Consciência negra: Flavio Jorge fala sobre desafios do governo Dilma no combate ao racismo
Flávio Jorge Rodrigues da Silva, diretor da Fundação Perseu Abramo e membro da direção da Coordenação Nacional das Entidades Negras – CONEN aborda, nesta entrevista concedida ao portal FPA, os desafios que o governo da presidenta Dilma Rousseff enfrentará para garantir o combate ao racismo e avançar nas políticas de promoção da igualdade racial.
Portal FPA – Qual é a expectativa do movimento negro sobre o governo Dilma, principalmente em relação às políticas públicas?
Flávio Jorge – A população negra votou em Dilma Rousseff para Presidenta da República, o que foi explicitado por uma pesquisa divulgada pelo Ibope no segundo turno das eleições que indicou a tendência de voto dos eleitores entrevistados que se autoclassificaram pretos e pardos. Nessa pesquisa, em que a divisão do eleitorado por cor obedeceu às mesmas categorias do IBGE utilizadas no Censo de 2010, o candidato José Serra era o preferido entre brancos e amarelos e a candidata Dilma Rousseff entre pretos e pardos.
As mais importantes entidades nacionais do movimento negro, acompanhando o conjunto das organizações do movimento social brasileiro, tornaram público o apoio a Dilma Rousseff.
Podemos afirmar que o voto da população negra e o apoio do movimento negro expressaram a compreensão dos projetos que estavam em disputa no processo eleitoral concluído no dia 31 de outubro e a opção pela continuidade de uma ação de governo, iniciada nos governos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que reconhece o grave quadro de desigualdade sócio-econômica em razão das diferenças raciais no Brasil e a necessidade de políticas para a erradicação do racismo e da pobreza em nosso país.
Mas no apoio manifestado o movimento negro também indica que é preciso fazer mais em um novo governo, o da Presidenta Dilma Rousseff, nas políticas de promoção da igualdade racial e de superação do racismo.
São necessárias medidas para diminuir a violência urbana e conter o número de assassinatos que pesam sobre a juventude negra, para melhorar a educação, a renda e qualidade de vida, principalmente para a juventude e as mulheres negras.
A Lei de Cotas nas Universidades Públicas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. A regularização fundiária e a posse da terra para os quilombolas precisam sem garantidos e ampliados.
O Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, aprovado nas Conferências realizadas, precisa ser divulgado e implementado.
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a SEPPIR, precisa ser reestruturada para atender às demandas históricas da população negra, com a ampliação de seu orçamento e dos recursos materiais e humanos, com maior capacidade técnica, política e institucional.
Enfim, transformar a política pública de promoção da igualdade racial em uma efetiva política de Estado.
Essa expectativa se repete nos Estados, com os governadores eleitos?
Sim, principalmente em Estados onde a maioria da população é negra, como na Bahia. É importante destacar que existe um distanciamento entre os avanços reconhecidos no Governo Federal nos últimos anos, nas políticas de promoção da igualdade racial e de superação do racismo, e as ações que tem sido implementadas na mesma direção, pela maioria dos Governos Estaduais, com poucas exceções.
Sobre a onda de preconceitos variados que permearam a campanha eleitoral e ainda continua se manifestando abertamente na sociedade brasileira, como o movimento negro se coloca à respeito? É uma ameaça às conquistas dos negros e negras do Brasil?
O rebaixamento do debate político e o obscurantismo em posicionamentos revelados por setores retrógados de nossa sociedade através da internet e mesmo no rádio, na televisão e nas principais revistas e jornais da grande imprensa, podem reforçar uma onda de conservadorismo que está em curso em nosso país há algum tempo.
Essas forças conservadoras tem tentado minar nossas conquistas através da negação da necessidade das políticas de ações afirmativas e de promoção da igualdade racial que estão sendo construídas nos últimos anos e que começam a reparar a dívida social de mais de 500 anos com a população negra de nosso país. Chegam a afirmar que essas políticas podem fomentar o ressentimento e o incentivo ao ódio racial e atribuem ao movimento negro essa responsabilidade.
A ação da militância negra e de combate ao racismo vem mudando nosso país nas suas relações raciais e tem sido uma importante contribuição para a consolidação da democracia no Brasil.
Leia Também
– Documento: Leia aqui o documento com posicionamento da CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras) sobre as eleições 2010
– Artigo: Brasil tem estatuto da igualdade racial, por Flávio Jorge
– Entrevista: Uma conversa com Zeelândia Cândido de Andrade, filha do líder da Revolta da Chibata, João Cândido
– Artigo: A Revolta da Chibata e seu centenário, de Álvaro Pereira do Nascimento. Publicada originalmente na Revista Perseu nº 5 (em PDF)
– Pesquisa: Discriminação Racial, realizada em 2003 (parceria entre as Fundações Perseu Abramo e a alemã Rosa Luxemburg Stiftung)