Hélio Bicudo
"Vi de longe as marchas da Família, com certa antipatia, pois eram claramente de direita. E depois veio o golpe. Se Jango quisesse sustá-lo, teria conseguido".Eu estava no meu gabinete quando recebi a notícia [da renúncia de Jânio Quadros]. Fui comunicar ao Carvalho Pinto, mas ele já sabia e estava telefonando para o Pedroso Horta, ministro da Justiça. Dizia: "Não é a primeira vez. Vamos segurar esse rojão". Ele já tinha renunciado ao governo do estado várias vezes, à candidatura presidencial também, só que nunca vingava… O Horta disse: "Recebi uma determinação do presidente e vou cumpri-la; vou levar para o Congresso. Ele está indo para São Paulo."
Jânio veio para Congonhas, esperava que houvesse um grande levante, mas como não tinha ninguém, rumou para Cumbica. O Carvalho Pinto me disse: "Vamos para Cumbica, quem sabe seguramos esse negócio…". No meio do caminho, rádio ligado, o Auro Soares de Moura Andrade, "macaco velho", presidente da Câmara, leu a renúncia. Fomos para a casa do coronel Faria Lima – irmão do brigadeiro, que tinha sido secretário de Viação e Obras Públicas do Carvalho Pinto. O Jânio estava lá. Entramos na sala, chegou o Jânio, e eles conversaram. Não dava para ouvir o que falavam. A versão de que ele foi agredido pelo Jânio é mentirosa. Saímos e o Carvalho Pinto disse: "Não tem jeito, ele disse que o Brasil é ingovernável do jeito que está e que vai voltar para a atividade civil". O Jango estava na China. O Queiroz Filho, o Carvalho Pinto e eu fomos ao antigo Ministério da Guerra no Rio, onde estava o ministro Deni. Nesse ínterim o brigadeiro Faria Lima telefonou para o Deni dizendo: "O Jânio já embarcou e a única maneira de conseguirmos botar a casa em ordem é mandar uma fragata da Marinha trazê-lo para a Presidência da República". Era a tentativa de golpe. E Deni não deu nem resposta.
[…] Em maio de 63. Nós fomos para o Rio, para o Palácio do Governo, nas Laranjeiras. E o Carvalho Pinto começou a botar a casa em ordem. Ele sabia quanto o Brasil devia ao exterior. Era uma porcaria, três milhões de dólares… Ele arrumou a casa e começou aquela efervescência: reformas de base, Ligas Camponesas, greve dos bancários. Carvalho Pinto foi para Washington negociar com o FMI e me deixou o "abacaxi" na mão por quinze dias… Quando ele estava lá, numa madrugada, um capitão do Exército que trabalhava no gabinete me disse que Jango havia tido uma reunião com o Ministério, na qual se falava em decretar estado de sítio. […] O Darci Ribeiro, que era o chefe da Casa Civil, o ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, os ministros da Marinha Paulo Mário Rodrigues, da Aeronáutica, Anísio Botelho, das Minas e Energia, Gabriel de Resende Passos, e da Justiça Abelardo Jurema. Eu perguntei: "E se o Congresso negar?". E o ministro das Minas e Energia respondeu: "Fechamos o Congresso". No meio da conversa, o Jango perguntou para o ministro da Guerra: "E o Castelo?" – que era o chefe do Estado Maior do Exército. Ele disse "o Castelo não comanda nem a ordenança". E o Castelo articulando o golpe…
[…] [Em São Paulo] vi de longe as Marchas da Família, com certa antipatia, pois eram claramente de direita. E depois veio o golpe. Se Jango quisesse sustá-lo, teria conseguido. Ele tinha o I Exército inteiramente do seu lado, o único que tinha poder de fogo. Mas não tinha vontade para isso. O chefe da Casa Militar, general Assis Brasil, que era adido no tempo em que eu estava no Ministério da Fazenda, era um alcoólatra e no dia do golpe estavam, ele e a mulher, completamente embriagados. A primeira vez que ouvi falar dele foi porque queria saber como entrar com um carro no país sem pagar os impostos alfandegários.
[Depois do golpe] continuei no Ministério Público. E têm início os crimes do Esquadrão da Morte. Tiravam os presos do Presídio Tiradentes e matavam, como se tivesse sido uma briga. Eles punham um cartaz com a caveira e os fêmures, "Esquadrão da Morte", EM. E todo mundo de braços cruzados. Todos os processos eram arquivados na Justiça. Então, fui designado para fazer as apurações. Eles estavam certos de que eu não ia aceitar, mas aceitei.
Trechos extraídos de entrevista a Paulo Vannucchi e Rose Spina na Revista Teoria e Debate nº 49, (4º trimestre de 2001). Clique para ler a entrevista na íntegra.