Um passo corajoso na direção da paz
Em resposta a um pedido feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o Brasil anunciou o reconhecimento de um Estadopalestino nas fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Trata-se da concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel. A iniciativa do governo Lula abre caminho e favorece as imprescindíveis negociações entre Israel e os palestinos a fim de que se alcance concessões mútuas sobre outras questões centrais do conflito. O reconhecimento do estado da Palestina é a melhor maneira de tirar do estancamento as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do ovo palestino. Ao mesmo tempo Brasília condena quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.
Com uma vitória militar arrasadora na Guerra dos Seis Dias, Israel ampliou seu território, muito além do estabelecido pela Partilha da Palestina, em 1948. Já em novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU votou a célebre resolução 242 que determina “que a efetivação dos princípios da Carta das Nações Unidas requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio que inclua a aplicação dos dois seguintes princípios: 1. Evacuação das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito recente; 2. Encerramento de todas as reivindicações ou estados de beligerância e respeito pelo reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e de seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou de atos de força. Afirma ainda a necessidade de: a – Garantia de liberdade de navegação através das águas internacionais da área; b – Conseguir um acordo justo para o problema dos refugiados; c – Garantir a inviolabilidade territorial e independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam a criação de zonas desmilitarizadas.
Esta resolução jamais foi respeitada por Israel sempre contando com o apoio de Washington. Levantaram-se questões semânticas – o texto não dizia evacuação de “todos” os territórios ocupados – e depois infindáveis obstáculos geoestratégicos e de diversas outras ordens. Israel argumenta agora que o reconhecimento do Brasil viola o chamado “Acordo de Oslo 2” firmado entre o israelense Itzhak Rabin e o palestino Yasser Arafat em 28 de setembro de 1995, que prevê que o status final da Cisjordânia só poderá ser definido por meio de negociações diretas, portanto qualquer ação unilateral estaria vedada. Contudo, a história registra que poucas semanas depois da assinatura desse acordo em 4 de novembro de 1995, Rabin foi assassinado. Líderes de partidos de direita, incluído muitos membros do Knesset (Parlamento), foram acusados de incitação selvagem que levaram ao acontecimento. As eleições de 1996 deram vitória ao partido de direita Likud, e Benjamin Netanyahu assumiu como primeiro-ministro, propondo-se a torpedear o Acordo de Oslo. O resultado do pleito trouxe de volta ao poder governantes que não estavam dispostos a continuar fazendo concessões em nome da paz. Em agosto de 1996, o governo anulou o decreto que proibia a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.
A ocupação dos territórios palestinos já leva 43 anos. Só para citar um exemplo histórico, a Alemanha, responsável pela hecatombe da Segunda Guerra Mundial que vitimou dezenas de milhões de soldados e civis, que provocou no Holocausto o extermínio de 6 milhões de judeus, ocupada, após a sua capitulação pelas forças dos países Aliados, recuperou sua independência e integridade territorial 4 anos depois, em maio de 1949 –República Federal Alemã, e em outubro de 1949 – República Democrática Alemã. Já em 1990, após a que do Muro de Berlim houve a reunificação.
