Nos últimos anos assistimos incrédulos alguns flertes com a ditadura por parte de Bolsonaro, sua família e até de uma parte da população. O deputado federal Eduardo Bolsonaro chegou a dizer que “se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5”, ao falar sobre os protestos de rua que estavam acontecendo em outros países da América Latina. Mas que não chegaram a acontecer aqui.

esmo com a nossa jovem democracia fragilizada, não existe nos dias de hoje uma possibilidade de conferir todos os poderes aos militares. Mas como ainda existem entusiastas da ditadura e do ato institucional nº 5, é importante relembrarmos o que foi para que de verdade nunca mais aconteça. 

 A edição do jornal Em Tempo nº 41 de dezembro de 1978 – arquivada e preservada pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda – traz em suas páginas um especial sobre os 10 anos do AI-5. Naquela edição, feita ainda nos anos sombrios da ditadura, a pergunta era: “10 anos de AI-5 até quando?”. Pois mesmo revogado em outubro daquele ano, o ato ainda trazia sérias consequências para o Brasil. 

O “golpe dentro do golpe”

Na noite de 13 de dezembro, o ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, anuncia ao país em rede de rádio e TV o Ato Institucional nº 5 – uma lista de 12 artigos brutais que liquidava de vez com os fragmentos do Estado de Direito e das liberdades democráticas no país. A partir daquela noite, o general presidente Arthur da Costa e Silva passava a ter poderes para fechar o Congresso – o que fez imediatamente –, as Assembleias e as Câmaras Municipais, de intervir nos governos estaduais e prefeituras e de afastar ministros do Supremo Tribunal Federal – o que viria a fazer nas semanas seguintes. 

O general presidente podia cassar mandatos e suspender direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos, proibir qualquer pessoa de se manifestar sobre assuntos políticos, afastar servidores estáveis e decretar o confisco de bens de indivíduos ou empresas. Tudo isso sem possibilidade de apreciação pela Justiça. 

A mais grave das medidas suspendia o direito a habeas corpus “nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. Todo cidadão ficou sujeito a ser preso por agentes do Estado, sem acesso a recurso. 

O “golpe dentro do golpe” vinha sendo urdido dentro do governo ao logo do tumultuado ano de 1968, com a conivência silenciosa de Costa e Silva. A negativa da Câmara ao processo de cassação do deputado Márcio Moreira Alves (MDB) foi apenas o pretexto da crise militar e política que culminou na decretação do AI-5. 

O texto, redigido por Gama e Silva, já estava pronto quando o general presidente convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, no Palácio das Laranjeiras, residência oficial do presidente no Rio. Dos 24 participantes – entre ministros civis e chefes militares, além do chefe do SNI –, apenas o vice-presidente Pedro Aleixo manifestou-se contrário ao ato. 

 

O AI-5 não tinha prazo de vigência. Vigorou por dez anos, período em que cerca de 1.500 pessoas sofreram cassação e afastamento do serviço público e 950 filmes e peças foram proibidos. Mais de 10 mil cidadãos foram presos, milhares torturados  – dos quais 1.843 ousaram denunciar a tortura nos tribunais militares – e pelo menos 390 foram assassinados. Tudo em nome “do interesse nacional”.

 

Este texto é um trabalho do Memorial da Democracia, o museu virtual das lutas democráticas do povo brasileiro, que é mantido pela Fundação Perseu Abramo e pelo Instituto Lula.

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