Em 22 de novembro de 1910, um levante de marinheiros agitou o Rio de Janeiro. Liderados por João Cândido, cerca de 2 mil trabalhadores negros tomaram dois navios, apontaram seus canhões para a sede do governo e exigiram o fim dos castigos corporais. O protesto durou uma semana e surpreendeu a Marinha e a elite dominante, que foram obrigadas a ceder às exigências. A chibata – símbolo da escravidão, abolida 22 anos antes – foi proibida e os revoltosos foram anistiados.

Em 22 de novembro de 1910, um levante de marinheiros agitou o Rio de Janeiro. Liderados por João Cândido, cerca de 2 mil trabalhadores negros tomaram dois navios, apontaram seus canhões para a sede do governo e exigiram o fim dos castigos corporais. O protesto durou uma semana e surpreendeu a Marinha e a elite dominante, que foram obrigadas a ceder às exigências. A chibata – símbolo da escravidão, abolida 22 anos antes – foi proibida e os revoltosos foram anistiados.

Aos gritos de “viva a liberdade”, os marinheiros negros comemoraram a vitória contra o racismo e a exploração. Um mês depois, porém, o presidente Hermes da Fonseca traiu os compromissos e partiu para a revanche. Ele ordenou a prisão de 18 líderes do movimento, entre eles João Cândido, o “Almirante Negro”, que foram detidos e torturados na Ilha das Cobras. O horror das masmorras levou João Cândido a ser internado no Hospício Nacional de Alienados para exames de sanidade.

Mês da consciência negra

Este episódio entrou para a história como a Revolta da Chibata. Juntamente com outro episódio que reverencia a luta contra o racismo e a exploração – o assassinato de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695 –, ele deu origem ao “Mês da Consciência Negra”. Num contraponto à visão adocicada sobre a abolição da escravatura, “dádiva” da Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, o movimento negro comemora em novembro a resistência à opressão étnica e de classe.

Neste ano, a lembrança destes dois episódios ganha ainda maior relevo. As eleições presidenciais de outubro destamparam o racismo e o preconceito contra negros, nordestinos, homossexuais e outros segmentos sociais. A campanha fascistóide de José Serra estimulou os piores instintos. A mídia oligárquica amplificou os preconceitos. Na internet, jovens de classe média paulista babam ódio. Só falta exigir o retorno da chibata, dos castigos corporais, contra negros e nordestinos.

Crime inafiançável e imprescritível

Mayara Petruso, estudante de direito, ficou famosa ao pregar no twitter: “afogue um nordestino”. Um grotesco manifesto, intitulado “São Paulo para os paulistas”, culpa os migrantes pelo caos social e defende: “restringir o acesso a serviços públicos como saúde e educação; acabar com a cobrança de taxas diferenciadas de água, luz e IPTU nas favelas, suspender a distribuição de medicamentos gratuitos, auxílio-aluguel, de quaisquer bolsas por número de filhos, da entrega de casas populares, de entrega de uniforme, material e transporte escolar, e de cestas básicas”.

Esta onda de preconceito atenta contra a Lei 7.716, de 1989, que define como crime de racismo não apenas sua prática, mas também a incitação à discriminação, e ainda fixa como agravante se ele é cometido por intermédio de meios de comunicação. Pela lei, o racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à prisão. O Ministério Público Federal já recebeu denúncias contra 94 criminosos da internet e a Polícia Federal investiga quem são os mentores do abjeto manifesto.

Os protestos do “mês de consciência negra” devem servir para pressionar as autoridades a serem duras e rápidas na punição destes novos racistas. Essa é a melhor forma de homenagear Zumbi dos Palmares e o Almirante Negro. É preciso cobrar da “justiça” brasileira, que só leva à cadeia o ladrão de galinha, que seja energética na condenação dos filhinhos de papai da elite paulista. Não dá para contemporizar com o retorno da chibata, com este ovo da serpente do fascismo.

Leia também:

Publicação: Revista Perseu nº 5 – dossiê "Rebeliões: Motim e Negociações"

Blog FPA: Consciência negra: o mito da democracia racial, por Kabengele Munanga