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Nilmário Miranda, presidente da Fundação Perseu Abramo enviou este diário de Dacar. Ele participa do Fórum Social Mundial, onde a Fundação está realizando atividades em conjunto com seus parceiros. As datas são as do envio das mensagens de Dacar para o Brasil.
 

13 de fevereiro
É o principal partido de oposição. Foi criado em 1957. Passou 20 anos na clandestinidade (décadas de 60 e 70). Apoiou Wade m 200, e hoje faz uma dura oposição a ele. Haverá eleições em 2012 e p PIT se unificou (e aposta na organização de uma ampla coalizão Benoo para ter um candidato único de oposição). Acusam Wade de ter implantado políticas neoliberais, de manipular as regras eleitorais para se perpetuar no poder, de ter realizado privatizações, e se aliado às empresas francesas (novas relações de dependência).

Há uma grande efervescência política e social no país. O PIT e o Benoo querem acompanhamento internacional das eleições para evitar a fraude. Segundo eles o cadastramento eleitoral não é confiável e haveria mais de um milhão de eleitores sem controle.

Calcula-se que 45 mil pessoas de 130 países foram à Dakar. O Fórum e a rebelião popular que derrubou dois ditadores puseram a África no centro dos acontecimentos, análises e discussões. As mulheres da África, o campesinato africano, os movimentos sociais na sua diversidade e pluralidade se articularam muito em Dakar.

Houve problemas. O governo não cumpriu o combinado e a Universidade tinha prometido 240 salas, e quando o FSM começou só cedeu 40 salas. As pessoas chegavam nestas e havia aulas. Com isso surgiram tendas espalhadas por vários cantos. O Fórum tem isso, capacidade de se auto-organizar.

Há males que vem para o bem. Não terá sido bom para os 12 mil estudantes conviverem por uma semana com os milhares de ativistas de toda a África e de todo o mundo, falando de outra medicina, uma nova economia, de desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero, direitos humanos, direito à moradia, em fim, direito a tudo que o ser humano tem direito?

11 de fevereiro
Nesta sexta-feira, dia 11 de fevereiro, fui ao Monumento. Trata-se de uma estátua gigantesca com um homem, uma mulher com o seio desnudo e uma criança, doado pela Coréia do Norte ao Senegal, com o nome "Monumento ao Renascimento Africano".

Dakar é uma cidade plana e o Monumento está erguido em uma pequena montanha de 150 metros de atitude. Dentro do Monumento há um museu de três andares. De lá se tem uma visão única da cidade. É uma península cercada pelo mar por três lados, e uma bela e majestosa visão.

É uma cidade africana que sofre com a crise dos capitalistas do outro mundo. Possui milhares e milhares de informais e de desempregados. Ao mesmo tempo parece em construção. Vias e edifícios modernos, hotéis, restaurantes, shoppings, comércio e etc, e não tem rede pública de transporte e nenhum semáforo. Milhares de taxis bem precários sem taxímetro. Em contrapartida, é uma cidade limpa. A universidade tem 12 mil alunos e moradores estudantis. E ai segue, com seus contrastes.

Ao contrário da notícia inicial, não nos sentimos inseguros em nenhum momento. Obras por todos os lados. Todos os senegaleses gostam do Brasil, falam de Lula com carinho e admiração. A comida é boa, os peixes e mariscos são ótimos, e muitas frutas boas. A presença de milhares de "invasores" do Fórum Social Mundial foi bem absorvida pela população.

A esquerda ganhou as eleições em Dakar e em muitas cidades. Voltei sem entender muito da política do país.

 

10 de fevereiro
Em meio às atividades do Fórum a notícia mais comentada nesse momento entre os participantes, de todos os continentes, é a queda de Mubarak que aqui é dada como certa.

A notícia é recebida por todos, em especial pelos africanos, com grande euforia e expectativa. A informação que recebemos é que milhares de pessoas se dirigem-se à Praça Tahrir para comemorar do ditador.

Segundo agências de Tvs e Jornais instalados em Dakar, Mubarak falará à nação hoje à noite (horário do Egito), o que aumenta ainda mais os rumores. O exército já anunciou que tomara as medidas necessárias para defender a nação e apoiar "as exigências legítimas do povo".

