociedade em que as pessoas não terão mais direito ao trabalho”, afirma André Calixtre, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
“E o salário é a oportunidade mais consistente de mobilidade social no contexto capitalista. Sem tirar a importância de políticas sociais, como Previdência Social ou Bolsa Família”, lembra. “Mas fazer política social sem emprego e sem salário não é possível”.
A mediadora Elen Coutinho, diretora da Fundação Perseu Abramo, destaca que o crescimento do exército social de reserva, composto de desempregados que facilitam a vida dos especuladores e exploradores de toda a sorte, é um objetivo e uma ferramenta expressos do capitalismo. “E quanto mais pessoas nessas condições, mais violência de Estado para conter a população”, comenta. “Por isso é cada vez mais necessário retomar o papel de investimento do Estado para impulsionar e orientar a economia”.
O futuro dessa estratégia adotada pelo atual governo federal não é promissor. “As causas e a natureza desse crescimento do PIB vão aumentar as desigualdades, pois beneficiam empregos mais bem remunerados e eliminam os demais. Isso já se faz sentir, por exemplo, nas taxas de desemprego de homens e mulheres”, destaca Lígia. “Em 2015, essa diferença estava na casa dos 7% para mulheres e 5% para os homens, um intervalo bem menor do que o atual, de 18% e 12%”.
Na opinião de André, o desafio é recolocar a participação do trabalho na renda nacional como prioridade, numa “perspectiva humanista da economia”. Para tanto, um bom ponto de partida, aponta ele, são as propostas do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, elaborado pela Fundação Perseu Abramo, com participação de mais de 600 especialistas de diferentes áreas. “Precisaremos do Estado como empregador de última instância, gerando empregos públicos provisórios para reconstruir o mercado de trabalho, a la New Deal. Não é à toa que o Biden recupera parte desse ideário. Temos de impulsionar novamente o gasto social para dar conta da Constituição de 88 – gastos que inclusive geram emprego. E uma reforma tributária ousada”.
Lígia procurou encerrar sua participação no programa com uma nota otimista. “A percepção das pessoas está mudando, talvez da pior forma. Antes havia uma criminalização do papel do Estado, e essa ideia vai mudando. O crescimento do Lula nas pesquisas é uma amostra disso”.
André, apesar de afirmar que o Brasil está “se dissolvendo” e de que “a letargia diante das mortes” por Covid-19 seria uma prova disso, disse ter confiança que o mundo sairá com uma compreensão do papel da economia melhor do que a que tinha antes da pandemia. “Meu medo é o Brasil. Eu espero que nosso país saiba participar das mudanças valorizando a inteligência, a diversidade e participação popular. Ou seja, o contrário do que está acontecendo agora”.
Você pode assistir a gravação do debate aqui.