O Pauta Brasil recebeu no dia 21 de abril os economistas e ex-presidentes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Francisco Menezes, analista de políticas públicas da ActionAid e integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e Renato S. Maluf, coordenador do Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Ceresan) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PenSSAN), para debater o combate à fome e o auxílio emergencial. A mediação foi da economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Renato S. Maluf já começou sua intervenção lembrando que já há um ano era previsível que a crise sanitária seria sucedida por uma crise alimentar e nutricional. Utilizando dados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (IBIA), Maluf mostrou a trajetória de diminuição da fome registrada entre 2004 a 2013, durante os governos Lula e Dilma, quando 77,1% das famílias viviam em segurança alimentar, e de aumento da fome registrado desde 2017. No ano passado, apenas 44,8% das famílias viviam em segurança alimentar e nutricional e cerca de 19 milhões de brasileiros conviviam com a fome.

“Havia um processo já em curso, anterior à pandemia, de reversão naquela tendência virtuosa”, aponta, indicando o desmonte das políticas sociais após o golpe de 2016 e a crise econômica como principais causa. “O que a pandemia fez foi aprofundar esse processo, a ponto de chegarmos a essa situação”. Diante disso, levantou um problema a ser discutido: “como é possível se retroceder tanto em tão pouco tempo, que características da sociedade brasileira estão reveladas nesse tipo de inflexão?”.

Para ele, o enfrentamento à fome é urgente. “O enfrentamento de maneira urgente é com o auxílio, pelo menos com os valores do ano passado. Notem que os dados apontados são de dezembro, quando já estávamos há três meses com o auxílio pela metade. Se essa pesquisa tivesse sido feita em março, com três meses sem auxílio, é provável que esses dados fossem ainda piores. A pesquisa concluiu primeiro que é necessário retomar o Auxílio Emergencial imediatamente, com valores significativos, pelo menos os R$ 600 do ano passado. Segundo: é necessário recompor as políticas e iniciativas que recoloquem dinâmicas associadas a programas de abastecimento etc.”.

Por fim, citando a pesquisa “Olhe para a fome”, Maluf lembrou que a fome tem um rosto. “Está bastante evidente na nossa pesquisa que quando a chefe do domicílio é mulher, quando ela é de cor parda ou preta, quando ela tem baixa escolaridade, a vulnerabilidade é maior e a incidência da fome é maior”.

Tereza Campello lembrou que já há quatro meses milhões de famílias estão sem o Auxílio Emergencial e que boa parte dessas famílias não tem nenhuma outra fonte de renda. “O grau de vulnerabilidade é extremo: o desemprego é crescente no Brasil e quem está trabalhando está com uma renda menor”. Segundo ela, não se pode naturalizar a condição de fome, uma vez que pesquisas apontam um aumento da insegurança alimentar desde 2015, gerado pelo aumento do desemprego, diminuição na renda e pelo desmonte da rede de proteção social. Para dar prosseguimento à discussão, a ex-ministra pergunta: como sair dessa situação gravíssima?

Francisco Menezes iniciou sua participação reforçando a necessidade de se valorizar o monitoramento de políticas públicas e acompanhamento da realidade que elas impactam. Segundo ele, as pesquisas já começaram a apontar a partir de 2016 um empobrecimento da população. “É muito importante que a gente consiga discernir que, na realidade, aquilo que se aponta como efeitos da crise, melhor seria que se apontasse como as escolhas que foram feitas para o enfrentamento da crise”. Segundo ele essas escolhas passam pela Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, pelas reformas Trabalhista e da Previdência, e pelo desmonte das políticas públicas, o que empobreceu ainda mais as camadas mais pobres da população, fazendo com que pagassem a conta de uma crise que não foi gerada por elas.

“Eu frisaria um outro aspecto que também é pouco citado, que é a política antiambiental que vem sendo levada pelos últimos governos, sobretudo pelo atual. Ela cria forte impacto sobre populações mais vulneráveis, sejam povos indígenas ou quilombolas, populações tradicionais, muitas delas que vivem da produção para o autoconsumo e que vão encontrando cada vez mais dificuldades para exercer esse tipo de atividade e se sustentar minimamente”. Um outro fator apontado foi a desestruturação institucional. “Há de se lembrar o que imediatamente se fez em relação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e recordar que o primeiro ato do governo atual foi, entre as medidas de reestruturação, a extinção do Consea, antes até de qualquer outro conselho”.

Para ele, o Brasil já se encaminhava para o quadro atual de insegurança alimentar, que não teria sido criado pela pandemia, mas acelerado por ela. “Eu arriscaria dizer que não será saindo do momento mais grave da pandemia que os problemas começarão a se resolver. Ainda há muito a fazer. Diante do quadro em que estamos, precisamos de medidas absolutamente emergenciais, medidas que consigam apresentar resultados em um prazo mais curto”. Segundo ele, tomando por base uma pesquisa do Datafolha, de dezembro, que apontava que o Auxílio Emergencial era a única renda de 36% das famílias que o recebiam, é possível afirmar que ao menos 20 milhões de pessoas foram deixadas em situação de absoluto abandono com o fim do auxílio. Menezes afirmou ainda que, além das medidas emergenciais, é necessário frear a tendência de desmonte do Estado, retomando políticas que já haviam provado sua efetividade.

Assista à íntegra:

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