Texto de Batista N. Silva, sobrevivente do Massacre de Eldorado e militante do MST/PA

 

A manhã principiava entre as nossas ânsias! Era mais uma noite que terminava deixando uma lacuna incerta às virtudes óbvias do que queríamos – nossos sonhos: Terra; Paz; Pão; Moradia; Saúde; Educação e Dignidade. Era só o que queríamos! Tão pouco para a dignidade democrática de uma nação. Para a dignidade de Homens, Mulheres e Crianças que teriam a utopia de seus sonhos ceifados por ações covardes daqueles que não carregam em si a valorização dos princípios básicos de amor a vida humana em sua essência na própria condição de ser humano.

Quando a aurora do dia emergia, o carro – de – som despertava-nos para mais um dia de luta e resistência contra o imperialismo latifundiário e capitalista da região. Não sabendo nós que o trágico estava prestes a acontecer. Pois era 17 de abril do ano de 1996.

Era cedo, início do dia 17, quando toda multidão interdita a antiga PA 150, hoje BR 155, lugar que em poucos instantes se tornaria no cenário – palco do Massacre de Eldorado. Onde o entoar de nossos cantos em meio os gritos de ordens seriam silenciados; substituídos – pelos sons de disparos de fuzis e metralhadoras e de bombas lacrimogêneas em meio aos gritos enfurecidos dos assassinos com armas em punho para matar trabalhadores, tornando em silêncio nossas vozes e, assim, emergindo apenas, murmúrios e gritos desvalidos de dor, perda e angustias. Não esperávamos! Fomos surpreendidos por uma conjuntura que começava a causar-nos perplexidade quanto ao inesperável, pois naquele momento, era aproximadamente 15 horas da tarde, quando apresenta o comandante com seus soldados munidos de armas e munições para matar e mutilar trabalhadores sem terra.

Minutos depois, as atenções se intensificam quando outros ônibus, vindo de Marabá chegam ao local trazendo mais soldados armados para a mesma missão (massacrar trabalhadores sem terra), dando início a uma nova página nas vidas de quem ali estava com uma única certeza de um dia poder olhar e contemplar um horizonte sem as fronteiras do capital perverso impregnada na sociedade vigente. Éramos norteados pelo simples objetivo de plantar e produzir o sustento dos descendentes numa terra livre da concentração do latifúndio.

Mas, o espírito do estado capitalista que gana lucro de seu capital em detrimento de vidas humanas rompeu com o sonho, a alegria e a dignidade de homens, mulheres e crianças: seres humanos que lutavam para serem Sujeitos ativos na construção de uma nova história – as suas próprias histórias.

O Massacre de Eldorado do Carajás foi um momento de covardia e crueldade que proporcionou à Eldorado, ao Pará, ao Brasil e ao Mundo, um estado de tensão permanente daqueles que valorizam a vida e se solidarizam com a impunidade.

Ressalto que o Massacre de Eldorado seria para os opressores [mandantes e executores] o trunfo para barrar a luta dos trabalhadores camponeses pela posse da Terra na região Sul e Sudeste do Pará. Uma repressão com aquela dimensão ao MST que consolidava uma nova metodologia de luta pela conquista da terra na região de vasta concentração de latifúndios – na sua grande maioria em terras griladas da União e do Estado do Pará, intimidaria todas as ações vindouras dos movimentos de luta pela terra, que confrontavam os interesses dos latifundiários e da mineradora Vale, tendo como resultado imediato para a democracia social da nação brasileira 19 trabalhadores assassinados e 69 mutilados pela ação policial, com mais três mortos posteriormente, em decorrência das sequelas do conflito.

Sem norte e com um olhar perplexo – eu presenciei com estranheza aquele cenário modificado de forma drástica pela perversidade dos assalariados da morte. Isso vivenciei aos 15 anos de idade. Uma experiência em contraste com a adversidade durante esses 25 anos de Massacre e impunidade generalizada dos autores daquele cruel e covarde ato do Estado através de sua força representada pelos policiais executantes.

Essa é uma lembrança em tom de homenagem aos homens, mulheres e crianças que, assim, como eu, viram perder quase tudo ou tudo naquele fatídico dia. E, que por vezes as memórias tentam apagá-las, por esquecimento ou desrespeito. Mas, só não morre a esperança de uma vida melhor num mundo de respeito aos valores humanos, de uma Terra verdadeiramente Livre de todas as cercas da ignorância que cessam a nossa Liberdade e a Dignidade Humana – onde tenhamos justiça social e os direitos e deveres são em suas totalidades iguais para Todos.

Por isso, a luta em forma de resistência continua e, assim, seguimos firmes e emanados nos pressupostos de mantermos viva em nossas memórias e corações a determinação de lutarmos sempre na preservação coletiva dos legados dos nossos Mártires da luta pela terra tombados pelo regime de opressão e de injustiça social. Aqui são apresentados não somente os nossos Mártires de 17 de Abril de 1996, mas também, a freira Irmã Adelaide assassinada no terminal rodoviário de Eldorado, do sindicalista Arnaldo Delcidio Ferreira e tantos outros assassinados a mando do latifúndio no território Eldoradense e região do ciclo dos Carajás. Eldorado do Carajás é, sobretudo um território formado por conflitos agrários.

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