Há 115 anos os operários brasileiros e imigrantes realizavam um primeiro encontro sindical nacional. Edilene Toledo, historiadora estudiosa do período, aponta quais as questões políticas que enfrentavam aqueles trabalhadores no seu processo de organização e também as reivindicações pelas quais em consenso lutar nacionalmente. No momento atual, marcado pela enorme precarização do trabalho, perdas de direitos trabalhistas e dificuldades na organização sindical, entender que a organização dos trabalhadores foi uma conquista os recoloca como sujeitos históricos de um processo em constante transformação.

Primeiro Congresso Operário Brasileiro

Edilene Toledo

No dia 15 de abril, comemoramos o aniversário de 115 anos do Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Esse primeiro congresso operário nacional foi realizado no período de 15 a 20 de abril de 1906, no Rio de Janeiro. Foi o primeiro esforço de luta coordenada entre os trabalhadores de várias partes do país. Estiveram presentes 43 delegados de 28 sindicatos de vários estados, de categorias como ferroviários, gráficos, estivadores, chapeleiros, alfaiates, sapateiros, trabalhadores de indústrias, entre outros. Os brasileiros e imigrantes nele reunidos eram herdeiros da longa tradição de luta por melhores condições de vida e de trabalho no nosso país e compartilhavam também as ideias e práticas sindicais que circulavam intensamente de um país a outro naquele início do século XX.

A influência do sindicalismo revolucionário, teoria e prática que caracterizava grande parte do movimento sindical em várias partes do mundo no período, com a defesa da ação direta dos trabalhadores, é bem clara no congresso. Os trabalhadores reunidos revelaram sentir-se parte do movimento sindicalista internacional e as resoluções foram muito mais sindicalistas que revolucionárias. Discutiu-se um conjunto vasto de questões práticas que evidenciam as dificuldades encontradas pelos trabalhadores cotidianamente.

As questões discutidas foram preparadas e propostas com antecedência por várias organizações. O tema da neutralidade dos sindicatos foi o primeiro. Decidiu-se que, considerando que o operariado estava profundamente dividido pelas suas opiniões políticas e religiosas, o congresso deveria aconselhar os trabalhadores a se organizar em sociedades de resistência econômica e de ação direta, deixando fora do sindicato as rivalidades que resultariam da adoção de uma doutrina política ou religiosa. Consideravam que a identidade de classe deveria se sobrepor às demais.

Decidiu-se também que: o Primeiro de Maio deveria ser um dia de protesto e não de festa; as caixas mantidas pelas organizações deveriam ter como objetivo a resistência; as associações operárias deveriam adotar o nome de sindicato; deveriam evitar a existência de funcionários remunerados nos sindicatos e que, em caso de necessidade, pelo acúmulo de trabalho, o salário não deveria ser superior ao salário da profissão à qual o secretário se dedicava anteriormente; os sindicatos deveriam substituir as diretorias por comissões administrativas; os sindicatos não poderiam admitir empregadores e contramestres, os meios de ação dos sindicatos deveriam ser a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem e as manifestações públicas; os principais objetivos dos trabalhadores deveriam ser a redução das horas de trabalho, a fundação de bibliotecas e instituições de ensino e a atividade sindical; a propaganda do sindicalismo deveria ser feita através de jornais, folhetos, cartazes, manifestos, conferências, excursões de propaganda, representações teatrais e criação de bibliotecas; os trabalhadores não deveriam se sujeitar a multas; deveriam instigar os sindicatos a empreenderem uma propaganda ativa em prol das oito horas, sem diminuição de salário; deveriam lutar contra a intervenção da polícia e do exército nos conflitos entre trabalhadores e empregadores e lutar para garantir o direito de reunião; deveriam criar escolas para os filhos de trabalhadores; em caso de acidentes, o sindicato deveria arbitrar a indenização e forçar o empregador a pagar através da ação direta; deveriam exigir pagamento semanal; em caso de falência da empresa, deveriam recorrer aos tribunais; deveriam realizar protestos contra as guerras e o militarismo; era necessária uma ampla campanha contra o alcoolismo; era necessário organizar as operárias; dever-se-ia convidar os pais a não mandarem as crianças para as fábricas; o operariado em geral devia lutar para impedir o aumento dos aluguéis e, finalmente, deveriam promover a propaganda e organizar sindicatos também nas fazendas e fazer uma campanha ativa de denúncias contra os abusos sofridos pelos trabalhadores rurais.

Várias dessas resoluções foram acolhidas pelas organizações operárias do país. O atendimento à chamada pela luta pelas oito horas, por exemplo, foi espetacular. O congresso lançou também as bases da Confederação Operária Brasileira, que passaria a funcionar em 1908. Constituiu um capítulo importante da luta dos trabalhadores no Brasil, por melhores condições de vida e de trabalho, mas também por democracia, de modo que as lutas e as organizações dos trabalhadores fossem reconhecidas como elementos legítimos na sociedade.

Veja também o artigo de Edilene Toledo, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado na décima edição da Revista Perseu: História, Memória e Política, intitulado “Para a união do proletariado brasileiro”: a Confederação Operária Brasileira, o sindicalismo e a defesa da autonomia dos trabalhadores no Brasil da Primeira República.

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