Uma ótima notícia para se receber em um Fórum Social Mundial.

 

9 de fevereiro
Apesar das dificuldades, foi muito bom o seminário das Fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois no Fórum Social Mundial, "Relações Brasil-África: balanço mundial", no dia 08 de fevereiro.

Gilberto Carvalho abriu a reunião lembrando que o Brasil que não conhece a história da África tem a chance de conhecer através do livro publicado pela UNESCO sobre Lula que, em oito anos de governo, fez mais viagens (11 no total) ao continente, superando os presidentes anteriores, visitando 29 países. Aliás, sua primeira viagem internacional depois de ter saído da presidência foi ao Senegal (FSM).

Nos oito anos de Lula, 19 embaixadas foram abertas na África, com tudo que isso implica. Em visita ao Senegal foi à Ilha de Gorée, por onde saíram 1 milhão de escravos para o Brasil: lá pediu perdão à África.

Gilberto falou da dívida ética, moral do Brasil com os povos do continente. Apesar das críticas dos conservadores brasileiros, que esta política de priorizar as relações Sul-Sul é populista, o governo Dilma manterá esta linha.

Gilberto, Ministro da Secretaria Geral da Presidência listou algumas iniciativas para além do enorme incremento das relações comerciais: instalação da Universidade em Redenção (Ceará) para estudantes brasileiros e africanos (especialmente dos países de língua portuguesa, mas não somente); o escritório da Embrapa que pesquisa e transfere tecnologias para a exploração sustentável da savana africana com ênfase na agricultura familiar; o laboratório em Moçambique para produzir antiretrovirais e os convênios para enfrentamento da anemia falciforme.

Deixou claro que a política brasileira na África não reproduz a relação dominador-dominado que marca a atuação das potencias e inclui a relação entre sindicatos, movimentos sociais, sociedade civil, cultura.

O senador Inácio Arruda do PCdoB bateu na estúpida idéia difundida à larga de que a África seria um continente perdido e defendeu a política de integração solidária que implica contribuir para a redução das desigualdades e para o desenvolvimento sustentável, reforçando as nações, os governos progressistas e transferindo tecnologia.

O professor Bernard Founou (camaronês há 30 anos no Senegal, ligado à Samir Amin) falou da profunda decepção da África com os E.U.A e as potências coloniais: esperava-se que viessem relações de cooperação no lugar da dominação e relações de exploração, isto é, o não neocolonialismo. Vê com esperança a nova onda, graças aos emergentes que não vem à África atrás de recursos naturais e para instalar bases militares. Destacou a China, Indía e particularmente o Brasil, com quem espera que a África tenha relações especiais, envolvendo as centrais sindicais, os movimentos sociais, as universidades, os partidos, a cultura (Alessandra da CONTAG e Jorge Streit da Fundação do Banco do Brasil deram testemunhos de relações nesta linha).

Gilberto Carvalho fechou dizendo que o 1º de maio em São Paulo neste 2011 será dedicado à África, e sob aplausos, anunciou que o governo Dilma estuda uma espécie de ProUni para estudantes africanos.

8 de fevereiro
Ontem foi dia de Lula. Ele desencarnou da presidência e fez um discurso importante, crítico, programático sobre a África. Saudou a rebelião popular no norte do continente, defendeu uma segunda independência, a revolução verde nas savanas, o ativismo popular. Voltou ao tema dos danos profundos do colonialismo e da escravidão.

 Retornou ao Brasil ontem mesmo. Foi a principal atividade do FSM até aqui na Place du Souvenir. À noite, Gilberto Carvalho, Maria do Rosário e Luiza Bairros se reuniram na residência da embaixadora Maria Elisa com membros do Conselho Internacional do Fórum, senegalesa e parte da (grande) delegação brasileira.

Gilberto Carvalho anunciou que o governo estuda o financiamento público das ONGs e que terá um relacionamento permanente com o Conselho Internacional. Maria do Rosário tratou bem do tema Memória e Verdade. Gilberto, em resposta, fez autocrítica pública ante a política com as rádios comunitárias (momento de mais aplausos).
 

