Nós sem ele
A casa onde funciona a Secretaria de Educação do Município de Matureia, na Paraíba (320 quilômetros da capital João Pessoa, com cerca de 6 mil habitantes relativamente equilibrados entre urbanos e rurais), tem paredes velhas com tinta amarela desgastada e o nome do órgão municipal mal se consegue ler.
A casa onde funciona a Secretaria de Educação do Município de Matureia, na Paraíba (320 quilômetros da capital João Pessoa, com cerca de 6 mil habitantes relativamente equilibrados entre urbanos e rurais), tem paredes velhas com tinta amarela desgastada e o nome do órgão municipal mal se consegue ler.
Vizinho funciona a Agência dos Correios. Em dia de feira, às quartas, os agricultores aproveitam para perguntar ao funcionário da agência se tem correspondência, sacar algum dinheiro no banco postal, realizar pagamentos e também obter na secretaria cópia de fichas dos filhos alunos atestando que os pais são agricultores. Esse documento é normalmente aceito pelo INSS para comprovação de aposentadorias e por vários órgãos do governo para a obtenção de benefícios sociais. Dos quais o Bolsa Família é o mais visível.
Numa dessas quartas-feiras pela manhã, entre o primeiro e segundo turno, entra na secretaria o agricultor Silvano Caluete, 30 anos, à procura de uma ficha de matrícula de seu filho que estuda em uma das escolas do município. Ângela, nossa secretária, localiza a ficha, mas a xerox da secretaria está quebrada. Peço a ela que vá à principal escola do município, que fica quase em frente, tirar uma xerox. Nesse meio tempo, Silvano fica sentado, escorado na parede, e ficamos conversando. Passa um carro de som da campanha de um dos candidatos ao governo do estado e a ficha de sua ligação com Lula parece cair, girando a cabeça:
“É, em janeiro Lula deixa o governo”, diz ele, com ar desolado, capaz de balançar com sua angústia um militante rodado que já viu quase de tudo nesse apego dos pobres por Lula.
A expressão indicava uma visível preocupação de como seria a vida sem ele, sem os programas sociais, o muro de proteção aos seus que Lula ergueu e solidificou durante seu governo. Engato uma tentativa de argumentação para aliviar sua preocupação: “Você sabe que Dilma é a candidata a presidente de Lula?”
“Sei e voto nela. Mas que nem ele não tem, não”, responde, ainda com um ar de angústia estirado para o futuro.
“Olha, Lula não pode ser candidato porque já foi duas vezes, e a lei não permite uma terceira vez seguida”, argumento.
“Mas depois ele pode voltar, né?”, insiste ele.
Essa simbiose entre Lula e o povo merece ser estudada pela Sociologia Política para além da dicotomia de ser ou não um culto à personalidade. Lula não é Stalin, nem tampouco o PT é o PCURSS. Esse gosto pelo contato com o povo está entranhado na personalidade de Lula. E também na origem da formação do PT. E a institucionalidade ainda não foi capaz de arrancar isso de Lula e do PT. Não por acaso Lula passa o fim de ano entre catadores de lixo, que se sentem representados no presidente que, aliás, chamam pelo nome, e não pela função. “Espia só onde Lula está.” Essa foi uma frase emblemática que também presenciei numa barraca de periferia enquanto lanchava e a TV ligada mostrava Lula ao lado da Rainha da Inglaterra. Cada passo vitorioso de Lula mundo afora parece ser um orgulho dos seus. O experiente Franklin Martins já ouviu o grito dos trabalhadores de um estaleiro: “Lula você é um dos nossos e fomos nós que colocamos você aí”.
Para um painel dessa aula horizontal de fazer política, recomendo as longas solenidades das atividades do governo federal transmitidas sem cortes pela NBR, o canal de TV a cabo do governo federal. Tem farto material para os que desejam se debruçar sobre esse tema.
Nilton José Dantas Wanderley, filiado ao PT desde fevereiro de 1981, bacharel em Ciências Sociais pós-graduado em Política, Cultura e Trabalho, pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é secretário Municipal de Educação de Matureia (PB)