Muitos países que mantêm relações intensas com Israel reconhecem a Palestina bem como a esmagadora maioria dos países representados na ONU. A iniciativa brasileira é consentânea com a postura histórica e a disposição inalterada de contribuir com o processo de paz, estando em consonância com as resoluções das Nações Unidas que exigem o fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro de fronteiras reconhecidas, aquelas anteriores à Guerra dos Seis Dias. É a defesa do princípio de “Dois Estados”
Posição histórica nesse sentido também é a do Partido dos Trabalhadores. Em meados dos anos 1990, membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais, respeitando criteriosamente as teses defendidas pelo Partido, ajudamos a fundar, organizar e dirigir o Movimento Shalom Salam Paz. Esse movimento congregava brasileiros de ascendência judaica, sionistas e não sionistas, de esquerda e centro-esquerda, brasileiros de ascendência árabe, moderados e menos moderados, os de ascendência palestina e todos aqueles dispostos a lutar por uma paz justa e duradoura no Oriente Médio e em particular, entre Israel e os palestinos. Foi extremamente difícil conciliar as posições, houve pressão das Federações judaica e árabe e do consulado de Israel, porém conseguiu-se aprovar os pontos básicos: desocupação dos territórios palestinos ocupados com a Guerra de 1967; respeito à Resolução 242 das Nações Unidas com o reconhecimento pelos palestinos do Estado de Israel com fronteiras demarcadas, reconhecidas internacionalmente, seguras e definitivas; criação do Estado palestino, laico e viável; estabelecimento de Jerusalém leste e oeste como capital de ambas as nações; reconhecimento do direito de retorno dentro de limites a serem acordados; direito de acesso à água definidos em acordo binacional; facilidade do direito de ir e vir e do comércio binacional. Forças internacionais sob a égide da ONU garantiriam o cumprimento das decisões. O Shalom Salam Paz levou essas idéias a dezenas de faculdades e colégios, a diversas instituições, deu dezenas de entrevistas a jornais, rádios e televisões, participou de debates, esteve presente nos Fóruns Sociais Mundiais. O Partido dos Trabalhadores tem relações de camaradagem com partidos e organizações de esquerda, de centro-esquerda e progressistas de todo o mundo, inclusive de Israel. As pontes que deseja construir e manter devem ser alicerçadas em princípios comuns, de soberania, de auto-determinação dos povos, de relações fraternais entre povos e nações, de solução pacífica e justa para os confrontos internacionais.
Uma diabólica espiral de sangue e dor, com raros interregnos, tomou conta da região nas últimas décadas. Guerras convencionais, ações terroristas e retaliações terroristas sem fim e com teor cada vez mais cruel e aterrador atingindo pessoas inocentes, governos árabes massacrando palestinos, assassinato de Rabin, negociações de paz torpedeadas ao sabor de interesses estratégicos e de poder, massacre de Munique e chacina de Jenin, intifada um e dois. Desde 1948, os palestinos estão condenados a viver submetidos a uma revoltante humilhação. Perderam suas terras, perderam aliberdade e nunca puderam formar e organizar seu Estado. Hoje o cerco se estreitou e se tornou cruel. Sem permissão, não têm acesso à àgua,a alimentos, a medicamentos. Não têm empregos nem vida econômica normal. Não podem ir de Gaza à Cisjordania, seus dois pedaços de terra. Não lhes permitem circular extra-muros sem passar por vexaminosos controles. Gaza se transformou numa prisão quando seus habitantes votaram em quem seus vizinhos acharam que não deveriam ter votado.
A Palestina hoje é muito menor que a que sobrou da Guerra dos Seis Dias. Colônias são assentadas em suas terras e atrás vêm os soldados corrigindo a fronteira. Se os assentamentos não são suficientes, que se erga um muro comendo mais pedaços de terra. Se olharmos comparativamente os mapas vemos que pouca Palestina restou.
Sabemos que a atual composição do eleitorado israelense levou ao governo líderes que abraçam a solução de confronto e não reconhecimento de “Dois Estados” laicos e democráticos. Se de um lado, moralmente, não pode um povo que ao longo da história sofreu o que sofreu impor a outro povo sofrimentos que tem de sofrer, de outro, só a pressão dos povos e da comunidade internacional poderá levar as partes a uma séria mesa de negociações. Geograficamente – e isto é ineludível – Israel é território do Oriente Médio, tendo como vizinhos em todas as direções países árabes.
Não é possível sentar-se o tempo todo sobre a ponta da baioneta, ao preço de transformar a nação numa simples fortaleza. Inexoravelmente, vai ter de conviver no futuro, e pacificamente, com seus vizinhos. Contudo, a comunidade internacional deve abandonar os discursos vazios, as declarações ardilosas, a indiferença, as manifestações altissonantes, comportamentos ambíguos que servem de amparo à impunidade. Que os países árabes deixem de lavar as mãos. Que países europeus, que durante séculos costumavam praticar a caça aos judeus e há décadas passaram a cobrar essa dívida histórica dos palestinos, ponham de lado a hipocrisia de derramar umas tantas lágrimas enquanto celebram secretamente outro lance de mestre. E que os Estados Unidos deixem a parcialidade e ajudem a construir a paz justa entre Israel e palestinos, que seguramente servirá para estendê-la a outros rincões da mesma região.