07 de fevereiro
 Uma coisa estranha: o novo reitor da Universidade não estaria mantendo os compromissos quanto às salas e traduções, o que faria um estrago enorme. De todo modo, a atividade com Lula e Evo Morales foi mantida (ocorreu a partir das 13h no Anfiteatro).

O Brasil tem uma tenda enorme (Maison du Brésil) no local do Fórum.

À noite, às 19 horas, eu e Renato Simões iremos à embaixada brasileira para uma reunião de Lula com o Conselho Internacional do FSM. Às 20 horas a embaixadora convidou 150 pessoas para um coquetel – toda a delegação do PT/ FPA está convidada. Com a chegada de Renato Simões espera-se que os problemas aflitivos de local das reuniões, traduções sejam resolvidos.

Resolvemos priorizar a atividade com Lula, em detrimento da atividade na Ilha de Gorée (dia da África). Iremos lá em outro momento.

06 de fevereiro
A marcha popular do FSM em Dakar foi hoje e deu início à 11ª edição do Fórum, que espera reunir em seis dias cerca de 450 mil participantes de 120 países. A marcha foi ótima e surpreendente, e alcançou seu objetivo, primeiro porque houve predomínio absoluto de africanos, e segundo porque a presença de mulheres foi organizada e marcante.

Podemos dizer que o objeto principal da 11ª edição do FSM é dar voz e vez à África. As primeiras edições sempre tiveram preocupação com a América Latina e África, onde as desigualdades, pobreza, estagnação econômica e problemas sociais eram altos. Felizmente a América Latina conseguiu encontrar seu caminho na superação dos problemas históricos, e hoje o mundo assiste e acompanha com grandes expectativas as rebeliões populares africanas que clamam por democracia e justiça social. A África também começa a encontrar seu caminho.

A emoção provocada pela marcha hoje tem a ver com isso.

A Marcha de abertura foi indescritível. Impossível não falar mais de uma coisa ou outra. Oitenta por cento das pessoas, ou mais eram africanos. Vi pessoas de Guiné Bissau, Mali, Gana, Marrocos, Tunísia, Gambia, Mauritânia, e outros. Muitas mulheres de vários países com muitas agendas, o segmento mais numeroso e organizado dos africanos.

Muitos brasileiros também. Do PT, FPA, CUT, FUP, PCdoB, CTB, ONGs, veteranos de organização dos Fóruns nestes 10 anos, jovens e não-jovens não ligados à movimentos, pessoas do governo (que foram direto do aeroporto para a Marcha).

05 de fevereiro
A Espanha tem um terço da população brasileira e destinou aos partidos políticos 82 milhões de euros, e nenhum jornal fez sensacionalismo. Os países europeus que tem democracias mais antigas financiam os partidos, instituições indispensáveis na democracia.

No vôo Madrid-Dakar estava Lílian Celiberti. Ela e Gumercindo Diaz eram militantes do Partido de La Vitória Del Pueblo Uruguaio e foram presos em Porto Alegre pelo DOPS gaucho e entregues à ditadura uruguaia. Era a sinistra Operação Condor.

Felizmente a imprensa brasileira descobriu o caso e houve uma campanha nacional de denúncia que impediu a morte deles. Foi em 1979, durante a "abertura" lentíssima, gradual e segura (sem risco para os torturadores).

Em Madrid decidi ficar no aeroporto de Barajas para ler os jornais sobre o Egito (Dia do Adeus na Praça Tahrir). Os demais resolveram ir até o centro de metrô. Vários foram (pessoal do PCdoB). Nossa Secretária Nacional de Combate ao Racismo Cida Abreu e seu companheiro Moretzon foram impedidos de sair pelos agentes fiscais. Mila Frati argumentou que estavam de passagem para Dakar. Os agentes não aceitaram: disseram que muitos usam o artifício para migração ilegal. Deixaram passar os brancos e vetaram os negros. Racismo puro.

  Atualizado em 14/2/2011 – às 17:13